A empresa de manutenção aeronáutica Mesa, que possui um hangar e quer construir um centro logístico no aeroporto de Beja, prevê passar dos atuais 40 para “cerca de 100/120” trabalhadores na infraestrutura, em dois anos.

Em esclarecimentos prestados à agência Lusa através de correio eletrónico, o presidente da Mesa, Paulo Mirpuri, destacou o novo hangar de manutenção de aeronaves da empresa, do grupo Hi Fly, inaugurado em 12 de janeiro deste ano, após um investimento de 30 milhões de euros.

A juntar a este projeto, já em plena atividade, a Mesa, tal como a Lusa noticiou em 10 de março, tem previsto investir mais 10 milhões de euros num centro logístico na zona do aeroporto.

“Assim, a Mesa dá um passo substancial em frente, fica dotada de mais capacidade técnica e este projeto implica também o alargamento dos seus quadros”, afiançou esta segunda-feira Paulo Mirpuri.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Atualmente, passadas “apenas algumas semanas desde o início da atividade” do novo hangar, “já estão a trabalhar” no aeroporto “cerca de 40 pessoas, entre técnicos de manutenção e quadros de apoio”, sendo que, deste total, “30 são da região de Beja”, um número que a Mesa espera “subir substancialmente” no futuro.

“Com o tempo, com novas atividades de formação, com o desenvolvimento da atividade, a chegada de novos equipamentos e ferramentas, acreditamos que, num horizonte de 24 meses, será possível alargar o horário de funcionamento do hangar”, referiu Paulo Mirpuri.

Este funciona, agora, “cerca de 10 horas por dia”, mas a meta é passar “para uma operação praticamente 24 horas por dia e sete dias por semana, o que implicará o alargamento dos quadros dos atuais 40 elementos para cerca de 100/120 elementos”.

Nos esclarecimentos à Lusa, pedidos para assinalar os 10 anos do aeroporto de Beja, Paulo Mirpuri, também responsável da Hi Fly, lembrou que o grupo e companhia privada de aviação já utilizam este equipamento desde 2016, para estacionamento e manutenção de linha dos seus aviões, bem antes da recente inauguração do hangar da Mesa.

“A Hi Fly já estava a experimentar o aeroporto de Beja desde 2016. As coisas correram bem, foi dotando o aeroporto de mais capacidade, investindo em equipamentos de suporte aos aviões, em ferramentas, em instalações” e tornou-se necessário um hangar para “alargar o âmbito das atividades de manutenção”, frisou.

A Mesa nasceu para prestar “serviços de manutenção de linha à Hi Fly”, ou seja, os “necessários no dia-a-dia da operação de um avião”, como inspeções antes do voo, pós-voo, trocas de motores, inspeções ao interior do motor ou reconfigurações do interior, mas, “a partir de determinada altura”, ganhou a ambição de efetuar “ações de manutenção de base”, as que efetua agora no novo hangar também no aeroporto alentejano.

“Entretanto, está já escalada uma série de ações de manutenção em aviões da frota Hi Fly e a capacidade do hangar vai ser praticamente toda absorvida com as necessidades de manutenção da frota do grupo”, disse Paulo Mirpuri, precisando que, em Beja, a Mesa presta serviços de manutenção de linha e de base a todos os modelos da frota Airbus.

Atualmente, “em determinadas alturas do ano”, a Hi Fly “já ocupa praticamente a capacidade total da placa de estacionamento do aeroporto de Beja”, pelo que, “em breve, será necessário que esse espaço de estacionamento de aviões possa crescer”, defendeu.

E é também preciso, acrescentou, que sejam construídos mais hangares para que a capacidade de produção de manutenção possa crescer e a Mesa, além dos aviões da Hi Fly, possa prestar serviços de manutenção a aviões de outras companhias.

“Beja representa uma boa oportunidade de investimento para a Mesa”, frisou Paulo Mirpuri, assinalando que o aeroporto local abre a possibilidade à empresa de construir novos hangares e de alargar espaço para parqueamento de aviões, ao contrário de outros aeroportos onde também possui valências.

Além disso, a zona “reúne condições de clima adequadas à manutenção e à preservação de aviões”, isto é, tem um clima seco e “pouco propício à humidade, que é inimiga dos aviões”.

A Hi Fly passou a incluir na sua frota, em 2018, o Airbus A380, o maior avião comercial do mundo. Em 23 de julho desse ano, a aeronave aterrou pela primeira vez em Portugal, concretamente na pista da base da Força Aérea que também serve o aeroporto de Beja, o único português com autorização para receber aquele tipo de avião, atraindo centenas de curiosos para ver o “gigante dos céus”.

Entretanto, no passado dia 17 de dezembro, o A380 despediu-se de Beja e de Portugal, depois de a Hi Fly ter desistido de o operar, ao não prolongar o contrato, como consequência da pandemia de Covid-19.

