Marcelo Rebelo de Sousa promulgou este domingo os três diplomas que desbloqueiam medidas de apoio social “urgentes”. Com esta decisão, o Presidente da República deixa nas mãos do Governo a decisão de “suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos diplomas agora promulgados” junto do Tribunal Constitucional (TC). Marcelo contraria, assim, o Executivo que não queria que os diplomas tivessem luz verde por violarem a norma-travão (que impede o Parlamento de aprovar medidas que aumentem a despesa pública além do previsto no Orçamento do Estado).

“Como é óbvio, dispõe o Governo do poder de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos diplomas agora promulgados, como já aconteceu, noutros ensejos. É a Democracia e o Estado de Direito a funcionarem”, argumenta Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República justifica a promulgação com a “urgência” em adotar as medidas aprovadas devido à “situação vivida”, reconhecendo que a legislação do Governo responde “em parte” às necessidades dos cidadãos. Em causa estão três diplomas: um alarga o âmbito dos apoios dos trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual, outro para o reforço do apoio aos pais que têm de tomar conta dos filhos em casa devido ao encerramento das escolas e outro que estende os mecanismos excecionais de gestão a mais profissionais de saúde. O Executivo não queria que as medidas tivessem luz verde por violarem a norma-travão.

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Essa preocupação do Governo de aumento da despesa é, aliás, referida pelo Presidente. Diz que, embora os três diplomas impliquem “potenciais aumentos de despesas ou reduções de receitas”, os montantes não estão definidos “à partida” até porque estão “largamente dependentes de circunstâncias que só a evolução da pandemia permite concretizar. E, assim sendo, deixando em aberto a incidência efetiva na execução do Orçamento do Estado“.

O próprio Governo tem, prudentemente, enfrentado a incerteza do processo pandémico, quer adiando a aprovação do Decreto de Execução Orçamental, quer flexibilizando a gestão deste, como aconteceu no ano 2020″, acrescenta.

Marcelo ainda diz que o Presidente da República pode enviar os diplomas ao TC sempre que tenha dúvidas da sua constitucionalidade. Mas frisa que tem entendido “desde o primeiro mandato, e sobretudo durante a presente crise”, só o fazer quando não é, “de todo em todo, possível uma interpretação dos diplomas que seja conforme à Constituição”, o que não foi o caso.

O Presidente da República sublinha que quer evitar “agravar querelas políticas, em momentos e matérias sensíveis”, sobretudo “em situações extremas de confronto entre Governo minoritário e todos os demais partidos com assento parlamentar”. Essas situações, aponta Marcelo, “aconselham, de parte a parte, a concertação de posições e não a afrontamento, sobretudo numa crise tão grave, a exigir espírito de diálogo e não espírito de dissensão ou discórdia, e muito menos um clima de crise política, a todos os títulos indesejável”.

Além de o “sinal político” transmitido pelas medidas aprovadas ser “visível”, “não se justifica o juízo de inconstitucionalidade dessas medidas”. “O que, aliás, parece ser confirmado pela diversa votação do partido do Governo em diplomas com a mesma essência no conteúdo, ora abstendo-se ora votando contra”.

Marcelo termina chamando a atenção para o “essencial” do debate: “De um lado, não há Governo com maioria parlamentar absoluta, sendo essencial o cumprimento da legislatura de quatro anos. Do outro lado, os tempos eleitorais podem levar, por vezes, as oposições a afrontamentos em domínios económicos e sociais sensíveis.”

“Compete ao Presidente da República sublinhar a importância do entendimento em plenas pandemias da saúde, da economia e da sociedade. Sensibilizando o Governo para o diálogo com as oposições e tornando evidente às oposições que ninguém ganharia com o afrontamento sistemático, potencialmente criador de uma crise lesiva para Portugal e, portanto, para os Portugueses”, conclui.

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O Governo, na sexta-feira, tinha admitido enviar para o TC os diplomas. A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, disse que o Executivo aguardava a decisão de Marcelo, mas assegurou que o “Governo não abdica de nenhuma das suas prerrogativas [constitucionais] e usará se necessárias”. A ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, lembrou no sábado a existência do mecanismo da lei-travão.

“Uma questão de justiça”, diz Catarina Martins

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, já reagiu à promulgação do Presidente da República. Considera que o país “não compreenderia que o governo insistisse na redução do apoio a trabalhadores independentes e sócio-gerentes com atividade parada pela pandemia”.

O Bloco insistiu, o Parlamento aprovou e o Presidente da República promulgou. Uma questão de justiça“.

Francisco Rodrigues dos Santos saúda decisão “socialmente responsável e humanista”

Na senda das reações à promulgação de Marcelo Rebelo de Sousa, o CDS, através do seu líder Francisco Rodrigues dos Santos, “saúda esta decisão socialmente responsável e humanista” porque “numa questão de justiça social”, Marcelo “escolheu estar ao lado dos mais vulneráveis e das principais vítimas desta catástrofe pandémica — que é o que se exige aos responsáveis políticos.”

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A decisão motivou ainda críticas ao Executivo de António Costa, acusando-o de insultar “os que mais sofrem”. À Rádio Observador, Francisco Rodrigues dos Santos disse: “Nesta altura de urgência social é altura do Governo estar ao lado das famílias com mais dificuldades e seria um insulto para os que mais sofrem não terem luz verde do poder político para serem ajudados com dignidade”. Na opinião do líder do CDS, “perante as tentativas de boicote do governo ao parlamento”, Marcelo Rebelo de Sousa “foi um desbloqueador da normalidade democrática e um catalisador dos apoios sociais.”

Sobre a “ameaça” do Governo em enviar os decretos para o Tribunal Constitucional, o líder do CDS diz que essa é uma “prerrogativa jurídica” que Costa “tem à sua disposição mas é um insulto às vítimas desta catástrofe pandémica, dos trabalhadores independentes, dos sócios-gerentes, das famílias que passam dificuldades”. 

Chega elogia Marcelo

O partido Chega  também elogiou a decisão do Presidente da República, considerando “incompreensível a pressão do Governo” para que fossem vetados ou enviados para o Tribunal Constitucional. “Marcelo Rebelo de Sousa tomou, nesta matéria, a decisão certa e realista: os reforços dos apoios sociais, nomeadamente a independentes, são fundamentais e seria um enorme desrespeito à Assembleia da República – e sobretudo ao povo português – que não fossem efetivados”, defende o partido liderado por André Ventura, em comunicado.