Sem ter chegado a acordo com os proprietários da unidade hoteleira, o Governo avançou com a requisição civil do Zmar, em Odemira, local onde passarão a ficar isolados doentes infetados com o vírus da Covid-19. No despacho, publicado em Diário da República, determina-se que a responsabilidade de gerir o empreendimento turístico passa a ser do município de Odemira, com o apoio da autoridade de saúde e da Segurança Social. A requisição será válida enquanto a declaração da situação de calamidade for aplicável ao concelho alentejano.
Insatisfeitos com a decisão do executivo de António Costa, cerca de 20 proprietários manifestaram-se esta sexta-feira na unidade hoteleira e o advogado que representa 114 dos 160 proprietários diz que “ninguém vai sair das suas casas”, já que o Zmar “não é apenas um parque de campismo, mas sim um espaço onde existem várias habitações particulares”.
Zmar. Artista Anna Westerlund, viúva de Pedro Lima, revoltada com requisição civil
Visão diferente tem o Governo. O ZMar Eco Experience “é um estabelecimento que apresenta as condições aptas e adequadas para a realização de confinamento em isolamento por pessoa a quem o mesmo tenha sido determinado pelas autoridades de saúde”, lê-se no despacho de 29 de abril, assinado pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Administração Interna.
O advogado contesta esta ideia: “Há 260 casas, 160 de particulares, e esta requisição civil é para todo o empreendimento, por isso, espero que esta decisão venha a ser alterada pelo Governo”, sublinhou Nuno Silva Vieira.
O argumento para a requisição civil é a de que “a situação epidemiológica, particularmente grave no município de Odemira, bem como a falta de acordo com a sociedade comercial supra indicada, fundamenta que, por razões de interesse público e nacional, com caráter de urgência se reconheça a necessidade de requisitar temporariamente” a unidade hoteleira.
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Assim, o Zmar e os respetivos serviços, “na medida do adequado e estritamente indispensável para a proteção da saúde pública na contenção e mitigação da pandemia” em Odemira e municípios limítrofes, ficam sob requisição civil. O espaço fica alocado “à realização do confinamento obrigatório e do isolamento profilático por pessoa a quem o mesmo tenha sido determinado”.
O despacho prevê ainda que o pagamento de indemnização “pelos eventuais prejuízos resultantes da requisição” é da responsabilidade do Ministério das Finanças, sendo o seu valor calculado nos termos do Código das Expropriações, com as necessárias adaptações.
“Ninguém vai sair das suas casas”, dizem proprietários do Zmar
Nuno Silva Vieira frisou que a requisição do Governo é sobre todas as habitações, o que demonstra que o executivo desconhece o empreendimento. “Ninguém vai sair das suas casas e vamos ficar aqui tranquilamente à espera que o Governo venha falar connosco, porque com certeza o Governo não conhece este empreendimento”, disse, citado pela agência Lusa.
“O Governo não é o tribunal e as pessoas que aqui vivem não vão abandonar as suas casas para dar lugar a pessoas doentes. Não se trata de má vontade, tem a ver com leis”, sublinhou o advogado.
A braços com dificuldades financeiras, a empresa gestora do empreendimento tinha avançado para a insolvência. No entanto, um acordo entre credores previa a reabertura do espaço a 28 de maio, cenário que é posto em causa com a requisição civil, explica o administrador de insolvência.
“A requisição civil para os fins a que se propõe coloca em causa a época alta e a faturação que seria essencial para que a empresa pudesse prosseguir a sua recuperação”, argumenta, citado pela Lusa, Pedro Pidwell. “Isto aponta para a liquidação da empresa e para a extinção de mais de 100 postos de trabalho.”
“Passar férias num sítio que foi um ‘covidário’ não é a solução mais apelativa”, diz o empresário.
Nas redes sociais, também a ceramista Anna Westerlund, viúva do ator Pedro Lima, publicou uma fotografia com o falecido marido na casa de que é proprietária no Zmar. E diz sentir que está a viver em ditadura. “Temos uma casa no Zmar Eco Experience, e o governo decidiu que a temos de disponibilizar para receber doentes Covid de Odemira, a maior parte deles trabalhadores nas estufas locais. Diz o primeiro-ministro que eles têm direito a viver em condições dignas (obviamente, mas esse direito não começou ontem!)”, escreve na sua página de Instagram.
Na quinta-feira, António Costa anunciou que as freguesias de São Teotónio e de Longueira/Almograve, no concelho de Odemira, distrito de Beja, ficariam em cerca sanitária devido à elevada incidência de casos de Covid, detetados sobretudo em trabalhadores do setor agrícola.
Indemnização? “Não tem relevância”, diz Eduardo Cabrita
Embora o despacho do governo preveja o pagamento de indemnizações, o ministro da Administração Interna considerou que uma compensação “não tem relevância” e justificou a decisão com questões de “saúde pública”. Eduardo Cabrita falava com jornalistas, em Vendas Novas, no distrito de Évora, e relembrou aquilo que já é dito no diploma: “O Ministério das Finanças assumirá as responsabilidades necessárias no termo do Código das Expropriações.”
“Mas, o que é fundamental é garantir que as pessoas que não têm condições de habitação digna” tenham a possibilidade de cumprir as “regras de isolamento profilático”, concluiu o governante.