São 32 os inquéritos de tráfico humano, auxílio à imigração ilegal e mão de obra ilegal que Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) está atualmente a investigar só no Alentejo, segundo informou fonte deste órgão de polícia criminal ao Observador. Do total, seis são no concelho de Odemira, onde duas freguesias estão em cerca sanitária por causa da elevada incidência de casos de infeção pelo coronavírus. As vítimas são maioritariamente de países do Leste Europeu ou asiáticos e vêm para Portugal atraídos pela promessa de um alojamento, alimentação, transporte e salário, bem como de um contrato, subsídio de alimentação, folgas, férias e a horários de trabalho — o que, na prática, não se verifica.
Só no passado mês de março, foram abertas 15 novas investigações contra 17 entidades patronais e seus titulares. Em causa estão suspeitas de crimes de auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos, relacionados com relações laborais fraudulentas que visam a regularização documental.
O fenómeno do tráfico de seres humanos tem sido “particularmente visível no recrutamento de trabalhadores estrangeiros para prestação de trabalho em campanhas agrícolas sazonais, como sejam a colheita da azeitona, tomate, fruta ou produtos hortícolas“, explica a mesma fonte ao Observador.
Por regra, são recrutados trabalhadores nacionais de países do Leste Europeu ou asiáticos através de empresas de trabalho temporário, na maioria das vezes criadas e administradas por outros estrangeiros das mesmas nacionalidades”, detalha o SEF.
Os “trabalhadores recrutados são levados, na sua maioria, para casas arrendadas pelos empregadores, nas proximidades ou nas próprias explorações agrícolas”. Segundo explica o SEF ao Observador, estas vítimas ficam “na total dependência dos angariadores, mesmos no que reporta à alimentação”. Além dos salários baixos, os alegados empregadores exigem ainda “avultadas quantias” aos trabalhadores para “custos de acomodação, alimentação e transporte” e ainda “descontos abusivos nos vencimentos”. Mais: pedem-lhes dinheiro, dizendo-lhes que é necessário para obter documentação, um número de contribuinte e de utente da Segurança Social com vista a um contrato de trabalho — contrato esse que nunca é feito.
PJ está a investigar denúncias de imigração ilegal, tráfico e escravatura em Odemira
Além do SEF, também a Polícia Judiciária (PJ) está a investigar vários casos de crimes de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e escravatura em Odemira, segundo avançou o jornal Público.
O presidente da Câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, foi um dos que apresentou uma denúncia à PJ sobre situações que considerou suspeitas. A denúncia foi feita “há cerca de dois anos” e o próprio autarca já foi ouvido. Segundo José Alberto Guerreiro, há “um problema que ultrapassa aquilo que é a atividade agrícola, mas a coberto dela: o facto de haver muitos trabalhadores migrantes e uma intensa atividade agrícola”.
Só em 2020 foram instaurados 64 inquéritos de tráfico humano em Portugal
Apesar da pandemia da Covid-19, a exploração laboral continuou a ser um “fenómeno presente” em Portugal, segundo evidencia o Relatório Anual de Segurança Interna de 2020 (RASI). “Trabalhadores, maioritariamente nacionais da Roménia, Moldávia, Paquistão, Nepal e Índia, foram recrutados para o trabalho em campanhas sazonais, como a apanha da azeitona, castanha, frutos ou produtos hortícolas, sendo transportados para as explorações onde passam a trabalhar e a residir”, lê-se no RASI, que adianta que estas vítimas são “geralmente” colocadas a trabalhar “no interior do Alentejo ou na zona Oeste do país“.
Ao longo de 2020, foram instaurados 64 inquéritos de tráfico de pessoas, tendo sido constituídos arguidos 29 pessoas e detidas sete. O número de vítimas é muito superior: em 2020 foram sinalizadas 229 potenciais vítimas. A exploração laboral continua a ser aquela que tem mais peso, embora se tenha verificado uma diminuição do número de vítimas sinalizadas face a 2019: das mais de 200 presumíveis vítimas detetadas, 155 estavam associadas a exploração para fins laborais. No entanto, desses, mais de 70 não foram confirmados e 60 encontram-se ainda em investigação.