Contra a Hungria, Portugal passou cerca de 85 minutos à procura de um golo, chegou a sofrer um e foi salvo pela regra do fora de jogo e acabou por conseguir entrar a ganhar no Euro 2020 graças a uma reta final diabólica em que marcou três vezes dos 84′ até ao fim da partida. De forma natural e depois desses emocionantes derradeiros minutos, criou-se algum entusiasmo: afinal, a Seleção não entrava a ganhar numa grande competição desde 2008; afinal, a Seleção tornou-se apenas o sexto campeão em título a entrar a ganhar numa grande competição; e afinal, o sonho de conquistar novamente o Europeu está vivo e recomenda-se.

Por tudo isso, Fernando Santos foi o primeiro a pedir calma, logo na conferência de imprensa depois do jogo em Budapeste. “Queríamos começar com uma vitória mas não passam de três pontos. Temos dois jogos muito importantes a seguir. Isto é o Campeonato da Europa e temos de ser regulares”, disse o selecionador nacional. Depois, já na antevisão da partida contra a Alemanha, foi a vez de Rúben Dias deixar a mesma mensagem. “Temos consciência de que, apesar de termos começado bem o Europeu, é preciso colocar os pés no chão e entender que teremos de estar ainda melhor para vencer este jogo”, atirou o central do Manchester City. Instantes depois, nessa mesma antevisão, Fernando Santos reforçou a ideia. “Esta equipa da Alemanha é uma equipa fantástica, tipo rolo compressor. Não tenho medo da Alemanha mas as equipas vão respeitar-se. Achar que somos favoritos contra a Alemanha na Alemanha é passar do limite”, defendeu o treinador.

Ou seja, em resumo, a premissa era apenas uma: Portugal queria ganhar, sabia que podia ganhar mas também tinha noção de que iria defrontar a Alemanha, uma seleção que não vencia em jogos oficiais há 21 anos. Depois de bater a Hungria em Budapeste, a Seleção Nacional voltava a jogar em casa do adversário, desta feita contra os alemães em Munique, e tinha de ultrapassar novamente o facto de atuar num estádio em que a esmagadora maioria dos adeptos nas bancadas estava a torcer contra Portugal. Na primeira jornada, quando a equipa de Fernando Santos derrotou os húngaros, a Alemanha perdeu também no Allianz Arena com França — e, por isso, estava praticamente obrigada a não perder também com Portugal para ainda continuar a disputar uma vaga nos oitavos de final.

Com isto em mente, o selecionador nacional não mexia no onze que defrontou a Hungria: Semedo era naturalmente titular na direita da defesa, assim como Raphael Guerreiro no lado contrário; Danilo e William voltavam a funcionar em duplo pivô, com Bruno Fernandes à frente; e Diogo Jota, Bernardo Silva e Cristiano Ronaldo eram os responsáveis pelo setor ofensivo. De fora dos 23 ficavam Nuno Mendes e João Félix, que sofreram mialgias durante a semana e não estavam aptos para jogar, para além de Sérgio Oliveira, com João Palhinha a integrar a convocatória depois de ter sido um dos sacrificados no primeiro jogo. Do outro lado, Joachim Löw seguia exatamente a mesma linha e também apresentava a mesma equipa que defrontou França, com Rüdiger, Hummels e Ginter no trio defensivo, Kimmich, Kroos, Gündogan e Gosens no meio-campo e Havertz, Gnabry e Müller no ataque.

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O jogo começou exatamente como Fernando Santos tinha dito, na antevisão, que não poderia começar: a Alemanha com mais bola e Portugal a ver jogar. Os alemães encostaram a Seleção Nacional às cordas nos primeiros minutos e obrigaram o adversário a jogar com um bloco baixo, para impedir a exploração da profundidade, o que fez com que a partida fosse disputada quase única e exclusivamente no meio-campo português. O primeiro susto mais sério apareceu logo aos cinco minutos, quando Gosens conseguiu acertar na baliza com um remate na esquerda — o lance, porém, foi anulado por fora de jogo de Gnabry, que procurou desviar antes do remate, sendo que já era precedido de mão na bola de Müller. A Alemanha não tirou o pé do acelerador e acumulou oportunidades, com Havertz a forçar Rui Patrício a uma boa defesa (10′) para depois ver Rúben Dias intercetar um remate com selo de golo (12′) e Müller a atirar em vólei depois de um passe de Kimmich, novamente para defesa do guarda-redes do Wolverhampton (13′).

De um segundo para o outro, contudo, tudo mudou — e muito graças a Fernando Santos. Na altura em que a Alemanha preparava o ataque à baliza de Rui Patrício com um pontapé de canto, e conscientes de que o adversário estava a dominar por completo, a equipa portuguesa fechou-se inconscientemente na grande área, sem deixar qualquer jogador preparado para o contra-ataque. O selecionador, junto à linha lateral, gritou por Diogo Jota e pediu-lhe que se adiantasse no terreno: algo que acabou por revelar-se fulcral. Cristiano Ronaldo intercetou o canto, Bernardo conduziu em velocidade pela direita, temporizou na perfeição até virar a bola para Jota, na esquerda, e o avançado acabou por assistir Ronaldo (15′). Desde o corte até ao golo, que foi já o terceiro neste Euro 2020 e que o deixa a apenas dois do recorde de Ali Daei, Ronaldo demorou qualquer coisa como 14 segundos.

