A Associação dos Oficiais da Reserva Naval que criticou a atribuição, em maio, de uma “lancha oceânica” à GNR disse à Lusa que teria sido “cortês” uma resposta do Ministério da Defesa e que ainda acredita na sensibilidade do Presidente da República.

“(O Chefe de Estado, Comandante Supremo das Forças Armadas) tem de arbitrar entre muitos vetores distintos de caráter político da sociedade portuguesa. Estou convencido que será sensível aos argumentos que foram levantados pelos antigos Chefes de Estado-Maior da Armada e por este documento da AORN (Associação dos Oficiais da Reserva Naval)”, disse à Lusa José Luís Cruz Vilaça, presidente da assembleia-geral do organismo de oficiais na reserva.

Cruz Vilaça é o autor de um documento, aprovado pela assembleia-geral da AORN em que critica frontalmente a entrega à GNR, no dia 07 de maio, de uma embarcação com capacidade para navegar em alto mar, considerando “surpreendente — para além de muito provavelmente ilegal — que se pretenda substituir a Marinha por uma força essencialmente terrestre no exercício das missões no espaço oceânico”.

O responsável da AORN disse ainda que teria sido “cortês” uma resposta, que não se verificou até ao momento, por parte do ministro da Defesa Nacional, a quem a carta com as preocupações e críticas da associação foram dirigidas acrescentando “que se trata de um dossier político” que também deveria interessar o Parlamento.

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“Há partidos políticos e há Governo e aparentemente nem todos estão dentro do mesmo ‘diapasão’ dentro do Governo e há oposição. A minha esperança é que tudo isto possa ter algum eco por parte dos políticos. Eu bem sei que eles têm muitos dossiers, desde a pandemia aos ‘futebois’ e às eleições autárquicas, mas isto toca o núcleo essencial de uma das funções principais do Estado que é a Defesa Nacional”, disse Cruz Vilaça.

A lancha “Bojador”, fabricada na Holanda, tem 35 metros, 1600 cavalos de potência, é capaz de receber uma tripulação de mais de 10 elementos e tem uma autonomia até 1.500 milhas.

“Isto não é uma lancha de patrulhamento costeiro. É um (navio) patrulha oceânico para navegar em alto mar. O ministro (da Defesa Nacional) disse que isto visava um reforço decisivo da GNR na ‘Guarda Costeira’ mas ‘Guarda Costeira’ é uma noção que é desconhecida em Portugal”, afirma Vilaça.

Por outro lado, o documento da AORN refere também que a entrega da embarcação ocorre numa altura em que a Marinha se debate com “sérias dificuldades financeiras” quer na aquisição de equipamentos quer na capacidade de colocar em funcionamento os vários navios em missões operacionais.

“É neste contexto que aparece a GNR. Pergunta-se porquê? A GNR é uma força que foi criada em 1911 para exercer funções terrestre e a Marinha ‘por acaso’ tem 700 anos. Aliás, as missões da GNR estão tipificadas na sua Lei Orgânica: tem de assegurar a legalidade democrática, a Segurança Interna e os direitos dos cidadãos e depois colaborar nas missões de Defesa Nacional”, frisa o ex-oficial da Armada.

Por outro lado, frisa, a Marinha tem como missão exercer a autoridade do Estado nas zonas marítimas ou sob soberania e jurisdição nacional e no alto-mar.

“Há aqui uma coisa incompreensível. Atribuiu-se à GNR um equipamento caro para cumprir missões que por lei estão atribuídas à Marinha e a meu ver levanta-me sérias questões de legalidade. Duvido da legitimidade política desta medida e duvido que esteja conforme com a lei”, disse o responsável da AORN que desempenhou funções de presidente do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias entre 1989 e 1995.

O documento da AORN tem a data de 22 de maio e foi enviado ao Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, ao Chefe de Estado Maior da Armada, ao Presidente da República e ao presidente da Assembleia da República, bem como ao Governo, através do Ministro da Defesa, João Gomes Cravinho.

Entretanto, de acordo com Cruz Vilaça o “Bojador” ainda não cruzou a barra do Tejo.

“Ainda ontem um amigo meu me disse que em passeios junto ao rio (Tejo) (…) e da Gare Marítima de Alcântara e pela doca onde essa lancha está ancorada (“Bojador”) e que está muito surpreendido pelo facto de por não ter utilização nenhuma”, ironizou.

“Eu espero que isso possa significar uma intenção no sentido da revisão deste dossier. A lancha está parada à espera que alguém decida qualquer coisa sobre ela, mas também não me admira porque um equipamento destes exige gente treinada e gente treinada é o que a Marinha te porque está ‘calhada’ na navegação há 700 anos em Portugal e a GNR tem de formar gente para o manusear”, disse.

“Eu tenho esperança que alguém está a rever a situação”, concluiu.

Paralelamente, no passado dia 28 de maio um outro documento, noticiado pelo jornal Diário de Notícias, subscrito por sete antigos Chefes de Estado-Maior da Armada alerta para a “deriva” marítima da GNR.