Os líderes da UE juntaram-se à mesma mesa esta quinta-feira, no Conselho Europeu em Bruxelas, e o debate foi tenso, noticia esta sexta-feira o meio de comunicação Politico, órgão especializado em política internacional. Tudo por causa da polémica lei aprovada e entretanto já promulgada na Hungria, apresentada como medida de “combate à pedofilia” e que proíbe que se fale a menores de 18 anos sobre homossexualidade nas escolas e em meios de comunicação.
Segundo o relato do Politico, a maioria dos líderes da UE não poupou cartuchos nas críticas a Viktor Orbán, líder autocrático da Hungria, durante a reunião de quinta-feira. O primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, terá chegado mesmo a questionar a pertinência da permanência da Hungria no bloco democrático e liberal da União Europeia. Já Xavier Bettel, primeiro-ministro do Luxemburgo, quis confrontar Orbán com o seu próprio caso e experiências como homem e político assumidamente homossexual:
Não me tornei gay, sou gay. Não é uma escolha. A minha mãe odeia que eu seja gay, vivo com isso. E agora pões ‘isto’ numa lei. Respeito-te mas isto é uma linha vermelha, trata-se de direitos básicos, do direito a ser diferente. Conhecemo-nos há oito anos mas isto indigna-me. Sabes quantos jovens LGBTI cometem suicídio? Isto é muito mau, isto é estigmatizar estas pessoas. Agora já vemos posters anti-gays em França. Isto é terrível num país da UE”, terá dito a Orbán o primeiro-ministro do Luxemburgo, de acordo com o Politico.
Os relatos de diplomatas não identificados apontam para que Orbán tenha tentado defender-se das críticas, queixando-se de estar a ser atacado “por todos os lados” e insistindo que a lei foi “incompreendida”, dado que, garantiu, só pretende proteger crianças e garantir os direitos dos pais a educarem as suas crianças e famílias como entendem mais apropriado. A isto, a chanceler alemã Angela Merkel lembrou que se os pais têm esse direito, as crianças também têm direitos. E Rutte ter-lhe-á lembrado que se não concorda com as liberdades e garantias individuais de direitos humanos consensuais na UE pode sempre acionar o artigo 50º, que permite a um Estado-membro retirar-se da União Europeia se o desejar.
Só uma minoria de chefes de Estado terão poupado Orbán na reunião de esta quarta-feira — o Politico refere que a Polónia está ao lado da Hungria e que a Eslovénia também manifestou alguma solidariedade com o líder húngaro, ao passo que alguns outros países, como a Eslováquia, assumiram uma posição de neutralidade.
O relato do Politico não dá detalhes sobre a posição que Portugal terá assumido no encontro mas o semanário Expresso escreve esta sexta-feira que apurou que tanto o Presidente francês, Emmanuel Macron, como o primeiro-ministro português, António Costa, também pressionaram Orbán e criticaram o regime húngaro pela aprovação desta lei.
Segundo o Expresso, Macron disse a Orbán que a Hungria “apaga o valor do indivíduo e mistura homossexualidade com crime” nesta nova lei e António Costa terá recordado que se a Hungria quis por sua iniciativa juntar-se à União Europeia, tem agora de respeitar regras e valores comuns. O primeiro-ministro português referiu ainda que a UE não é um “império como a URSS”, e apontando o exemplo da Suíça e da Noruega, que não escolheram ser da UE, fazendo apenas parecerias económicas.
A lei aprovada na Hungria deu origem a um coro de protestos. A polémica chegou ao Europeu 2020, após um pedido do município de Munique para que o estádio Allianz Arena estivesse iluminado com as cores do arco-íris durante o jogo que opôs a Seleção da Alemanha à congénere da Hungria. O pedido foi recusado pela UEFA, que entendeu que não se deveria misturar política internacional com futebol, ainda que tenha pintado o seu logótipo com as cores do arco-íris.
Também em Portugal a polémica teve repercussões, depois de ter sido assumido pela secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, que Portugal não subscreveu uma carta assinada por outros 13 Estados-membros da UE sobre os direitos LGBT na Hungria.
O Governo alegou “dever de neutralidade” por ter atualmente a presidência do Conselho da UE, algo que mereceu críticas de eurodeputados e líderes de outros partidos nacionais, que alegaram que em questões de direitos humanos o “formalismo” não justifica a neutralidade. A própria eurodeputada do PS, Margarida Marques, assumiu em declarações ao Observador que a presidência do Conselho da UE não implicava necessariamente uma “obrigação” de neutralidade neste caso.
O ministro português de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, acabou no entanto por criticar a lei húngara na Assembleia da República, dizendo: ““A legislação que o Parlamento húngaro aprovou é contrária aos valores europeus e, portanto, esperamos que seja revertida o mais rapidamente possível. É essa a posição do Governo, julgo que será do Parlamento e demais órgãos de soberania. A posição da Hungria é indigna”.
Já o primeiro-ministro António Costa quis vincar que Portugal não tem uma posição “neutral” sobre direitos LGBT mas defendeu o facto do Governo não ter alinhado na subscrição da carta, lembrando que tradição das presidências é “não tomar partido”. Posteriormente soube-se que o Governo português irá subscrever a carta que condena a lei húngara depois de deixar de ter a presidência do Conselho da UE (termina no fim deste mês).
Menos neutral e mais contundente foi a posição de Ursula von der Leyen. A Presidente da Comissão Europeia disse que a lei era “uma vergonha” e acrescentou: “Estou muito preocupada com a nova lei na Hungria. Estamos a analisar se quebra legislação relevante da União Europeia. Acredito numa Europa que abraça a diversidade, não numa Europa que a esconde das nossas crianças. Ninguém deveria ser discriminado com base na orientação sexual”.