Assim, graças a um contra-ataque absolutamente perfeito e que entra diretamente para os manuais do bom futebol, Portugal colocava-se a ganhar um jogo em que ainda não tinha rematado, ainda não tinha atacado, ainda não tinha tido qualquer ação na grande área adversária e tinha algo como 25% de posse de bola. Gosens teve uma oportunidade logo depois, com um remate para nova defesa de Rui Patrício (18′), mas a verdade é que o jogo abriu após ser inaugurado o marcador e tanto Rúben Dias (22′) como Diogo Jota (28′) tiveram lances em que poderiam ter aumentado a vantagem, ambos de cabeça.

A passagem da meia-hora, porém, trouxe muitos problemas à Seleção Nacional. A Alemanha voltou a conseguir ter a posse de bola do seu lado e voltou a empurrar Portugal para trás, não permitindo construções apoiadas ou muito desenvolvidas. Logo depois de Rüdiger anular um contra-ataque de Bernardo, num corte celebrado pelos alemães como se de um golo se tratasse, o empate acabou por surgir: a bola voltou a ser colocada na profundidade e na esquerda, em Gosens, e o jogador da Atalanta rematou forte e tenso; Havertz apareceu na grande área marcado por Rúben Dias e a procurar o desvio e acabou por ser o central português, com um toque subtil, a enganar Rui Patrício (35′). Sofrido o empate, Portugal perdeu o equilíbrio e teve novamente muita dificuldade para sair a jogar, repetindo passes errados e não conseguindo fugir a alguma ansiedade gerada pelo golo. A Alemanha aproveitou e deu a volta ao resultado, novamente com um autogolo, desta feita de Raphael Guerreiro (39′), que desviou um cruzamento tenso de Kimmich na direita depois de uma insistência de Müller.

Portugal foi para o intervalo a perder — e poderia até te sofrido o terceiro golo, não fossem duas defesas de Rui Patrício a remates de Gosens e Gnabry –, desperdiçou uma vantagem que havia conquistado totalmente contra a corrente do jogo e teria de ter mais bola e mais capacidade para a guardar na segunda parte. Uma análise mais atenta, contudo, permitia perceber que o principal problema da Seleção Nacional estavam a ser as investidas de Kimmich e Gosens na profundidade — com especial relevância do jogador da Atalanta, na esquerda, que ganhava praticamente todas as bolas que lhe eram colocadas nas costas de Nélson Semedo.

Ao intervalo, Fernando Santos mexeu de imediato e lançou Renato Sanches, que esteve a aquecer durante a primeira parte, para o lugar de Bernardo, que já havia sido o primeiro a sair contra a Hungria. Joachim Löw não fez alterações: nem na equipa, nem no sistema tático nem na jogada que parecia dar golo ou oportunidade sempre que era desenhada. Logo aos cinco minutos do segundo tempo, Gosens voltou a aparecer nas costas de Semedo depois de um passe de Müller e cruzou para o coração da área, onde Havertz fugiu à marcação para encostar e aumentar a vantagem alemã (51′).

Cristiano Ronaldo teve neste período a única oportunidade portuguesa para marcar, com um livre direto que passou por cima da baliza de Neuer (54′), e Fernando Santos voltou a mexer ao trocar William por Rafa. Ciente de que o problema estava a aparecer na direita da defesa portuguesa, o selecionador nacional procurou ajudar Nélson Semedo e Renato, até Rafa entrar, e o jogador do Benfica, logo depois de entrar, começaram a recuar mais no terreno para fazer a dobra ao lateral e tentar travar Gosens. O jogador da Atalanta, porém, estava completamente intratável. Numa nova versão do lance que a Alemanha ia repetindo, Kimmich cruzou na direita, Rafa não foi até ao fim, Semedo juntou-se demasiado aos centrais e Gosens voltou a aparecer nas costas, desta feita a cabecear, para levar os números do jogo para a goleada (60′).

Löw mexeu nesta altura, retirando Gosens e Hummels para lançar Halstenberg e Emre Can, e Fernando Santos respondeu substituindo Bruno Fernandes por João Moutinho, claramente com a intenção de ter mais bola e não estar suscetível a tantas perdas de posse na zona do meio-campo. Logo depois, Portugal conseguiu reduzir: Moutinho, precisamente, bateu um livre na esquerda, Ronaldo surgiu ao segundo poste a cruzar in extremis e Diogo Jota apareceu à bola da baliza a encostar (67′). Com cerca de 25 minutos para jogar, a Seleção Nacional estava a perder por dois e a Alemanha começava a recuar e a juntar fileiras, encurtando a distância entre os setores para defender a vantagem e só sair em situação de transição rápida.

Até ao fim, Renato Sanches ainda acertou no poste com um remate de fora de área (78′), Goretzka atirou por cima na sequência de um contra-ataque (83′) e André Silva e Leroy Sané ainda entraram — mas já pouco mais aconteceu, com Portugal a ter bola e a Alemanha a controlar por completo tudo o que a Seleção ainda procurava. Portugal perdeu em Munique, contra a Alemanha, e vai ter de esperar pela última jornada da fase de grupos, contra França e novamente em Budapeste, para tentar carimbar a passagem aos oitavos de final do Euro 2020. A equipa de Fernando Santos até marcou primeiro mas permitiu a reviravolta e acabou goleada: no final, por muito que a vida ande, há coisas que não mudam. E entre nós e eles, parece que continuam a ganhar eles.