O Supremo Tribunal Administrativo (STA) admitiu a providência cautelar interposta por proprietários do Zmar para suspender a requisição civil decretada pelo Governo, mas essa suspensão só tem efeitos a partir do momento em que o Executivo for notificado — o que, segundo fonte do Governo, ainda não aconteceu. Pelo que a requisição se mantém em vigor. Ainda assim, a citação deverá estar para breve, dado que, segundo a Lusa, o STA já emitiu a notificação ao Governo para responder à providência cautelar.

Mas, afinal, que decisão foi esta do STA? E quando pode suspender a requisição civil? Ao Observador, a juíza da Associação Sindical dos Juízes Portugueses Nélia Brito esclarece que o STA não deu razão a nenhuma das partes (ainda) nem se pronunciou sobre a providência cautelar interposta. O que fez foi admiti-la, para acautelar os direitos que os moradores/proprietários entenderam estarem a ser postos em causa. O efeito da admissão pelo STA da providência cautelar é que a requisição civil é suspensa, mas só apenas a partir do momento em que o Governo for “citado”, ou seja, notificado, o que ainda falta. Mas será rápido.

Supremo Tribunal Administrativo aceitou providência cautelar no Zmar. Governo diz que ainda não foi notificado

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A suspensão dura depois disso até que o Governo apresente uma “resolução fundamentada” a justificar “o grave e sério prejuízo para o interesse público” da manutenção daquela suspensão e a razão pela qual “o interesse público se sobrepõe ao interesse dos particulares“. A juíza explica que o Tribunal não terá de se pronunciar sobre essa resolução, exceto se considerar que não está fundamentada. Mas “teria de ser uma aberração. Não é plausível que uma coisa dessas aconteça“, antecipa. Ainda assim, se o fizer, seria um processo rápido? Nélia Brito diz que, como se trata de uma providencia cautelar, é “quase imediato, levaria talvez um ou dois dias”, por se tratarem de “interesses delicados”.

Embora a apresentação da resolução fundamentada possa ser feita até à decisão final da providência cautelar, a juíza acredita que o Governo não deixará passar muito tempo entre a notificação e a entrega da resolução, pelo que é expectável que a suspensão não chegue a ter efeitos práticos. Aliás, as declarações do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, anteveem isso mesmo. Ao início da tarde, o governante disse que o Executivo ainda não tinha sido notificado, mas que já tinha instruído os serviços jurídicos da Presidência do Conselho de Ministros a preparar “a resolução fundamentada que garante a manutenção da produção de efeitos [da requisição civil]”.

Isso mesmo é referido ao Observador por uma fonte do Executivo. Sublinhando que o STA não deu razão aos utentes do Zmar — apenas aceitou a sua providência cautelar —, acrescentou que a requisição civil ainda não está suspensa. “Desde logo, porque o Governo não foi ainda citado (do pedido, não da decisão do tribunal, que ainda nem sequer existe). E, quando o for, o Governo emitirá uma resolução fundamentada reconhecendo o interesse público da requisição civil, podendo continuar a executá-la até à decisão que o tribunal vier tomar sobre a providência”.

Essa decisão deverá demorar algum tempo (pelo menos mais tempo do que o necessário para desbloquear o impasse no Zmar) e é nela que o Tribunal decidirá qual das partes tem razão. Até lá, mantém-se a requisição civil nos termos já explicados — e se o Tribunal não der razão às possíveis impugnações dos moradores.

A mesma fonte refere também que a aceitação da providência cautelar pelo STA “não implica qualquer decisão quanto ao fundo da questão nem dá razão aos requerentes, significa apenas que estão reunidos os pressupostos formais para o tribunal analisar o processo”. Uma vez admitido o pedido, “o tribunal notificará a outra parte (o Governo) para se pronunciar e só então decidirá decretar ou não a providência cautelar”.

Moradores podem contestar a “resolução fundamentada”

Depois de o Governo entregar a resolução devidamente fundamentada, espera-se que caia a suspensão da requisição civil. No entanto, os moradores e os proprietários do Zmar podem contestar a fundamentação da resolução. Como? Impugnando os atos de execução da requisição civil, caso a caso, justificando “porque é que em cada caso concreto, a fundamentação da resolução não justifica aquele ato“.

Por outras palavras, os proprietários podem, hipoteticamente, “alegar que os interesses que o Governo levanta são desproporcionais e não se sobrepõem aos interesses dos particulares afetados”. Por isso, “pedem ao Tribunal que aprecie se os atos estão, ou não, dentro do âmbito do superior interesse público”. Por exemplo: “O que foi decretado [pelo Governo na requisição civil] foi a ocupação na totalidade do Zmar. Se calhar, faria mais sentido que ocupassem só uma parte ou só a parte que não é propriedade individual dos cidadãos e sim a do alojamento. A medida acaba por ser desproprocionada se, sem necessidade, estiver a ocupar habitações individuais, quando existem outras que podem ser ocupadas sem interferir com estes direitos”, exemplifica.

Nos casos em que há impugnação, o tribunal aprecia “com urgência”. Mas pode chegar à conclusão de que nenhum direito estaria a ser lesado “porque, afinal, as pessoas que dizem que lá moram, têm outra morada principal”.

A juíza acredita também que, além da resolução fundamentada, o Governo vai apresentar uma “oposição ao decretamento da providência” (o que terá de ser feito num prazo de dez dias), sobre a qual o Tribunal se irá pronunciar e identificar que parte tem razão.

Segundo o despacho liminar do Supremo Tribunal Administrativo sobre a providência cautelar, a que o Observador teve acesso, os moradores/proprietários pediram não só a “citação urgente dos demandados [neste caso, o Governo], mas também “o decretamento provisório da providência”. Esta expressão significaria decidir por uma suspensão imediata do ato que não admitiria sequer uma resolução fundamentada por parte do Governo. Esta opção foi, porém, rejeitada pelo tribunal, que decidiu “admitir o requerimento cautelar apresentado, e ordenar a citação urgente dos demandados para deduzirem oposição, querendo, no prazo de dez dias”.