André Ventura não vai pedir desculpa à família do bairro da Jamaica, cuja imagem usou num debate televisivo com Marcelo Rebelo de Sousa, e voltaria a fazer o mesmo porque entende que “não houve nenhum carácter ilícito” quando usou a palavra “bandidos”. “Voltaria a fazê-lo porque foi no debate político em que queria identificar uma situação”, disse à saída do Tribunal Cível de Lisboa, onde foi ouvido na manhã desta segunda-feira, e onde assegurou que respeitará qualquer que seja a decisão da justiça.
Depois da audiência, o líder do Chega levantou suspeitas de que esta ação pode ter intenções mais longínquas do que os pedidos que foram feitos pela família Coxi, que disse que “pode ter sido instrumentalizada”. “Muito provavelmente a intenção dos autores, vamos ver se a pedido de alguém ou não, querem juntar [esta ação] ao processo da ilegalização do Chega, procurando dizer que se o partido já foi condenado por racismo ‘agora, vejam que o Tribunal Constitucional tem de fazer o seu papel”, apontou. Aos olhos de Ventura, este tipo de ação “é rara” e, insistiu, “vê-se pela escrita da ação que a intenção não é aquela”, dizendo que a mesma está “bem escrita”. Questionado sobre as intenções reais que acredita existirem, o ex-candidato à Presidência da República afirmou que há um “objetivo político dos autores de me prejudicar e de prejudicar o Chega”. “Tenho 99% de certeza que se o partido fosse condenado esta ação seria juntada ao processo do Tribunal Constitucional”, realçou.
Ventura disse ainda que “ficou claro” que os argumentos dos autores do processo “falharam” e que “não conseguiram de maneira nenhuma identificar o dano”. “Não tem qualquer fundamento o pedido que foi feito por esta família, que não houve qualquer caráter racista ou de natureza racial ou étnico racial nas minhas declarações nem na participação do Chega nesta matéria”, acrescentou à saída do tribunal, onde a família recusou falar.
André Ventura “voltaria a fazer o mesmo” e admitiu-o em tribunal
André Ventura foi ouvido em tribunal devido ao processo movido pela família do bairro da Jamaica pela utilização de uma imagem e da referência a “bandidos” durante um debate da campanha presidencial com Marcelo Rebelo de Sousa e disse que voltaria a usar a palavra para se referir a membros de uma família do bairro da Jamaica, apesar de preferir não ter ofendido as pessoas que o processaram: “Se eu fico feliz ou se gosto que as minhas palavras ofendessem qualquer das pessoas que estão aqui, não. Se voltaria a fazer o mesmo, faria.”
No Tribunal Cível de Lisboa, o líder do Chega justifica o uso da imagem por questões políticas e recusou as acusações de racismo ao dizer que “era indiferente” a “cor da pele” das pessoas que estavam na fotografia, bem como a “origem”. “Nada tem a ver com cor de pele, nem com a origem demográfica ou a nacionalidade mas com a prática criminal constatada e constatável. O exercício político é discutível, mas é legítimo“, atirou, frisando que o “uso da imagem é sempre mais forte” e era “importante” para aquilo que se estava a referir, ao explicar que dizer apenas “bairro da Jamaica” podia não ser suficiente para que os portugueses percebessem a mensagem.
A utilização da fotografia foi justificada, segundo Ventura, pela necessidade de defesa das forças de segurança e pelo facto de Marcelo Rebelo e Sousa não ter ido visitar a esquadra de polícia mas sim associações e residentes. Foi, disse o líder do partido, um “tema político”. “Queria evidenciar que o Presidente da República esteve com estas pessoas e não com os polícias”, admitiu o líder do partido, frisando que “nada tinha a ver com as pessoas serem ou não portugueses” e que a “incoerência e incongruência de uma ação política do PR”.
Para André Ventura “o objetivo político não era retratar pessoas de forma negativa”, apesar da utilização da palavra “bandido”. O líder do Chega disse ainda que a “foto já tinha sido amplamente divulgada” e que, desta vez, “a questão foi o André Ventura”. “Sou e era presidente do Chega e a campanha presidencial foi definida em moldes próprios e as minhas declarações só a mim me vinculam e não vinculam o partido”, assegurou no tribunal.
Tiago Sousa Dias, secretário-geral do Chega, interveio como uma das partes o processo — já que o Chega também é um dos requeridos, além de André Ventura — começou por dizer que que há uma “clara distinção” entre a “figura do partido”, o candidato à Presidência da República e a campanha” em que “tudo é separado”.
Durante a sessão foi mostrada uma publicação do Twitter do partido Chega, em que surge uma imagem comparativa entre uma foto onde aparece André Ventura e a foto com a família da Jamaica onde se lê “eu respeito os portugueses de bem” e, perante a mesma, o secretário-geral defendeu-se ao dizer que “nem todas [as páginas das redes sociais] são do partido” e que a imagem em causa “não é da autoria” do Chega, contudo revelou que foi feita por um secretário pessoal de André Ventura.