O aeroporto de Beja, que custou 33 milhões de euros e resulta do aproveitamento civil da Base Aérea n.º 11, começou a operar em 13 de abril de 2011, quando se realizou o voo inaugural.

Área industrial já marca aeroporto de Beja, que ainda aguarda “voos mais altos”

Ao fim de 10 anos, o aeroporto de Beja está mais consolidado na vertente industrial, assente na manutenção e estacionamento de aeronaves, segundo o município e empresários locais, que reclamam tempo para “voos mais altos” da infraestrutura.

“O aeroporto já começou a ser utilizado para uma das valências identificadas” pelo grupo de estudos que definiu o potencial da infraestrutura, diz à agência Lusa o presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio, aludindo à componente industrial.

A aposta tem sido “a manutenção de aeronaves, com a criação expectável de 150 postos de trabalho”, dos quais “cerca de 50 já criados e com um investimento de 30 milhões de euros executado”, aponta, referindo-se à empresa de manutenção aeronáutica Mesa, do grupo Hi Fly, e ao seu novo hangar, a operar desde o início do ano.

Para o autarca, esta “é uma prova de que o aeroporto é útil e faz sentido no território”, onde “cria emprego qualificado”. E, acrescenta, “lateralmente, pode ter uma atratividade que ainda não conseguiu desenvolver em pleno, mas que está a começar a desenvolver, ao fim de 10 anos” de existência.

“São empregos remunerados acima da média e altamente qualificados, que fixam pessoas no território e passam a ser contribuintes líquidos. E até podem desenvolver-se pequenas indústrias laterais. Agora, isto demora algum tempo, não é da noite para o dia”, argumenta Paulo Arsénio.

Para o presidente da Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Litoral (AEBAL), Filipe Pombeiro, “não se fazem balanços de aeroportos a 10 anos”. São equipamentos que precisam de tempo para se afirmarem.

Mas, sem dúvidas, indica que a indústria “tem sido a área em que o aeroporto tem seguido o seu caminho de forma mais efetiva”.

“O negócio de estacionamento está consolidado, tal como o de manutenção, que já era de aeronaves em linha e, agora, também é feito em hangar pela Mesa”, a qual, além disso, pretende investir “num centro logístico”, realça o representante dos empresários.

A componente industrial “tem vindo a consolidar-se” e tem suscitado “muita procura, portanto, quando o aeroporto passar do estado da ‘infância’ para o da ‘adolescência’, com certeza que o ‘cluster’ aeronáutico industrial passará por Beja”, argumenta.

Contactada pela Lusa, a ANA — Aeroportos de Portugal, responsável pelo aeroporto de Beja, também destaca a área industrial e alude ao novo hangar de manutenção da Mesa.

“É um bom exemplo do resultado da estratégia de desenvolvimento seguida e o reconhecimento das potencialidades” do aeroporto “na vertente industrial, gerando postos de trabalho na região”, salienta a empresa.

A ANA afirma que “dirigiu o posicionamento da infraestrutura para a captação de outras atividades aeronáuticas, com elevada relevância no setor, como as atividades de natureza industrial, nomeadamente a manutenção de aeronaves, e também o estacionamento de média-longa duração”.

“Durante estes 10 anos, o aeroporto de Beja tem realizado atividade diversa, principalmente nas áreas do estacionamento de média-longa duração e da manutenção de aeronaves”, dedicando-se também ao segmento de aviação privada, aos voos ‘charter’ e a voos de carga.

Ao mesmo tempo, a ANA sublinha que “mantém o aeroporto de Beja preparado para receber o transporte de passageiros” e que está a trabalhar “ativamente para o desenvolvimento” desta vertente.

“A ANA Aeroportos de Portugal reafirma o seu empenho no desenvolvimento do aeroporto de Beja”, que “é, decididamente, um fator adicional de competitividade e deve ser encarado como uma oportunidade de desenvolvimento”, frisa.

Filipe Pombeiro diz à Lusa que, no futuro, acredita que a carga também pode ser “bastante importante” no aeroporto, “à medida que a região ganhar mais capacidade exportadora”, podendo apostar nos produtos do Alqueva, “altamente transacionáveis”.

A valência que lhe parece estar “mais atrasada”, e que a região tem vindo a reivindicar há anos e da qual não abdica, é a ligada ao transporte de passageiros.

“Houve umas incursões no início”, nos primeiros anos, com voos entre Beja e Londres ou entre Beja e a Alemanha, que acabaram por não vingar, mas “em 2018 houve outras experiências que me pareceram positivas, com voos “charter” para as ilhas Baleares (Espanha), no verão”, recorda.

E é “essa aposta que o aeroporto terá que ir fazendo”, no seu entender: “Poderá não se justificar haver voos regulares o ano inteiro, mas no verão a região pode perfeitamente ter voos regulares”.

Crítico das expectativas iniciais criadas em torno do aeroporto, “sobrevalorizadas” pelo então Governo de José Sócrates, o presidente da AEBAL considera que, partindo dessa premissa, “o balanço fica aquém dessas mesmas expectativas”. Mas, olhando para a realidade, “é um balanço positivo” e o aeroporto “não será um equívoco e fará o seu caminho – com tempo”.

