Uma notícia falsa, divulgada a 1 de Abril, é apenas mais uma mentirinha inocente que se desculpa pela tradição de se enganar o parceiro do lado no dia das mentiras. Porém, se a mesma mentirinha for divulgada três dias antes, pelos canais institucionais, é uma brincadeira de mau gosto que pode provocar danos reputacionais e financeiros. E foi exactamente isto que a Volkswagen fez.

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O representante norte-americano dos destinos da alemã Volkswagen AG (ou Grupo VW), anunciou a 29 de Março que pretendia alterar a sua razão social. Em vez de Volkswagen of America, passaria a ser denominada Voltswagen of America, uma troca do K pelo T que visaria chamar a atenção para o decidido movimento rumo à mobilidade eléctrica que o grupo germânico abraçou e em que investiu muito mais do que qualquer dos seus rivais directos. A notícia que colocava a VW a materializar desta forma a aposta nos veículos eléctricos era credível, uma vez que estava em linha com o que a Hyundai tinha revelado meses antes, quando anunciou a criação de uma submarca para os seus veículos eléctricos, a Ioniq.

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A Volkswagen of America divulgou a mudança de nome através do Twitter e os jornalistas norte-americanos rapidamente contactaram a empresa para se certificarem que não havia possibilidade de se tratar de uma antecipação do 1 de Abril, avançando apenas com a notícia depois da confirmação. A novidade correu mundo e a cotação das acções reagiu de imediato, subindo de 224€ para 240€ em apenas dois dias, o que fez o valor da VW ultrapassar os 140 mil milhões de euros, um verdadeiro recorde.

A 31 de Março, na véspera do dia das mentiras, a Volkswagen of America sucumbiu à pressão e admitiu que toda a história em torno da Voltswagen não correspondia à verdade e era apenas uma mentira de Abril antecipada, o que em termos práticos permitia que fosse caracterizada algures entre uma mentira descarada ou uma notícia falsa, conceitos de que a uma empresa séria como o grupo alemão deve fugir a sete pés.

As reacções não se fizeram esperar e toda a agitação de que a Volkswagen beneficiou durante cerca de 48 horas, de aplauso à aposta na electrificação e consequente subida do valor das acções, rapidamente se transformaram em críticas violentas, associando esta mentira à outra de 2015, quando este mesmo grupo foi apanhado (e pesadamente punido) por ter mentido no caso Dieselgate.

Mas além de ter passado a ter parte da opinião pública contra ela, a Volkswagen of America passou a estar sob o escrutínio da CMVM norte-americana (a Securities and Exchange Commission, SEC). O regulador não gostou de saber que a Voltswagen era apenas uma manobra de marketing para chamar a atenção para os veículos eléctricos do construtor alemão, no exacto momento em que o novo VW ID.4 chega ao mercado americano. Como a SEC concluiu que o falso anúncio fez disparar o preço das acções – analistas de Wall Street aconselharam a compra após o anúncio do construtor –, o regulador vai agora escrutinar a actuação da Volkswagen, uma vez que “é proibido (e duramente penalizado) às companhias cotadas realizar afirmações falsas ou que induzam em erro os investidores”. Basta recordar os 20 milhões de multa que a SEC infligiu em 2018 a Elon Musk e à Tesla, quando o primeiro anunciou no Twitter que tinha reunido investidores para tornar a Tesla privada, o que fez disparar o valor dos títulos, e depois não conseguiu materializar a sua promessa.