O Presidente da República defendeu esta sexta-feira que o semipresidencialismo tem funcionado bem mesmo neste “tempo de excecionalidade forçada” em que o recurso ao estado de emergência “podia ser um teste rodeado de problemas” entre órgãos de soberania.

Marcelo Rebelo de Sousa assumiu esta posição numa intervenção previamente gravada transmitida na sessão de abertura dos encontros anuais de ciência política organizados pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, sobre o tema “Os poderes do Presidente da República”.

“Os poderes constitucionais do Presidente da República, da ótica que era a minha como académico e da ótica que é a minha como Presidente da República, têm respondido com rigor, com pertinência e com sustentabilidade àquilo que tem sido a história da nossa democracia, aos choques internos e externos no nosso sistema e aos desafios políticos, sociais, económicos, culturais, diplomáticos que Portugal tem enfrentado desde a aprovação da Constituição em 76″, começou por afirmar o chefe de Estado e antigo deputado constituinte.

No seu discurso, gravado a partir do Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se em seguida ao estado de emergência que vigorou durante mais de 200 dias na atual conjuntura de pandemia de Covid-19, sustentando que “provou ser possível preservar os equilíbrios institucionais, cumprir escrupulosamente a lei fundamental sem desvios e manter o sistema sem choques de maior no que toca ao desempenho dos poderes presidenciais”.

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O Presidente da República observou que “podia não ser assim” e que o recurso ao estado de emergência “podia ser um teste rodeado de problemas no relacionamento com a Assembleia da República, no relacionamento com os partidos, portanto, no relacionamento com o Governo, nomeadamente com o primeiro-ministro”.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, contudo, “não foi isso que aconteceu, foi mesmo possível encontrar um consenso generalizado, ajustado, permanentemente objeto de audição de todos os envolvidos e de partilha de experiência e de perspetiva de futuro”.

Ou seja, o semipresidencialismo — é o meu entendimento — tem funcionando bem em períodos de normalidade, mas também quando confrontado com um tempo de excecionalidade forçada por uma crise da dimensão que vivemos, na medida em que respondeu com rigor, com previsibilidade e com segurança institucional, jurídica e política. E ao cumprir-se a Constituição está a defender-se a democracia, sendo por natureza o Presidente da República um seu guardião particularmente qualificado e responsável”, concluiu.

Marcelo Rebelo de Sousa realçou que o estado de emergência é “um instituto dependente da iniciativa e, depois, da decisão final do Presidente da República, com autorização prévia da Assembleia da República e parecer anterior do Governo” e classificou-o como “um instituto muito sensível, pelo alcance que tem na vida das pessoas e empresas”.

Nos termos da Constituição, o estado de emergência permite suspender o exercício de alguns direitos, liberdades e garantias em situações de agressão por forças estrangeiras, grave ameaça, perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública, podendo ser declarado por períodos máximos de quinze dias, sem prejuízo de eventuais renovações.

Foi declarado em Portugal pela primeira vez em democracia em março do ano passado, devido à pandemia de Covid-19, e vigorou durante 218 dias, com uma interrupção de seis meses, tendo terminado no fim de abril deste ano, depois de 15 decretos do Presidente da República.

No início da sua intervenção nesta sessão sobre os poderes presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa disse que este é um tema do qual se sente “muito próximo” pelas funções que agora exerce, por se ter dedicado ao estudo e ensino do constitucionalismo enquanto professor universitário e por ter sido deputado constituinte.

Os poderes do Presidente da República, enquadrou, “foram desenhados atendendo à evolução das tradições constitucionais portuguesas, mas também à evolução do contexto político”, que “foi profundamente marcado pelo advento da democracia, pelos novos e repentinos equilíbrios vividos durante a Constituinte, mas também pela resposta imprescindível ao acervo constitucional que vinha da história política portuguesa”.

“O semipresidencialismo, na altura presidencializante pela acumulação das funções de Presidente da República e presidente do Conselho da Revolução, até à primeira revisão constitucional, foi a fórmula acertada que acomodou as duas dimensões. E a revisão de 1982, atenuando a componente presidencializante, não alterou o essencial desse semipresidencialismo”, considerou.

Marcelo Rebelo de Sousa recordou que acompanhou “de forma próxima, embora indiretamente, a primeira revisão constitucional, de 1982, como ministro dos Assuntos Parlamentares, e a revisão constitucional de 1997 como líder do PSD”.