Da “satisfação” do 1.º voo do aeroporto de Beja à “frustração”, 10 anos depois

Entre participantes no primeiro voo civil a partir do aeroporto de Beja, em abril de 2011, há quem recorde um dia de “grande satisfação”, mas, 10 anos depois, a falta de aproveitamento da infraestrutura gera “frustração”.

O primeiro voo civil a partir do aeroporto alentejano saiu às 18h25 de 13 de abril de 2011 rumo à ilha do Fogo, em Cabo Verde, com 70 viajantes a bordo do “B.Leza”, um avião Boeing 757-200 da companhia Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV).

A viagem foi organizada em parceria pela Câmara de Ferreira do Alentejo e pela ESDIME — Agência para o Desenvolvimento Local no Alentejo Sudoeste, com sede em Messejana, no concelho de Aljustrel, e incluiu uma missão empresarial ao município cabo-verdiano de São Filipe.

“Foi um momento de grande alegria e satisfação. O aeroporto era algo que vinha sendo reivindicado há bastantes anos e, naturalmente, naquela altura, sentimos que estávamos a fazer história”, recorda à agência Lusa Aníbal Reis Costa, na altura presidente da Câmara de Ferreira do Alentejo. O antigo autarca não esconde que esse foi um dia “muito gratificante em termos pessoais”, mas também “para a região”.

“Anos antes, tínhamos tido a inauguração da Barragem do Alqueva, o Porto de Sines avançava com grande dinâmica, a autoestrada [até Beja] estava projetada e a inauguração do aeroporto era assim uma espécie de ‘cereja no topo do bolo'”, diz o atual vice-presidente da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Alentejo.

David Marques, agora vice-presidente da Câmara de Castro Verde, liderava, então, a ESDIME e esteve igualmente ligado à organização do voo, embarcando para a ilha do Fogo. “Recordo esse dia com muita satisfação”, conta à Lusa, considerando que o voo inaugural do aeroporto foi, naquela época, “uma prova evidente de que aquela infraestrutura tinha todas as condições para cumprir o seu papel”.  “Ter participado naquele momento, em conjunto com muita gente da região, foi uma sensação de grande satisfação e orgulho, numa experiência muita positiva e da qual guardo muito boa memória”, acrescenta.

O aeroporto de Beja, que resulta do aproveitamento civil da Base Aérea n.º 11, representou um investimento público de 33 milhões de euros e, no dia da partida do voo da TACV para a ilha do Fogo, foram centenas as pessoas a passar pela infraestrutura, entre as quais o então ministro das Obras Públicas, António Mendonça.

O corrupio de convidados, trabalhadores, agentes de segurança, tripulantes, viajantes e jornalistas era evidente e não sai da memória de Jorge Lopes, outro dos passageiros da viagem.

“Foi um dia muito bonito. O espírito da partida no aeroporto e da receção em Cabo Verde foi espetacular e senti que havia ali futuro. Senti que o aeroporto de Beja podia ter futuro e ser uma mais-valia muito maior para o Alentejo”, lembra este empresário, natural de Aljustrel.

Desde o dia 13 de abril de 2011, passaram-se 10 anos, que deixam uma sensação de “frustração” a muitos dos que participaram neste primeiro voo civil da infraestrutura.

É uma tristeza ter-se feito o investimento que se fez e ter-se metido o aeroporto de lado“, observa Jorge Lopes, lembrando “que os aeroportos em Londres, por exemplo, chegam a estar mais distantes da cidade do que Beja está de Lisboa.

Em Beja “gastou-se o dinheiro, fez-se o investimento e agora joga-se fora? Não pode! Acho que o aeroporto de Beja podia ser uma mais-valia, não apenas para os alentejanos, pois tem muito potencial e era uma coisa que não ficava tão cara quanto isso. Há é falta de vontade política”, frisa.

David Marques tem uma opinião muito semelhante e não esconde que a atual situação do aeroporto lhe causa “desilusão”. “A sensação com que ficamos é que há, infelizmente, falta de vontade de instituições e de pessoas dentro das instituições para concretizar projetos que, muitas vezes, precisam apenas de um pequeno ‘passo’ ou de uma pequena decisão”, aponta.

Ainda assim, assinala que “há sinais positivos que demonstram que, se calhar, vai tardar, mas vai acontecer uma utilização mais efetiva do aeroporto ao serviço não só da região, mas também do país”.

O mais otimista de todos é Aníbal Reis Costa, para quem o aproveitamento da infraestrutura é “inevitável, mais cedo ou mais tarde”. “Penso que se afirmará naturalmente. Iremos estar mais ou menos tempo à espera, mas o país não se pode dar ao luxo de desperdiçar uma infraestrutura destas. É uma questão de tempo, quase uma inevitabilidade“, conclui.