No Governo não há, nesta altura, certezas sobre se este é o último estado de emergência — como disse o Presidente da República –, apenas é certa a intenção de não passar desse estado de exceção constitucional para o vazio. Depois da emergência, no Executivo a intenção é que o país passe para a situação de calamidade prevista na lei de bases de Proteção Civil para ter contexto legal para aplicar as restrições necessárias, soube o Observador junto do Governo. Até porque não está excluída uma quarta vaga, lá mais para o verão, altura em António Costa quer novos métodos de contabilização de casos para evitar “danos reputacionais” para regiões turísticas do país como o Algarve.
As contas são muitas, nesta fase. E há muita cautela no Governo para o levantamento de restrições a cada 15 dias — que será reavaliado esta quinta-feira — e pouca vontade de António Costa de ouvir já falar em derradeiras declarações de estado de emergência, quando a variante predominante no país, a britânica, tem mostrado capacidade para mudar cenários em apenas 15 dias.
Desta vez Portugal está numa situação diferente da vivida por muitos países europeus neste momento e o Governo coloca os olhos no que se passou em França, pouco tempo depois de o presidente Emmanuel Macron ter vindo anunciar que não fechava nada e de, no final de março, ter… fechado as escolas, aumentando as restrições no país.
Este é um exemplo que salta imediatamente no Executivo quando a pergunta é sobre o futuro, mesmo que no mais curto prazo. Tanto que a posição recente do Presidente da República é vista com reserva, segundo apurou o Observador, e mesmo que se concretize, fonte do Governo avisa já: “Claro que vamos voltar ao estado de calamidade”.
Enquanto houver necessidade, o estado será de emergência (e o plano de desconfinamento pode ter de travar) e depois disso, será como há um ano e o país entrará em calamidade, o grau mais elevado da escala de situações de emergência da Proteção Civil e o único (dos três previstos nessa lei de bases) que permite limitar circulação ou estabelecer cercas sanitárias, por exemplo.
No Governo chegou a ser estudada — e abordada com os partidos em audiência com António Costa — a existência de uma solução jurídica que permitisse acautelar as medidas e regras de cada uma das fases da pandemia, sem provocar contendas legais. A hipótese de trabalho, colocada em cima da mesa pelo próprio Executivo, foi posta de lado quando o Presidente da República assumiu que tencionava renovar o estado de emergência até ao final do plano de desconfinamento que, no calendário inicial do Governo, terá a sua última fase a 3 de maio.
Seja qual for a medida seguinte, continuará a contar com a oposição parlamentar do PCP que tem votado contra as renovações do estado de emergência. Ainda esta semana, em mais debate sobre o assunto, o líder parlamentar comunista João Oliveira disse que se fala “de banalização do estado de emergência e da necessidade de encontrar uma solução legal mais ligeira que simplifique a adoção de medidas restritivas. Uma espécie de regime legal de pronto-a-confinar. Essa é a conceção perigosa de quem quer aproveitar a epidemia como pretexto para que medidas restritivas como aquelas que têm sido tomadas possam ou devam ser normalizadas”.
Os danos turísticos de um modelo matemático desajustado
O Governo espera, no entanto, que estas medidas mais restritivas possam cada vez mais ser tomadas de forma mais circunscrita. Ou seja, que não se limite a atividade e circulação em concelhos inteiros se os casos forem muito localizados dentro desse concelho.
A propósito, na última reunião do Infarmed, o primeiro-ministro pediu mesmo aos especialistas (nomeadamente a Óscar Felgueiras) novos modelos matemáticos que possam responder a duas das suas maiores preocupações nesta altura: a paralisação desnecessária de regiões, quando os surtos são em sítios muito específicos e não estão na comunidade; a imagem que pode transmitir um modelo pouco adequado à situação de um concelho numa dada altura do ano.
Se a primeira preocupação de Costa tem a ver com os territórios de muito baixa densidade populacional (como o Alandroal ou Ribeira de Pena, que tiveram surtos circunscritos a estaleiros de obras), a segunda inquietação tem a ver com o verão e as flutuações de população em regiões como o Algarve.
O raciocínio é simples: se a população triplica, mas os casos são sempre divididos pelo número de recenseados na região, a divisão de casos por população permanente fará sempre disparar o alerta. “Mata logo o turismo todo, com o Algarve a passar a aparecer como a região da Europa com o maior número de casos por cem mil habitantes”, previne a mesma fonte que antevê “danos reputacionais gigantescos”.
A questão foi colocada por António Costa na reunião de terça-feira, mas não houve resposta. Quanto ao resto, os especialistas admitem que os atuais modelos matemáticos são referenciais mas que têm de ser complementados com uma “avaliação qualitativa”, como já tinha escrito o Observador esta semana.
O que Costa quer é que isso fique definido como uma orientação que as autoridades de saúde locais tenham de cumprir daqui para a frente, determinado a partir daí que avaliem se se justifica adotar uma medida geral para o concelho ou se deve haver outras medidas menos gerais.