O empresário que vendeu cinco sociedades imobiliárias ao comprador da maior carteira de imóveis do Novo Banco garante que aceitou alienar as empresas sem saber que o comprador era o fundo Anchorage com sede nas ilhas Caimão. António João Barão minimizou a sua intervenção no negócio de mais de 600 milhões de euros (valor de balanço dos imóveis) realizado em 2018, sob a designação de projeto Viriato, na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco esta sexta-feira.

Explicou que foi contactado pelo escritório de advogados Morais & Leitão para saber se tinha em seu nome empresas imobiliárias que pudesse ceder para um cliente. “Não precisei delas e acabei por vender (…) Eu. não sabia a quem ia vender”, afirmou.  E já não era a primeira vez, sublinhou. Os deputados não ficaram convencidos dos argumentos usados para justificar a criação de cinco sociedades que não tinham qualquer atividade e cujo o único objetivo parece ter sido o de servir de intermediários na compra dos mais de cinco mil imóveis. Esta operação foi feita por 364 milhões de euros, mas gerou perdas de 270 milhões de euros para o Novo Banco, no que foi o maior negócio imobiliário em Portugal nos últimos anos.

Venda de imóveis chamada Viriato gerou queixa anónima ao Fundo de Resolução e reservas no Novo Banco

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Eu é mais bolos”. O tributo a Herman José e o aviso ao inquirido

“É uma história pouco credível”, frisou o deputado da Iniciativa Liberal, Cotrim de Figueiredo. Para o deputado socialista Miguel Matos, ou é uma “obra de ilusionismo ou é um belo retrato”, comentou depois de António Barão ter afirmado que para além de empresário do imobiliário, intermediário em transações e arquiteto, é também pintor e mágico amador. Durante a audição António Barão referiu ainda o seu envolvimento enquanto ex-sócio e e um dos proprietários do prédio que acolhe o restaurante Parlatório, em frente ao Parlamento e que tem como clientes habituais vários deputados.

O intermediário da venda de imóveis que quer “fugir” e os devedores que o Parlamento não consegue encontrar

Na semana passada, e depois de várias tentativas frustradas para convocar o empresários, o presidente da comissão de inquérito considerou que António Barão andava a querer fugir de dar explicações ao Parlamento.  Esta sexta-feira, Fernando Negrão foi irónico perante as hesitações e lapsos de memória evidenciados pelo empresário (sobretudo sobre as muitas empresas que criou e geriu) invocando um sketch de Herman José:  “Eu é mais bolos” para pedir ao inquirido que seja mais afirmativo nas suas respostas. No final, concluiu que a audição não correu bem, nomeadamente porque levantou mais dúvidas do que esclareceu.

António Barão afirmou que era costume ter sociedades que criava para aproveitar oportunidades de negócio que surgissem, e quando instado a esclarecer porque tinham criado cinco empresas em vez de uma neste caso, o empresário afirmou que tinha em vista vários negócios, nomeadamente leilões de imóveis, que acabaram por não se realizar. E porquê criou cinco empresas e não apenas uma, insistiu André Silva do PAN? Eram vários negócios e não queria “por os ovos todos no mesmo cesto”.

Nas respostas dadas ao deputado Duarte Alves do PCP, o empresário afirmou que não sabia quem era o comprador das cinco sociedades quando aceitou vender e que só teve conhecimento do cliente quando assinou o contrato em novembro de 2018. “Dei uma olhadela ao contrato, assinei e vim-me embora”.  E garantiu desconhecer os negócios e as atividades futuras. “Não sabiam o que iam fazer com essas sociedades”. As sociedades acabaram controladas por uma empresa com sede no Luxemburgo, detida pela Anchorage (fundo criado nas ilhas Caimão por 18 investidores) e foram usadas dias depois para adquirir os imóveis da carteira Viriato.

As empresas de que Barão era dono (em sociedade com a sua sua companheira) foram vendidas ao fundo internacional depois de terem sido criadas há menos de um ano e registaram uma faturação de apenas 200 euros que, em alguns casos passou pela transação de uma garagem. Barão esclarece que tal como estas, as sociedades imobiliárias que vendeu foram sempre sem imóveis de forma a evitar o pagamento de IMT.

“Se puder ganhar alguma coisa, ganho. Mas se não puder, vendo”

E quanto ganhou com as vendas? — quis saber o deputado da Iniciativa Liberal, Cotrim de Figueiredo — Entre cinco a seis mil euros cada uma, um pouco mais do que o capital social inicial.  “Se puder ganhar alguma coisinha, .ganho, mas se não puder, vendo também”. O empresário referiu aliás que essa é uma prática que tem feito ao longo dos anos para várias entidades, desde escritórios de advogados como a Morais e Leitão até clientes particulares. “Não é bem uma atividade”, justificou, “às vezes tenho empresas para vender, outras vezes não”.

É um negócio interessante..? pergunta Miguel Pinto do PS. “Não é como o negócio do Novo Banco”, assegurou. Mas admitiu, à deputada Filipa Roseta do PSD, que ganha mil euros ou dois mil euros por cada sociedade. “Não ganho muito com o negócio”, apesar de ter um património imobiliário superior a um milhão de euros.

Mariana Mortágua quis saber porque António Barão criou nove sociedades imobiliárias em 2019, sem ter nenhum negócio em concreto em carteira. “Nunca fiz as sociedades a mando de ninguém. Faço por minha iniciativa. Se não tiver imóveis vendo-as porque há sempre interessados,” garantiu à deputada do Bloco de Esquerda, assumindo o papel de intermediário. “Nunca sei quando as faço se são para mim ou para vender”.  Quando Fernando Negrão lhe pediu uma lista de todas as sociedades imobiliárias que criou e vendeu, António Barão disse que ia tentar depois de reconhecer que tinha deitado muita coisa fora numa limpeza.

Hugo Carneiro do PSD manifestou perplexidade perante os factos descritos, lembrando a facilidade que é atualmente constituir uma empresa. “Não se percebe porque as sociedades de advogados precisam de si”. “Se calhar não tinham sociedades que chegassem”, admitiu o empresário que teve de confirmar no seu telemóvel o nome do advogado que o abordou para esta operação, João Torroaes Valente.

O PSD quer ouvir o contabilista do empresário e vai pedir a lista de todas as sociedades em que participou António Barão, sugerindo até uma averiguação do Ministério Público a este circuito. O empresário agradece a ajuda nesse levantamento e garante que só destruiu documentos com mais de dez anos.

Ao longo da audição, e apesar de alguns lapsos de memória sobre os nomes das sociedades e dos intermediários com quem contactou, António Barão foi sempre categórico em desmentir qualquer ligação a dirigentes do Banco Espírito Santo a a pessoas próximas do GES como Luís Horta Osório (Escom) e do Novo Banco. “Não tenho qualquer ligação ao Novo Banco nem à sociedade que as comprou.”