O dirigente do Chega disse ainda que se começou a fazer um trabalho em 2020 para distinguir várias páginas oficiais de páginas falsas, mas deixou claro que “ninguém da direção escreveu um texto nessa conta do Twitter”. Questionado pela defesa com o facto de aquela ser a página oficial do partido — que tem uma hiperligação no site oficial — explicou que “a pessoa que gere a conta trabalha para o partido” mas que a página “ainda não foi reconhecida oficialmente com as red lines do partido”. Tiago Sousa Dias confirmou ainda que pediu que fosse eliminada a publicação e que esta foi retirada. “Há publicações que com ou sem razão acabam por nos criar problemas com os quais não temos de lidar porque não são a nossa prioridade”, afirmou, acrescentando que “no Chega temos chatices diárias pelas coisas mais banais do mundo e muitas vezes acabamos por apagar as publicações, para nos focarmos no trabalho e seguir em frente”.
Luc Mombito, uma das testemunhas da defesa, admitiu que fez a publicação em causa no Twitter, “no âmbito da campanha”, disse que viu a imagem na internet e achou que a mesma seria “útil” na semana em que o tema foi propício” e referiu que o partido “não será” responsável pela publicação.
Vanusa Maisa Coxi é uma das requerentes do processo e foi a primeira a fazer declarações. A ativista social não viu o debate em direto e soube por “mensagem” da utilização da fotografia por parte de André Ventura. “Senti-me ultrajada porque metade das coisas ali ditas não são verdadeiras”, enalteceu, ao frisar que nasceu em Portugal, é “portuguesa por direito” e “sempre” trabalhou desde os 16 anos. Apesar de dizer que não sofreu repercussões devido à foto, admitiu que foi “incluída” na ideia de “bandido”.
“Conheço a pessoa [André Ventura] de vista, nunca a ofendi, nunca a mencionei e ir para a televisão mostrar uma foto minha e chamar-me de bandida é ultrajante“, realçou a requerida, tendo dito que é uma “ofensa à honra” e na esperança de conseguir um “pedido de desculpa” e que todos saibam que “o que foi dito [por Ventura] não é verdade”.
Vanusa referiu ainda que a utilização da fotografia “foi uma ofensa” e defendeu-se afastando a ideia de que vive de subsídios: “Todos trabalhamos, estou desempregada mas não recebo nada do Estado, recebo o abono dos meus filhos e vivo do salário do meu marido. Nunca roubei nunca fiz nada para merecer esse tipo de julgamento.”
Anabela Soares trabalha na área social da Câmara do Seixal, é uma das testemunhas da família do bairro da Jamaica, e disse em tribunal que esta divulgação de uma imagem “aumenta a visibilidade negativa” de uma família que diz ser bem vista na sociedade. Questionado pela defesa de André Ventura, a testemunha admitiu que “talvez alguém da família” possa ter estado ligado às agressões, mas recusou a generalização que foi feita por André Ventura.
No Tribunal Cível de Lisboa, a defesa da família Coxi insistiu que está em causa apenas uma “ação de reputação”, sendo que a família deseja que apenas que “o seu nome seja limpo” pelas “ofensas à honra e à imagem” mas também que haja uma declaração pública, já que, disse a advogada, houve “um exercício ilícito e abusivo da liberdade de expressão”.
A defesa de André Ventura usou o provérbio “A César o que é de César” para concluir a audiência no Tribunal Cível. A advogada Alexandra Sapateiro ao justificou que os autores da ação “desde os ataques da Jamaica deixaram de ser pessoas anónimas” e tentou desmontar a tese de racismo ao dizer que o líder do Chega não se referiu “a nenhum por uma questão de cor ou de condições sociais”. “Não há uma linha ou uma palavra [sobre racismo], há um aproveitamento dos autores”, realçou.
O facto de a fotografia já ter sido “vinculada nas redes sociais e televisões” antes do debate televisivo e de todas as notícias estarem “disponíveis num clique” levaram a defesa a referir que “André Ventura não se lembrou daquela família [específica] do bairro da Jamaica, mas do comportamento do Presidente da República [no momento em causa] e politicamente fez a sua pesquisa” para a usar como um ataque a Marcelo Rebelo de Sousa.
“O partido Chega não tem nada a ver com esta situação”, esclareceu a defesa, frisando que houve um apoio da candidatura “mas tudo o que foi publicado foi uma manifestação de apoio aproveitando algo das redes sociais”.
O processo em causa foi movido por sete elementos de família residente no Bairro da Jamaica, depois de André Ventura ter usado uma fotografia — durante um debate presidencial — em que Marcelo Rebelo de Sousa aparecia ao lado de vários residentes locais para atacar o atual presidente. Nessa altura, o presidente do Chega disse que Marcelo preferia estar “com bandidos” do que com os polícias que lidaram com os desacatos na zona.
Ventura chegou acompanhado por uma vasta comitiva ligada ao Chega — sendo o partido também acusado no processo —, mas devido às restrições da Covid-19 estiveram na sala apenas três elementos da direção além do próprio presidente do partido: José Dias, vice-presidente, Tiago Sousa Dias, secretário-geral, e Rita Matias, vogal. Entraram ainda Rodrigo Alves Taxa, assessor jurídico parlamentar do partido e dois seguranças.
No início da sessão, a família Coxi requereu a substituição de uma das testemunhas e revelou a desistência de outra.