O encontro está marcado para o próximo domingo e será muito semelhante ao de há três anos, quando Isabel II recebeu Donald (2017-2021) e Melania Trump no Castelo de Windsor (até hoje, a primeira e penúltima vez que os três partilharam o mesmo espaço). Agora, chegou a vez de Joe e Jill Biden pisarem o mesmo relvado e terem a primeira audiência com a monarca. Sem banquete, vestidos longos ou tiaras cintilantes, a visita — que não é de Estado — será bem mais discreta do que é habitual para um encontro entre a rainha de Inglaterra e o presidente dos Estados Unidos da América.
A lista é longa, o que faz de Isabel II uma chefe de Estado especialmente experiente em receber (e ser recebida por) líderes daquele país. Contando com Biden, durante o seu longo reinado, já conheceu 12 presidentes dos Estados Unidos. Há que recordar um 13º — Harry Truman (1945-1953) –, que a recebeu em Washington ainda como princesa, em outubro de 1951. Isabel tinha então 25 anos, já tinha casado com Filipe e atravessou o Atlântico em representação do pai, Jorge VI. No rescaldo da visita, que durou dois dias, o presidente não poupou elogios — “Nunca tínhamos recebido um jovem casal tão maravilhoso e que tão rapidamente nos arrebatou”.
A um ano de assinalar sete décadas no trono, festividade conhecida como Jubileu de Platina, Isabel II soma múltiplas memórias no que toca a encontros diplomáticos. A afinidade histórica e linguística entre os dois países apenas fez com que estes encontros fossem mais especiais. Apenas Lyndon B. Johnson (1963-1969) lhe escapou — enquanto presidente, limitou as suas visitas de Estado ao continente asiático.
Receitas, danças e passeios a cavalo
Foi Dwight Eisenhower (1953-1961) o primeiro presidente a abrir as portas da Casa Branca a Isabel II, já como soberana, em outubro de 1957. O primeiro encontro lançaria as bases de uma relação estreita em plena Guerra Fria, mantida através de correspondência e cimentada em setembro de 1959, quando o presidente foi recebido pela família real em Balmoral, um contexto bem mais íntimo. Depois de regressar, a própria rainha ter-lhe-á enviado a receita das panquecas (drop scones) que tanto lhe agradaram durante a estadia na Escócia.
Mas Isabel II não foi igualmente próxima de todos os presidentes e primeiras-damas dos Estados Unidos. Seguiram-se os Kennedy, recebidos por cerca de meio milhão de pessoas nas ruas de Londres e com um luxuoso banquete servido no Palácio de Buckingham. Os comentários maldosos da primeira-dama ao estilo conservador da rainha nunca foram confirmados.
Já Sarah Bradford, autora da biografia America’s Queen, chegou a apontar uma hesitação inicial por parte da família real em convidar Lee Radziwill para o jantar por esta ser divorciada. A monarca acabaria por incluir a irmã de Jackie no serão, mas deixaria de fora as princesas Margarida e Marina, figuras que haviam merecido a simpatia da senhora Kennedy. John F. Kennedy (1961-1963) classificaria mais tarde essa noite como encantadora numa carta enviada a sua majestade.
Após 17 anos sem pisar solo norte-americano, a soberana voltou a cruzar o oceano no verão de 1976 para se encontrar com Gerald e Betty Ford (1974-1977). Para a posteridade ficou a imagem de uma rainha vestida de amarelo a dançar com um presidente nitidamente bem-disposto na Casa Branca. “Se não tivesse sempre a confundir Sua Majestade e Sua Alteza, teria dado quatro estrelas à forma como a visita correu”, escreveu mais tarde a primeira-dama no seu livro de memórias.
Com a era Reagan, um novo nível de exposição. Os casais encontraram-se duas vezes ao longo dos dois mandatos presidenciais. Em junho de 1982, presidente e primeira-dama foram recebidos em Windsor. Nas suas memórias, Ronald Reagan (1981-1989) descreveria o momento como uma “visita de conto de fadas” e elogiaria ainda as habilidades equestres da soberana. A imagem de ambos os chefes de estado a cavalgarem pela propriedade correu mundo. Enquanto isso, Filipe deu boleia a Nancy Reagan na sua estimada carruagem. No ano seguinte, a rainha visitaria o Rancho Del Cielo, residência do casal presidencial na Califórnia. Dias depois, Ronald não controlaria a gargalhada durante um discurso de Isabel II. O motivo? Uma singela piada sobre o tempo na Costa Oeste.
