Se não existissem Federer e Nadal, Djokovic poderia não ser tão bom e chegar onde chegou. Se não existissem Federer e Nadal, Djokovic teria muito provavelmente uma legião de seguidores bem maior (mais do que isso, não iria gerar antipatias). Se não existissem Federer e Nadal, os caminhos de Djokovic poderiam ser diametralmente opostos aos que seguiu. Podiam ser mais ou menos vencedores mas seriam opostos. Tudo porque, olhando para os três grandes momentos de evolução da máquina Djokovic na última década, o suíço e o espanhol, grandes amigos dentro e fora dos courts que por mais do que uma vez se mostraram contra posições do sérvio no mundo do ténis, funcionaram tanto como inspiração como desafio. E a última meta proposta está alcançada.

Primeiro passo, 2010. Depois de Federer chegar ao 16.º Grand Slam e de Nadal conseguir aquela que ficou como a melhor temporada a nível de Majors da carreira com as vitórias em Roland Garros, Wimbledon e US Open (ficou então com nove Grand Slams), Djokovic, que tinha ganho apenas o Open da Austrália de 2008, fez uma primeira grande transformação com uma mudança radical de dieta preparada por Igor Cetojevic: cortou no glúten (pão, pizzas e pastas), manteve as proteínas e hidratos de carbono necessários, perdeu peso, ganhou mobilidade e deu aquele pequeno passo que lhe faltava para andar verdadeiramente entre os melhores. Em 2011 venceu Open da Austrália, Wimbledon e US Open, nos anos seguintes venceu sempre um Grand Slam. Em 2014 ia já com sete, metade dos Majors de Rafa Nadal e menos dez do que o aparentemente inalcançável Roger Federer.

E aqui entramos nesta final de Wimbledon contra o surpreendente italiano Matteo Berrettini, que acabou por ter uma primeira semana relativamente tranquila até às duas grandes exibições na fase decisiva contra Félix Auger-Aliassime e Hubert Hurkacz que valeram a primeira final de um Grand Slam. E que começou bem, com um break não concretizado no primeiro jogo de serviço de Djokovic, um 0-30 também não aproveitado no segundo e um break do sérvio a meio do primeiro set que parecia resolver as contas até ao ressurgimento do transalpino, que evitou um set point num longo oitavo jogo que durou mais de dez minutos, fez o break para o 5-4, ganhou o seu jogo de serviço e levou a decisão para o tie break, onde venceu por 7-4 aproveitando uma quebra de confiança do sérvio.

Estaria à vista uma surpresa? Se calhar não. E a resposta a essa dúvida surgiu logo nos primeiros quatro jogos do segundo set, quando quebrou duas vezes o serviço de Berrettini e fez o 4-0 logo a abrir com o italiano a ter algumas das melhores bolas que se viram ao longo destas duas semanas mas o sérvio a cometer muito menos erros não forçados e a ser cirúrgico na gestão de todos os jogos para fechar o segundo parcial com 6-4, depois de uma boa mas curta reação do transalpino a conseguir ainda um break que fez o 5-3 antes de o sérvio empatar em sets.

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Segundo passo, 2014. O ano ficou sobretudo marcado pela reconquista do torneio de Wimbledon e pelo regresso ao primeiro lugar do ranking ATP mas teve o condão de colocar o sérvio numa fase diferente da vida também a nível pessoal, casando com a namorada de sempre Jelena Ristic e tendo o primeiro filho, Stefan. A época, que ficou marcada também por lesão no pulso, acabou com o triunfo no ATP Finals mas este foi o período onde o sérvio deu o grande salto a nível mental que lhe permite hoje, por exemplo, virar um 2-0 na final de Roland Garros contra um super Tsitsipas. Foi também esse balão que lhe permitiu, entre 2015 e 2016, fazer as suas duas melhores épocas de sempre com cinco vitórias em sete finais de oito Grand Slams. No final desse ano de 2016, Novak Djokovic levava já 12 Majors na carreira, apenas a dois de Rafael Nadal e a cinco de Roger Federer.

Por ser o outsider da final, por ter talvez um ténis mais entusiasmante e de risco e pela própria empatia que foi conseguindo criar pela forma como celebrava os pontos, o court principal de Wimbledon já tinha escolhido a nível de apoio o seu favorito – e não era Djokovic. No entanto, o sérvio tem há muito o condão de puxar para si o publico com aquilo que sabe fazer melhor: jogar ténis. E foi isso que aconteceu durante o terceiro set, equilibrando algumas bolas fabulosas com outras onde optou por gerir os pontos e ficar em vantagem. Foi isso que fez a diferença e colocou o número um do ranking na frente da final com novo triunfo por 6-4, a uma vitória do terceiro Grand Slam da temporada e mais perto de imitar aquilo que Rod Laver conseguiu: ganhar os quatro Majors num ano.

Terceiro passo, 2018. Foi nesta fase que o sérvio atingiu o amadurecimento completo enquanto jogador, mais uma vez acompanhando os seus objetivos pelos momentos dos adversários mais diretos nesta corrida. A partir daqui, não descurando os torneios Masters 1.000 (onde bateu vários recordes) e a liderança do circuito ATP (ao ponto de bater o registo máximo de semanas no topo de Roger Federer), começou a ser ainda mais cirúrgico na escolha do calendário, colocando o enfoque máximo nos Grand Slams para apostar nesses momentos da época e ter outra gestão no plano físico por já não conseguir ter o calendário sobrelotado de outros tempos. Assim, e após um ano de 2017 para esquecer marcado também pelo problema no ombro, ganhou dois Majors em 2018, outros dois em 2019, mais um em 2020 que não teve Wimbledon e começou 2021 a vencer na Austrália e em Roland Garros. Contas feitas, um triunfo na relva londrina permitiria chegar aos 20 Grand Slams de Federer e Nadal.

E agora, a parte final do jogo deste domingo: Berrettini teve muito mérito na forma como conseguiu aguentar de forma muito serena os primeiros jogos de serviço, nunca permitiu que Djokovic pudesse fazer um break que quase arrumasse as contas mas acabou por acusar em demasia o desgaste físico da primeira final de um Grand Slam e da intensidade que colocou sempre no court ao sétimo jogo, quando cedeu mesmo um break e logo com uma dupla falta. Era mesmo o canto do cisne. E o sérvio fazia história com novo break a fechar o resultado em 6-3, fechando de forma gloriosa a trilogia que mudou por completo o mundo do ténis com uma trilogia que mudou também o mundo de Djokovic na última década. O US Open de 2021 terá mais motivos de interesse ainda além do que é normal.