As câmaras municipais do Porto, de Coimbra e de Faro disseram esta sexta-feira à Lusa que a realização de manifestações públicas nos seus concelhos é apenas comunicada às autoridades policiais e que os dados não são enviados para outras entidades.

Numa resposta escrita enviada à agência Lusa, a Câmara do Porto refere que “todos os avisos de realizações de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público são encaminhados para a Polícia Municipal que, por sua vez, nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei 406/74, solicita exclusivamente à PSP, quando necessário, o respetivo parecer”.

Em Coimbra, a autarquia “limita-se a informar a PSP ou a GNR, conforme os casos”, indicou fonte do gabinete do presidente também numa resposta escrita enviada à Lusa.

No sul do país, o município de Faro segue o mesmo critério das autarquias do Porto e de Coimbra, e indica que apenas são informadas a PSP ou a GNR, “em função do local onde se realiza a manifestação”.

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De acordo com o gabinete da presidência da câmara da capital algarvia, “não são feitas” comunicações às organizações visadas ou junto às quais se realizam os protestos.

Os jornais Observador e Expresso noticiaram na quarta-feira que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.

O embaixador da Rússia em Portugal afirmou esta sexta-feira que os dados dos manifestantes foram eliminados e que a partilha de informações “não é um caso único”.

Mikhail Kamynin disse não ter visto “necessidade” de guardar as informações, até porque a “Rússia e os países membros da União Europeia respeitam os dados pessoais”.

Estes tipos de manifestações acontecem em todos os países e os organizadores e os participantes podem voltar a qualquer hora (à Rússia) porque a Rússia é um país aberto. Com a cidadania russa podes voltar e serás bem recebido”, acrescentou.

Numa conferência de imprensa, ao fim da manhã de quinta-feira, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, admitiu que foi feita a partilha de dados pessoais dos três ativistas, pediu “desculpas públicas” e assumiu que foi “um erro lamentável que não podia ter acontecido”.

Medina referiu que a partilha de dados resultou de “um funcionamento burocrático” da autarquia sobre a realização de manifestações, entretanto já alterado em abril.

Os promotores de uma qualquer manifestação devem comunicá-la à câmara até 48 horas antes da data, indicando o local, hora e dados de quem organiza. Esses dados são partilhados com a PSP, o Ministério da Administração Interna e “as entidades onde a manifestação se vai realizar”, explicou. Neste caso, a entidade era a embaixada da Rússia em Lisboa.

“É aqui que há o erro da câmara, tratando-se desta manifestação esta informação não podia ter sido transmitida”, disse.

A explicação de que a embaixada da Rússia foi informada “por ser esse o local da realização da manifestação” contradiz uma explicação dada em 2019 pela Câmara de Lisboa — num e-mail entretanto divulgado pelo Comité de Solidariedade com a Palestina — de que uma embaixada era então informada sempre que um país era “visado pelo tema de uma manifestação”, independentemente do local onde se realizasse.

O autarca socialista anunciou também que pediu uma auditoria sobre a realização de manifestações no município nos últimos anos, tendo em conta que a câmara lidera o processo desde 2011, depois da extinção do cargo de governador civil.

O caso originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento da Amnistia Internacional e de partidos políticos.

Carlos Moedas, candidato do PSD à Câmara de Lisboa, pediu a demissão de Fernando Medina e o partido Aliança disse que vai participar o caso à Procuradoria-Geral da República.

O PSD e o CDS-PP anunciaram que vão chamar Fernando Medina ao parlamento, com os sociais-democratas a estenderem esse pedido ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

A Comissão Nacional de Proteção de Dados confirmou que abriu um processo de averiguações à partilha de dados pessoais dos três ativistas russos.

Amnistia Internacional quer saber quais os procedimentos adotados pelas autarquias

A Amnistia Internacional pediu esclarecimentos ao Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública e à Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre os procedimentos adotados pelas câmaras municipais no envio de comunicações de manifestações e vigílias.

Em comunicado, a AI considera fundamental perceber se, a par da CML, “também outras câmaras municipais do país têm condutas semelhantes, que possam ter colocado a segurança de outros manifestantes em risco, assim como das suas famílias”.

A Amnistia Internacional disponibilizou-se também para auxiliar os municípios sobre questões de direitos humanos “para que o seu respeito e proteção seja salvaguardado”.

A AI reitera ao Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública que “é indispensável a formação de responsáveis políticos, pessoal técnico e administrativo, quer da administração pública central e local”, para que disponham “de maior conhecimento e consciência da implicação do seu trabalho e responsabilidades na defesa dos direitos humanos em Portugal e no mundo”.

Esta organização já tinha criticado o procedimento de informação a entidades terceiras “onde se realizam as manifestações e a quem as manifestações visam”.

Amnistia Internacional considera gravíssima a partilha de dados de ativistas russos pela CML

As entidades visadas têm conhecimento das manifestações através da própria manifestação e, se assim entenderem, podem vir ao encontro dos manifestantes e dialogar com as pessoas, ouvindo as suas reivindicações diretamente. Não cabe às autarquias mediar este papel. Se as entidades visadas se sentirem ofendidas pelos manifestantes, podem chamar as autoridades e participar a ocorrência, fazendo queixa às entidades judiciais competentes”, refere.

A Amnistia Internacional esclarece também que as manifestações não ocorrem no “local das entidades” como referiu publicamente o presidente da CML, mas sim na via pública, sendo por esta razão que os municípios são informados das manifestações por ocuparem o espaço público que as autarquias gerem.

A AI apela ainda à Câmara Municipal de Lisboa que realize um levantamento de todas as situações semelhantes em que os dados de pessoas que organizaram manifestações no território municipal tenham sido facultados a entidades terceiras e as contactem, informando-as do ocorrido e acordando com elas medidas de mitigação, compensação e proteção, nos casos em que tal se revele necessário.

Segundo a organização, a autarquia deve envolver os ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros para os casos de pessoas que residam em Portugal ou de pessoas e familiares que residam em países terceiros.