A maioria dos partidos defendeu esta quinta-feira que a restruturação do SEF deve passar pela Assembleia da República, mas o ministro da Administração Interna refutou esse pedido, considerando que o SEF “não é uma força de segurança”.
Num debate sobre a reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) marcado a propósito de um projeto de resolução do CDS-PP, que exige que a proposta do Governo seja votada na Assembleia da República, Eduardo Cabrita explicou os motivos pelos quais a alteração do SEF não deve passar pelo parlamento.
O ministro sublinhou que “aparentemente está totalmente de acordo com o parecer” do constitucionalista Jorge Miranda, que defende que a reorganização do SEF “entra na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República” e que “uma eventual reorganização pelo Governo, nem que fosse com autorização legislativa (…), seria patentemente inconstitucional”.
O parecer ao constitucionalista Jorge Miranda solicitado pelo Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF (SCIF/SEF), foi abordado no debate.
No entanto, segundo Eduardo Cabrita, alterações nas forças de segurança são “matéria de reserva absoluta da competência na Assembleia da República, mas, neste caso, há “alguns pequenos problemas”.
O SEF não é uma força de segurança, é um serviço de segurança. A natureza do seu pessoal tem características distintas daquelas que se aplicam aos militares da GNR ou agentes da PSP, tem diferenças como sujeição ao regime geral de trabalho em funções públicas, não a códigos específicos. Tem direito à greve, que não existe na PSP e na GNR”, explicou.
“Estaremos aqui para discutir plenamente todas as soluções no plano político e jurídico no quadro daquilo que são as competências próprias do Governo para executar o seu programa e aquilo que é a responsabilidade parlamentar designadamente num quadro de apreciação parlamentar se essa figura for exercida”, disse.
Durante o debate, o deputado do CDS-PP Telmo Correia disse que os inspetores do SEF “vivem numa enorme angústia” ao não saberem o que lhes vai acontecer, se vão para a PSP ou GNR, e em que circunstâncias.
“O ministro escolhe ficar isolado nesta matéria num exercício de teimosia”, sustentou, questionando Eduardo Cabrita sobre os motivos pelos quais não tem falado com os sindicatos do SEF, que “desde janeiro que não sabem o que vai acontecer”.
Também o deputado António Filipe, do Partido Comunista Português, contestou o argumento do ministro sobre o SEF não ser uma força de segurança, explicando que a lei de segurança interna estabelece o elenco das forças e serviços, nos quais está incluído o SEF.
António Filipe disse que a lei de segurança interna está abrangida pela Constituição, pelo que “não passa pela cabeça de algum Governo” alterá-la sem esta passar pela AR.
Segundo o deputado, está em causa “a extinção de um serviço de segurança previsto” nesta lei e não se pode “fazer de conta que não existe”.
O deputado comunista disse ainda que as forças e serviços de segurança devem “estar acima de qualquer suspeita de politização e devem reunir o maior consenso entre as várias forças políticas”, considerando que esta “discussão devia existir não apenas numa hipoteca apreciação parlamentar de decreto-lei”, mas em sede de aprovação na AR.
Também o deputado do PSD André Coelho Lima afirmou que “é evidente que as alterações na GNR e PSP obrigam a alteração à lei de segurança interna” e defendeu que as mudanças têm de ser debatidas na AR.
O deputado social-democrata acusou o Governo de “começar a casa pelo telhado” ao impor uma reestruturação, sublinhando que está “a levar a lei ao insucesso”.
Inês Sousa Real, do PAN, considerou que “é evidente que essa matéria tem de vir a AR”, uma vez que a reestruturação entra na esfera de outros órgãos de polícia criminal.
A deputada criticou Eduardo Cabrita por “não estar disponível para discutir no AR uma alteração que é absolutamente estrutural e essencial para a segurança do país e para efetivação dos direitos humanos”.
Inês Sousa Real disse estar de acordo com uma reestruturação no SEF, mas tal não deve ser feito “através de processos atabalhoados”.
