O Pavilhão Azul, novo centro expositivo de Lisboa que vai albergar a coleção particular de arte moderna e contemporânea do artista Julião Sarmento, deve ser inaugurado dentro de dois anos, disse ao Observador o futuro diretor artístico do espaço, Sérgio Mah. A abertura do Pavilhão Azul esteve prevista para o primeiro trimestre de 2019 e mais tarde para o fim desse ano, mas tem conhecido sucessivos atrasos devido a questões burocráticas e às necessárias obras de remodelação e adaptação, cujo projeto é assinado pelo arquiteto Carrilho da Graça.
Morreu Julião Sarmento, “pai de toda a arte contemporânea” portuguesa recente
Julião Sarmento, que morreu em Lisboa nesta terça-feira, aos 72 anos, e que é considerado um dos pioneiros da arte contemporânea da segunda metade do século XX em Portugal, cedeu em 2017 à Câmara de Lisboa um acervo de mais de mil objetos artísticos que juntou desde o fim da década de 60, quando ainda era estudante. Nele se incluem obras de portugueses e estrangeiros em suportes tão diversos como pintura, escultura, desenho, instalação, fotografia, vídeo ou gravura.
Adriana Varejão, Álvaro Lapa, António Palolo, Eduardo Batarda, Jorge Molder, Pedro Cabrita Reis e Rui Chafes são alguns dos portugueses representados. Andy Warhol, Bruce Nauman, Cindy Sherman, Gerhard Richter, John Anthony Baldessari, Joseph Beuys, Marina Abramovic e Nan Goldin são exemplos dos criadores internacionais.
O protocolo assinado entre Julião Sarmento e a Câmara de Lisboa vai ser mantido, segundo fonte oficial da autarquia. Prevê o acolhimento das obras durante cinco anos, “a título gratuito”, no número 172 da Avenida da Índia, conhecido como Pavilhão Azul. Trata-se de um armazém originário do século XVIII e que fez parte de um complexo de moagens até ter sido comprado pela Câmara em 1942 à Companhia Industrial de Portugal e Colónias. Em anos recentes esteve ao serviço da associação que organiza a ModaLisboa. A área bruta é de 1.800 metros quadrados, contando já com zonas técnicas e administrativas.
O município justificou o acordo com uma “aposta no desenvolvimento cultural da cidade de Lisboa e o reforço do seu posicionamento como destino cultural”, lê-se. O protocolo descreve “uma coleção de arte moderna e contemporânea de âmbito nacional e internacional de reconhecida qualidade e com características únicas, na medida em que espelha também o olhar e as afinidades eletivas de um dos artistas portugueses com mais projeção internacional”.
Segundo Sérgio Mah, o Pavilhão Azul “vai ficar pronto muito em breve”. “A obra deve demorar à volta de 18 meses, até dois anos, pelo que iremos inaugurar em 2023”, adiantou.
Morte de Julião Sarmento pode determinar alterações no projeto artístico
A coleção particular de Julião Sarmento era até agora conhecida como Coleção SILD, sigla familiar de Sarmento, Isabel, Laura e Duarte, ou seja, marido, mulher e filhos. Mas o gabinete da vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, fez saber entretanto que o nome atual vai cair, dando lugar à simples designação Coleção Pessoal.
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Segundo o futuro diretor do Pavilhão Azul, o conjunto tem mais de mil obras e é possível olhá-las quase como uma obra do próprio Julião Sarmento, por estarem “relacionadas com o seu universo artístico”.
Sérgio Mah, professor, crítico e curador de arte contemporânea — conhecido pela direção artística do festival PhotoEspaña entre 2008 e 2010 e pelo comissariado da representação oficial portuguesa na Bienal de Arte de Veneza em 2011, entre outros trabalhos — tem estado desde outubro do ano passado a criar a proposta de programação e atividades educativas para o primeiro ano de funcionamento do Pavilhão Azul, bem como a estimativa orçamental e de recursos humanos e materiais, no que responde diretamente à Direção Municipal de Cultura, tutelada pela vereação da Cultura da Câmara de Lisboa.
Com a notícia da morte de Julião Sarmento, o curador pondera alterações ao projeto, embora seja prematuro dizer quais. “O projeto estava a ser desenvolvido, com o envolvimento do próprio Julião. Haverá ocasiões para apresentação da coleção e até possivelmente a exposição da coleção em diálogo com outras obras que não são da coleção, além de exposições temporárias de outros artistas que nem fazem parte da coleção. É possível que agora haja alguns ajustamentos. O princípio fundamental era de facto a coleção que ele cedeu. A negociação ainda não foi feita, mas certamente que eu, como diretor, gostaria que algumas obras do próprio Julião viessem também a estar à nossa guarda”, comentou ao Observador.
A ideia de ceder as peças ao município terá surgido em 2015, depois de o artista ter exibido parte da coleção na exposição Afinidades Eletivas (na Fundação Carmona e Costa e no Museu da Eletricidade, que veio a ser integrado no atual Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia — MAAT).
“Fiquei a pensar que era um pouco egoísta da minha parte manter aqueles objetos todos fechados em casa ou em armazéns e surgiu a ideia de propor cedê-la à Câmara de Lisboa de forma a poder dar àquela coleção uma visibilidade constante”, disse à época Julião Sarmento.
Julião Sarmento, “o respigador”, mostra coleção que resulta da partilha entre artistas
Face aos atrasos, numa entrevista ao Observador em outubro do ano passado, o artista referiu-se ao Pavilhão Azul com aparente preocupação: “Neste momento, tanto quanto sei, foi feito um concurso para escolher o construtor. O projeto é lindíssimo, do João Luís Carrilho da Graça. Mais do que isso terá de perguntar à Câmara Municipal de Lisboa. Emprestei a coleção à cidade de Lisboa, porque acho que as coleções devem ser partilhadas. Se isso acontecer, fico muito contente. Se isso não acontecer, a minha vida não vai mudar.”
Notícia atualizada às 19h17, com informações prestadas pela Câmara de Lisboa.