No dia em que os turistas britânicos puderam regressar a Portugal (sem terem de fazer quarentena no regresso), João Fernandes, presidente da Região do Turismo do Algarve, esteve no aeroporto de Faro a recebê-los com um kit de boas-vindas: um guia com sugestões de locais a visitar, duas máscaras, uma flor e uma embalagem de álcool gel. “Viu-se a alegria deles por finalmente estarem numa terra com bom tempo e alguma atrapalhação para lidarem com a roupa de inverno que traziam. Estavam 30 graus”, conta ao Observador, por telefone.

Só esta segunda-feira, chegaram ao aeroporto de Faro 17 voos com origem no Reino Unido e oito de outros países, como Bélgica ou Suíça. Segundo João Fernandes, a expectativa é que, nesses voos, tenham chegado 7.000 passageiros — 5.500 dos quais de território britânico. São boas notícias para um setor de atividade que tem estado a meio gás, ao longo dos últimos meses, entre avanços e recuos.

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É por causa dessa instabilidade que algumas associações ouvidas pelo Observador não querem já lançar foguetes para o mês de maio: “Temos que dominar a nossa ansiedade e saber fazer a leitura correta de como este movimento está a crescer, se é um crescimento contínuo, gradual, ou se é um espasmo“, diz, por sua vez, Rodrigo Pinto de Barros, presidente da Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT). Ainda assim, a expetativa é de que este verão seja melhor do que o anterior.

Portugal parte em vantagem: é o único destino de praia na lista verde do Reino Unido

Há de tudo um pouco, diz João Fernandes. Esta segunda-feira, chegaram a Faro, por exemplo, turistas que até preferiam ter ido para países como a Grécia ou Espanha, mas como Portugal era o único destino de praia que permite britânicos na lista verde do Reino Unido, acabaram por optar pelo Algarve. “Foi a única oportunidade que encontraram”, resume o responsável. São “novos turistas que podemos aproveitar para fidelizar“. Mas há também britânicos “que já não vinham ao Algarve há mais de dez anos“, assim como “aqueles que vêm cá duas e três vezes por ano e que estavam impedidos de o fazer“. E alguns jovens em grupos pequenos. “Nesta fase, não vemos ainda muitos casais com crianças”, até porque a pausa intercalar letiva no Reino Unido só começa a 25 de maio. É aí que a procura deverá crescer mais.

Esta chegada tem “um efeito imediato na reativação de alojamento, do transporte de turistas, da animação turística, e que obviamente nos dá um alento num período de praticamente inatividade total numa região que depende deste setor”, já tinha antecipado João Fernandes, esta manhã, aos microfones da Rádio Observador.

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Esta segunda-feira foi um bom começo, até porque Portugal parte numa situação de vantagem face a outros países. “Este ano, a partir de 17 de maio, já temos voos e até numa condição privilegiada, sem concorrência, porque na lista verde do Reino Unido estão Portugal, Gibraltar, que é um espaço exíguo, e a Islândia, que tem características completamente diferentes. Portanto, não temos concorrência, temos uma concentração grande da procura“, vinca o responsável.

Além dos britânicos, já se começam a ver espanhóis nas ruas Algarvias. “No ano passado, tivemos a fronteira fechada com Espanha até 1 de julho. Este ano, já estamos a sentir, desde 1 de maio, em que abriu, a visita de espanhóis, que fazem reanimar o comércio, a restauração e a hotelaria”, diz João Fernandes. Regressos que fazem “antever um verão com outra expressão”.

É difícil prever se estes turistas estarão mais disponíveis a gastar mais dinheiro. João Fernandes nota que é preciso ter em conta que os custos com os testes, que têm de ser realizados à saída do Reino Unido, em Portugal (antes de viajar), e dois dias depois de regressarem ao país de origem, podem fazer os turistas cortarem nos gastos. Mas há outro efeito: também por causa do elevado número de testes, “espera-se que alguns deles prolonguem os períodos de estadia, para poder rentabilizar a estadia“.

A procura pelo Algarve começou logo após o anúncio de Boris Johnson de que Portugal estaria na lista “verde”. “Logo nos 10 minutos seguintes à conferência de imprensa do PM britânico, há um crescimento de 3000% das pesquisas de viagens para Portugal no Google. Depois, logo a seguir, há um anúncio sucessivo de reforço de capacidade aérea, de rotas e de lugares em avião disponíveis para voos. A Ryanair anunciou primeiro 175 mil ligares a mais. A Tui deslocou para o Algarve as suas maiores aeronaves, que habitualmente não aterram no aeroporto internacional de Faro”, exemplifica.

