A Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) adquiriu, em 2020, um conjunto de 370 documentos do espólio de Fernando Pessoa que estavam com a família do poeta. A aquisição, noticiada pela Agência Lusa no final do passado mês de maio, custou ao organismo 80 mil euros, confirmou o Observador junto de fonte oficial.

Compostos entre 1894 e outubro de 1935, os 370 documentos (valor que é superior em número de unidades textuais) cobrem, assim, um período de 41 anos, ou seja, quase a totalidade da vida de Pessoa, que nasceu em junho de 1888 e morreu em novembro de 1935. De tipologia variada, incluem um pouco de tudo, desde manuscritos a cartas, passado por documentos biográficos e recortes de jornais.

Do total, 160 são textos escritos pelo próprio Fernando Pessoa: poesia, prosa, planos, projetos, apontamentos ou notas; traduções feitas pelo próprio de textos de Almada Negreiros, Carlos Lobo de Oliveira e William Shakespeare; e transcrições de um verso de Mallarmé e do poema “Serradura”, de Sá-Carneiro, com emendas feitas por Pessoa. Existem ainda 54 cartas enviadas pelo poeta a diferentes destinatários (cópias ou rascunhos), como o irmão João Nogueira Rosa, Adolfo Casais Monteiro, João Gaspar Simões ou José Régio.

Uma grande percentagem dos 370 documentos diz respeito a manuscritos de outros autores ou a correspondência recebida ou não por Pessoa e, por isso, escrita por outras mãos. Entre os manuscritos do primeiro grupo conta-se, por exemplo, A invenção do dia claro, de Almada Negreiros, que Pessoa publicou em 1921 pela editora Olisipo, que fundou nesse ano; poemas escritos pela sua mãe entre 1894 e 1895; um texto da autoria da sua irmã, Henriqueta Madalena Nogueira Dias, que começa “Na Rua Coelho da Rocha onde vivíamos”; uma nota contabilística do número 2 da revista Orpheu; ou as contas das últimas encomendas feitas na mercearia da rua onde vivia em Campo de Ourique (a Coelho da Rocha, onde hoje fica a Casa Fernando Pessoa).

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Das cartas escritas por outros que entraram agora para o espólio de Fernando Pessoa na BNP destaca-se o conjunto de 43 missivas enviadas por Joaquim Seabra Pessoa, pai do poeta, a Madalena Nogueira Pessoa, mãe do poeta, entre maio de 1889 e julho de 1893. Os documentos estão guardados num sobrescrito preso com uma fia de seda com uma nota da mãe de Pessoa, que diz: “Cartas para entregar ao Fernando, quando chegar a idade de tomar conta delas”. O pai de Pessoa morreu quando o poeta tinha cinco anos, em 1893.

Três documentos irão integrar a Coleção Família Nogueira Rosa Dias, constituída em 2019

Três cartas escritas por outros autores, num período que ultrapassa as datas da vida de Fernando Pessoa, serão incorporadas na Coleção Família Nogueira Rosa Dias da BNP, constituída a partir de um conjunto de correspondência sobre a publicação póstuma das obras de Pessoa. Adquirido pela BNP em 2017 por 1.600 euros, por proposta do alfarrabista Paulo Costa Domingos, da Frenesim, o conjunto inclui algumas dezenas de cartas enviadas pelos familiares do poeta a diferentes destinatários (14 ao todo), entre os quais a editora brasileira Nova Aguilar, interessada na publicação do trabalho de Pessoa.

A coleção é centrada nas figuras da irmã de Pessoa e do seu marido, Francisco José Caetano Dias, enquanto representantes dos herdeiros do poeta, que incluíam também os outros dois irmãos de Pessoa, Luís Miguel e João Maria, este último a residir no Reino Unido. Questionada sobre se havia planos para aumentar este espólio, fonte oficial da BNP disse ao Observador que “as aquisições dependem sempre da oferta do mercado ou de particulares. E cada uma é analisada em função da sua especificidade e tendo em consideração a origem dos documentos”. Em relação à proposta feita em 2017 por Paulo Costa Domingos, a BNP analisou-a e “considerou de interesse dado o autor em causa”.

As três novas missivas foram escritas por José Augusto Seabra, Armand Guilbert e Francisco José Caetano Dias, cunhado de Pessoa, três personalidades ligadas ao estudo do espólio e à divulgação da obra de Pessoa, nos anos 60, ou seja, após a morte do autor. Dizem respeito à publicação das obras do poeta e é por essa razão que a BNP decidiu incorporá-las na Coleção Família Nogueira Rosa Dias, uma vez que não se enquadram no espólio pessoano propriamente dito, apesar de a temática ser Pessoa.

A família de Fernando Pessoa tem, nos últimos anos, vindo lentamente a desfazer-se do espólio que mantinha em sua posse. Quando Pessoa morreu, a 30 de novembro de 1935, a totalidade do seu espólio, que inclui manuscritos das suas obras mas também outra documentação e livros, passou para a família mais próxima, ficando à guarda da sua irmã, Henriqueta Madalena Nogueira Dias, e com a morte desta, dos seus filhos. O último grande leilão promovido pela família aconteceu em meados junho de 2019, quando foi vendido um conjunto de obras da biblioteca particular do escritor. A Câmara Municipal de Lisboa ficou com todos os exemplares classificados, exercendo para isso o direito de preferência. Estas foram posteriormente integradas na coleção da Casa Fernando Pessoa, que tem os livros que foram do poeta.

Muito recentemente, por altura do aniversário de Fernando Pessoa, a 13 de junho, o espaço museológico integrou na sua exposição uma nova peça, doada à Casa pela sobrinha do escritor, Manuela Nogueira, filha de Henriqueta Madalena Nogueira Dias. Trata-se do Floral Birthday Book, um livro de aniversários que pertenceu à mãe de Fernando Pessoa onde é possível encontrar o primeiro registo conhecido da escrita do poeta — uma referência, nos dias 1 e 11 de julho, a Chevalier de Pas, que Pessoa considerava o seu primeiro heterónimo. O livro foi digitalizado e disponibilizado no site da Casa Fernando Pessoa.