Também a deputado do BE Beatriz Gomes Dias considerou que o Governo deve enviar para a AR uma proposta da lei para a reorganização da orgânica do SEF, sendo uma matéria da competência do parlamento a reorganização de um serviço de segurança.
A deputada manifestou-se disponível para adaptar a grelha do agendamento previsto no plenário da AR de 2 de junho para “criar oportunidade ao Governo para poder fazer esse debate nessa data”.
O deputado José Luis Ferreira, de Os Verdes, também considerou que esta reestruturação “não pode ser feita pelo Governo, uma vez que a lei de segurança interna, considera conjuntamente a GNR, a PSP e o SEF, como estando sujeitas ao mesmo regime de competências reservadas da AR”.
A deputada do PS Susana Amador destacou as políticas desenvolvidas por Portugal em matéria de migrações, sublinhando que a restruturação do SEF renova a humanização dos serviços e vai garantir “melhores abordagens e especialidades” e que “previsto e planeado” no programa do Governo.
O parlamento aprovou esta quinta-feira a resolução do CDS-PP que recomenda ao Governo que apresente uma proposta de lei do SEF, com voto contra do PS e da deputada Joacine Katar Moreira.
Maioria de partidos favorável à separação de funções de segurança e administrativas do SEF
Ainda assim, a maioria dos grupos parlamentares mostrou-se favorável a uma futura separação das funções de segurança e administrativas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com o ministro da Administração Interna a falar em “ganho de causa”.
“É impossível não concluir que há muita gente a ver com bons olhos a separação entre o vetor policial e o vetor administrativo do sistema europeu e nacional de controlo de fronteiras e de gestão de questões relacionadas com estrangeiros”, salientou o deputado José Magalhães, do PS.
Pelo PSD, o deputado André Coelho Lima enalteceu uma “separação orgânica entre funções policiais e funções administrativas”, mas defendeu que “esta alteração deve ser transversal a todo o sistema de segurança interna” e não ocorrer apenas no SEF.
O deputado social-democrata argumentou também que “só deve uma autoridade ter a dimensão de gestão integrada de fronteiras” e que Portugal “só pode ser representado” na agência europeia de controlo de fronteiras Frontex por “entidades policiais”.
Também o deputado António Filipe salientou que o PCP “vê com muito bons olhos a ideia da separação entre as funções de segurança e as funções administrativas”, considerando que “um dos erros de base da criação do SEF partiu exatamente dessa fusão”.
O comunista alertou igualmente para a possibilidade de uma “extinção mal pensada do SEF”.
O líder parlamentar do CDS-PP notou que os partidos divergem quanto “às ideias e modelo da reforma” deste serviço.
Apontando que “qualquer pessoa concorda que uma coisa é a parte administrativa, outra coisa são as funções de segurança”, Telmo Correia salientou que é necessário avaliar “se é concentrando num mesmo organismo a parte criminal e a parte migratória ou não que respondemos melhor” ao acolhimento dos imigrantes, salientando que o CDS defende que Portugal deve “receber bem” e integrar os estrangeiros.
“Afinal, todas as bancadas estão de acordo com a separação entre as funções policiais e administrativas do SEF, e esse é um ganho de causa que jamais teria sido evidenciado com esta clareza”, afirmou o ministro da Administração Interna no encerramento do debate.
Para Eduardo Cabrita, “o que está em causa é saber quem quer concretizar” e “quem está aqui usando mecanismos de coreografia parlamentar verdadeiramente a pretender que tal seja levado para as calendas gregas”.
A resolução do Conselho de Ministros que define as orientações políticas para a criação do Serviço de Estrangeiros e Asilo, que vai suceder ao SEF, estabelece “as traves-mestras de uma separação orgânica muito clara entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes”.
A resolução determina quais as atribuições de natureza policial do SEF que vão transitar para a Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública e Polícia Judiciária, bem como as competências que vão passar para o Instituto dos Registos e Notariado, ficando o Serviço de Estrangeiros e Asilo com “atribuições de natureza técnico-administrativa”.