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Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), também aponta que os alojamentos estão a ter “reservas superiores àquilo que esperaríamos“, depois do “aumento muito significativo” que se seguiu ao anúncio de Boris Johnson, o que faz prever que “este verão seja melhor do que o do ano passado”, embora não em níveis de 2019.

É, portanto, no verão que se espera um maior balão de oxigénio. As reservas estão “a um bom nível”, nota o presidente da Região do Turismo do Algarve, sem adiantar números. Se no ano passado, a região praticamente dependeu dos turistas portugueses, com os corredores aéreos do Reino Unido a reabrirem apenas em parte de agosto e de setembro, a expectativa é que, este ano, os britânicos voltem em maior força — mas ainda longe dos 75% de procura que representam num ano “normal”.

Elidérico Viegas também fala num “aumento generalizado de reservas para o próximo verão“, mas ainda não consegue colocar números na tendência, até porque a realidade muda todos os dias. Mas acrescenta que as reservas “não são por períodos muito longos, de cinco, seis dias”. Essas reservas estão a abranger “todo o tipo de alojamento”, desde hotéis de cinco estrelas aos de classificação inferior, não diferindo, nesse aspeto, de anos anteriores.

Ainda assim, o responsável mostra alguma cautela: “Não é de um momento para o outro que vamos ficar cheios. Temos de ter cuidados, mas temos de começar por algum lado e estamos a começar bem”. É que “há uma série de condicionantes que não existiam no passado” e que podem não trazer já um boom no consumo: “Os bares continuam encerrados, os restaurantes e snacks estão abertos apenas até às 22h30, há limitações às despesas das pessoas. As pessoas tenderão mais, nestas circunstâncias, a permanecer nos hotéis do que a frequentar estabelecimentos no exterior”.

Taxa de ocupação para o verão está ainda nos 10% a Norte

É Rodrigo Pinto de Barros, presidente APHORT, que se mostra mais apreensivo. As notícias de “abertura” do corredor aéreo com o Reino Unido são positivas, mas há muitos outros fatores à mistura que podem impedir o sucesso dos próximos meses. “Hoje há uma procura maior por parte do mercado inglês nos hotéis, mas não se sabe muito bem se se vai concretizar ou não porque, entretanto, abrimos as notícias inglesas e Boris Johnson já fala da variante indiana que está a chegar. Hoje ele diz que abre, amanhã já pode fechar”, refere ao Observador.

As reservas para o verão “ainda estão muito fracas” na região, embora estejam a aumentar, e até face ao ano passado. Neste momento, no Norte, a taxa de ocupação está apenas a 10% para julho e agosto. “Ainda não estamos suficientemente seguros para nos motivar e para fazer uma projeção para daqui a dois meses”. Ainda assim, a expetativa também é de que este verão seja melhor.

Pinto de Barros, que está mais em contacto com o turismo no Norte do país, nota que a procura aumentou cerca de 15, 20% nos últimos dias, mas é preciso saber porquê. “Não sabemos se é devido ao jogo da Liga das Campeões [a 29 de maio]”, É que há “sobretudo consultas, não marcações firmes“. Para que esta reabertura seja bem sucedida é preciso, diz, um “um fluxo mais constante de transportes aéreos”, mas também rapidez no controlo do SEF nos aeroportos nacionais. E que as condições pandémicas evoluam favoravelmente.

Há, ainda, muitas incertezas quanto à evolução da pandemia, o que leva a que as reservas sejam feitas mais em cima da hora — com “uma semana, dez dias de antecedência”, revela — e os viajantes preferem, antes de se comprometer com uma marcação, esperar para ver como evolui a vacinação ou qual a incidência de novos casos.

“Há uma grande ansiedade por parte de todos nós nos sentido de: ‘Abriu a fronteira hoje, já vêm muitos ingleses. Não é assim que funciona. Temos que dominar a nossa ansiedade, enquanto destino turístico e enquanto empresários, principalmente da hotelaria. Temos de saber medir e fazer a leitura correta de como este movimento está a crescer: se é um crescimento continuo, gradual, ou se é um espasmo“, afirma.

Reservas para o golfe já estão em níveis perto do pré-pandemia

Para a época alta do golfe no Algarve — de final de setembro a novembro — já há várias reservas feitas e João Fernandes arrisca mesmo que os níveis estão a tocar o pré-pandemia. “Setembro, outubro, novembro, estão a níveis pré-pandemia. O estranho é que, mesmo em novembro, já estamos com níveis muito elevados”, e “acima do esperado”, anuncia.

Elidérico Viegas conclui o mesmo: “Se formos capazes de nos manter, no futuro, nessa lista verde podemos perspetivar que a partir de setembro já poderemos ter uma boa época de golfe, o que é importante para o Algarve. A procura pode aproximar-se muito da normalidade a partir do final de setembro.”