E agora? — é a pergunta que muitos portugueses fizeram esta sexta-feira depois do juiz Ivo Rosa ter lido a súmula da sua decisão instrutória sobre a acusação da Operação Marquês. José Sócrates começa já a ser julgado pelos seis crimes de que acabou pronunciado? Ou o recurso já anunciado pelo Ministério Público tem efeito suspensivo? E haverá julgamentos separados dos cinco arguidos pronunciados?

O Observador tenta responder a essas e a outras perguntas após ter cruzado informação com um conjunto alargado de juízes, procuradores e advogados.

1 Ivo Rosa pronunciou cinco arguidos para julgamento mas o Ministério Público (MP) anunciou recurso. O recurso do MP tem efeito suspensivo e impede o início do julgamento?

Aqui começa a guerra jurídica habitual. A esmagadora maioria dos juristas contactados pelo Observador garantem que o recurso do Ministério Público terá efeito devolutivo. Ou seja, neste caso em particular não suspende a marcha natural do processo para julgamento. Contudo, o Observador sabe que o MP vai defender que esse efeito suspensivo existe mesmo.

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Terá de ser o juiz Ivo Rosa a fixar o efeito do recurso, sendo que tal decisão pode ser alvo de uma reclamação para a Relação de Lisboa. Se tal acontecer, será a desembargadora Guilhermina Freitas, a presidente daquele tribunal superior, a decidir se o recurso terá efeito suspensivo ou devolutivo.

2 O Ministério Público tem boas hipóteses de ganhar a reclamação sobre o efeito do recurso?

De acordo com diversas fontes judiciais, sim. O recurso do MP terá sempre duas vertentes: a decisão de não pronúncia (que deixou cair 172 dos 189 crimes), mas também a decisão de pronúncia de Ivo Rosa. E é sobre a pronúncia que o efeito do recurso poderá ter efeito suspensivo. Até porque o juiz de instrução pronunciou José Sócrates e Carlos Santos Silva por factos diferentes dos que estão na acusação.

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Ou seja, como o despacho de não pronúncia corresponde a um arquivamentos dos autos no Tribunal Central de Instrução Criminal (que não é definitivo e será analisado pela Relação de Lisboa), logo o eventual efeito suspensivo sobre o despacho de não pronúncia fará com que o julgamento dos cinco arguidos não comece.

O que acontece se, de facto, o recurso do MP for devolutivo? A lei é clara: os arguidos que foram pronunciados terão de ser julgados imediatamente pelos crimes decididos por Ivo Rosa.

3 Os arguidos também poderão recorrer?

Os arguidos que foram pronunciados nos exatos termos da acusação, não poderão recorrer. Mas José Sócrates e Carlos Santos Silva poderão arguir nulidade da alteração substancial dos factos relacionados com os três crimes de branqueamento de capitais que lhe são imputados por Ivo Rosa. Se o juiz indeferir as nulidades arguidas, então os arguidos poderão recorrer para a Relação de Lisboa do despacho do juiz que indefira essas nulidades.

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4 Quanto tempo demorará a Relação a decidir os recursos que serão apresentados?

Não há prazo. Tal como o Observador noticiou aqui, os recursos de decisões instrutórias de processos de criminalidade económico-financeira de processos menos complexos que a Operação Marquês têm demorado entre um a dois anos.

Acresce que o MP afirmou logo à seguir à leitura da decisão instrutória que vai requerer prazo de 120 dias para apresentar o seu recurso junto do Tribunal Central de Instrução Criminal para subir à Relação de Lisboa.

O que faz com que os arguidos tenham igualmente o mesmo prazo para responder ao recurso do Ministério Público. Ou seja, o recurso do MP só subirá para a Relação de Lisboa em 2022.

5 O início do julgamento dos arguidos fará com que a Operação Marquês tenha duas velocidades?

Sim. O julgamento pode começar, sem que a Relação tenha decidido sobre o recurso do MP. Mas, atenção, isso é na teoria. A prática, contudo, é diferente da teoria.

6 Que prática é essa?

Para evitar um processo a velocidades diferentes, os tribunais de julgamento tendem a não marcar as audiências sem que a Relação de Lisboa tenha encerrado definitivamente a questão sobre a decisão instrutória. Essa é a realidade que foi retratada ao Observador por diversas fontes judiciais, entre juízes, magistrados do MP e advogados. E é aceite por todos desde que a lei processual penal foi alterada no sentido de restringir os recursos das defesas sobre a decisão instrutória.

Contudo, a decisão de Ivo Rosa veio a colocar um grande obstáculo a essa prática.

7 Qual o obstáculo criado pelo juiz de instrução criminal da Operação Marquês?

Como o Observador tinha antecipado, o juiz Ivo Rosa podia com a sua decisão provocar a separação de processo. E foi exatamente isso que o magistrado fez.

Ou seja, declarou que os factos relacionados com a pronúncia dos cinco arguidos (José Sócrates, Carlos Santos Silva, Armando Vara, Ricardo Salgado e João Perna) não cumprem os requisitos que a lei impõe para a conexão de processos, como o Expresso noticiou.

Logo, poderão ser marcados quatro julgamentos. O primeiro dirá respeito ao julgamento de José Sócrates e Carlos Santos Silva por três crimes de falsificação de documento e três crimes de branqueamento de capitais em regime de co-autoria que o juiz Ivo Rosa imputa aos arguidos (e cuja pena pode ir até aos 12 anos).

De acordo com a tese que o juiz deu como suficientemente indiciada para ter uma elevada probibilidade de condenação em julgamento, Santos Silva terá alegadamente corrompido José Sócrates, tendo pago alegadas ‘luvas’ de 1,7 milhões de euros ao ex-primeiro-ministro para ele “mercadejar” o cargo.

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Tal como a dupla Sócrates/Santos Silva, Ricardo Salgado poderá ser julgado no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa por três crimes de abuso de confiança relacionados com a gestão do Grupo Espírito Santo. O mesmo poderá acontecer com Armando Vara, preso no Estabelecimento Prisional de Évora, a quem foi imputado a alegada prática de um crime de branqueamento de capitais. Já João Perna, o motorista do ex-primeiro-ministro, deverá ser julgado no Tribunal do Montijo por um crime de detenção de arma proibida.

8 E se o recurso da Relação de Lisboa revogar a decisão instrutória de Ivo Rosa e pronunciar os arguidos na exata medida da acusação?

Se tal acontecer, teria o mesmo efeito que a decisão de Ivo Rosa teve sobre a acusação do MP. Mas nesse caso seria o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal a ficar mal na fotografia.

Se a pronúncia for na exata medida da acusação, cria-se um imbróglio jurídico, daí a importância do eventual efeito suspensivo do recurso do Ministério Público — que impediria sempre este cenário.

Mas se tal vier mesmo a concretizar-se, então a primeira consequência poderá ser a anulação do eventual julgamento de Sócrates e de Santos Silva por branqueamento de capitais e falsificação de documento e de todos os restantes processos que foram separados por decisão do juiz Ivo Rosa.

Isto, claro, se nenhum dos processos não tiver ainda transitado em julgado ou o respetivo procedimento criminal não tiver prescrito.