Rubis, safiras e muitos diamantes: as tiaras de Isabel II
Mas onde pisa Isabel II, sempre que a ocasião envolve uma visita ou uma receção de Estado, figura também a sua exuberante coleção de joias, na qual são as tiaras o símbolo de poder mais reluzente. Uma história que começou há precisamente 70 anos, com a jovem Isabel a usar a tiara de diamantes Girls of Great Britain and Ireland no encontro com o presidente Truman. A peça é uma joia de família, um presente de casamento dado à rainha Maria pelas suas aias, em 1898. Mais tarde, a atual monarca haveria de recebê-la das mãos da avó, também em contexto nupcial.
Em 1957, a primeira passagem pela Casa Branca como rainha exigiu uma peça à altura. Acompanhada pelo duque de Edimburgo e pelo casal Eisenhower, escolheu a tiara Grand Duchess Vladimir — peça desenhada pelos joalheiros dos Romanov, em 1874, e mais tarde adquirida pela família real britânica, que a adaptou para poder ser usada com esmeraldas ou pérolas. Esta viia a ser a tiara mais usada por Isabel II em encontros com presidentes dos Estados Unidos — em 1976, quando voltou a Washington para se encontrar com Ford, em 1982, quando recebeu os Reagan em Windsor, em 1983, quando retribuiu a visita, e ainda em 2011, na receção aos Obama (2009-2017).
Em 1961, embora sem tiara, a monarca recebeu os Kennedy em Buckingham com um conjunto de colar e brincos conhecido como Victorian Suite of Sapphire and Diamond. Criadas em 1950, foram-lhe oferecidas pelo pai por ocasião do seu casamento, em 1947. Cerca de 15 anos depois, na célebre imagem em que Isabel II dança com o presidente Ford, outro tesouro real ganha destaque, a tiara Queen Alexandra’s Kokoshnik, oferecida à rainha Alexandra por ocasião das suas bodas de prata com o rei Eduardo VII, em 1888, e um belíssimo exemplar do estilo ditado pela família imperial russa. Composta por 488 diamantes, distribuídos por 61 barras de platinas, naquela noite, foi a joia no topo de uma rainha radiante. Voltaria a usá-la em 2003, no banquete de Estado oferecido a George W. Bush (2001-2009), no Palácio de Buckingham.
Em 1991, com 65 anos, Isabel II voltou a Casa Branca, então recebida por George Bush (1989-1993). Vestida de branco para jantar, acompanhou o conjunto de diamantes e safiras (o mesmo que usou para receber os Kennedy em Londres) com uma tiara, especialmente encomendada para condizer ainda em 1963. Em 2007, na sua última viagem aos Estados Unidos, brindou a segunda geração Bush com a tiara Girls of Great Britain and Ireland. Foi o fechar de um ciclo, com a rainha a usar a mesma peça que havia escolhido para a sua primeira visita oficial ao país.
O último capítulo foi escrito em 2019, quando em Buckingham a mesa voltou a ser posta para um banquete de Estado que contou com a presença de Donald Trump. Na cabeça de sua majestade estava a tiara Burmese Ruby, encomendada à Garrard (históricos joalheiros da realeza britânica) em 1973 e feita a partir de 96 rubis, presente de casamento dado em nome do povo da antiga Birmânia. Na altura, não tardaram as interpretações. A impopularidade de Trump fez ressaltar alguns dos significados atribuídos a esta pedra preciosa, nomeadamente enquanto “símbolo de proteção contra doenças e contra o diabo”.
As gafes e os deslizes presidenciais
São sete décadas de relações, iniciadas em 1951 aquando da primeira visita aos Estados Unidos. Algumas, menos cintilantes, são pautadas por deslizes e gafes. Aconteceu com Jimmy Carter (1977-1981), na sua rápida passagem por Buckingham, decorridos alguns meses do início do seu mandato. No calor dos salamaleques, acabou por beijar acidentalmente a rainha-mãe nos lábios.
Em 2007, George W. Bush cometeu outro erro, ao ter recordado a presença da rainha nas celebrações do bicentenário da nação em 1776. Correção: Isabel II assinalou a data em solo americano, mas em 1976. “Talvez devesse começar este brinde dizendo: ‘Quando aqui estive, em 1776…'”, brincou a rainha durante o jantar organizado na Casa Branca. Dois anos depois, seria Michelle Obama a vacilar. A primeira-dama colocou carinhosamente o braço sobre as costas de Isabel II enquanto conversavam, numa óbvia quebra de protocolo.
Oito décadas de pérolas, ícones e crises. Uma viagem pelo estilo das primeiras-damas dos EUA
Em vésperas de mais um encontro de Isabel II com um presidente dos Estados Unidos, e no ano em que se assinalam sete décadas desde a primeira visita da monarca àquele país, recorde estes e outros momentos na fotogaleria.