Foi um pedido que fez há vários meses e que considera indispensável para se poder defender em tribunal. Mas ainda não foi desta: Rui Pinto vai continuar, para já, sem poder aceder aos emails que alegadamente roubou e que se encontram no chamado apenso F — uma parte do processo do caso Football Leaks onde a PJ guardou as caixas de correio eletrónico integrais encontradas nos discos apreendidos e que pertencem a responsáveis de clubes de futebol, a alguns dos mais importantes escritórios de advogados portugueses, a magistrados do Ministério Público ou a pessoas do universo Isabel dos Santos.
O tribunal tinha arranjado uma solução para evitar que o julgamento se arrastasse até ao próximo ano: Rui Pinto podia consultar os emails nas instalações da PJ em vez de lhe ser dada uma cópia, tal como era o seu desejo — desejo esse que havia recebido um não do Ministério Público e dos assistentes. Mas o advogado Rui Costa Pereira, uma das alegadas vítimas que terá tido os seus emails hackeados, também não concorda com esta proposta do tribunal, de acordo com um despacho a que o Observador teve acesso. Por isso, sem acordo, a decisão passa agora para as mãos dos juízes desembargadores do Tribunal da Relação, em sede de recurso. E, enquanto não houver uma decisão, o julgamento não avança. Até porque Rui Pinto só adianta se vai falar em tribunal depois de aceder aos emails.
Os juízes tinham pensado nesta solução — de Rui Pinto aceder aos emails em causa com a supervisão da PJ, em vez de lhe ser dada uma cópia — precisamente para evitar um cenário em que o julgamento se arrastasse até ao próximo ano. Agora esta proposta “encontra-se prejudicada” e, por isso, devem “os autos prosseguir os seus ulteriores termos, nomeadamente com a subida dos recursos oportunamente interpostos“, lê-se no despacho.
Rui Pinto quer acesso ao apenso F para analisar os ficheiros informáticos “exclusivamente, do ponto de vista técnico”
Mas porque razão Rui Pinto quer voltar a ver estes emails? A defesa do alegado hacker queria uma cópia deste apenso F para analisar os ficheiros informáticos “exclusivamente do ponto de vista técnico”, recorrendo “a ferramentas forenses que lhe permitam ter um conhecimento diferenciado da prova”, segundo pediram no requerimento apresentado. O tribunal até concordou com este pedido, mas o Ministério Público, os assistentes no processo e o advogado Aníbal Pinto, que é também arguido no caso, não. Defenderam que permitir o acesso às caixas de email seria uma dupla penalização das vítimas.
Por isso, estas partes, contra a decisão do tribunal, manifestaram vontade de recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa — o que levou os juízes a pensarem numa solução que evitasse esse cenário. Agora, este tribunal superior irá mesmo decidir sobre o recurso. Assim, o julgamento, que estava mesmo na reta final, só deverá estar terminado no próximo ano. Para já, ainda faltam ouvir algumas testemunhas — o que só acontecerá em setembro, depois das férias judiciais. Mas depois, a continuação do julgamento fica pendente da decisão dos juízes desembargadores.
Não há apenso F, mas há apenso G. Tribunal questiona PJ sobre possibilidade de Rui Pinto consultar ficheiros
Embora o acesso ao apenso F ainda esteja num impasse, Rui Pinto deverá poder aceder a outro apenso: o apenso G. É uma parte do processo do Football Leaks onde a PJ colocou ficheiros que considerou relevantes para a investigação e que estavam num dos discos de Rui Pinto, o RP3. Nele, há alguns emails alegadamente roubados, mas não com a mesma dimensão dos que estão no apenso F — que contém caixas de emails integrais. Parte dos emails no RP3 já foi até exibida na sala de audiências durante o julgamento. O alegado hacker quer também ter acesso ao RP3 já que, como explicou na sua contestação, este disco não era utilizado apenas por si.
Sobre este apenso, não há grande discórdia. Embora o Ministério Público e os assistentes continuem contra a ideia de dar uma cópia Rui Pinto também neste caso, concordam com a possibilidade de poder consultá-lo nas instalações da Polícia Judiciária. Assim, o tribunal questionou este órgão de polícia criminal sobre se tem disponibilidade para que Rui Pinto faça esta análise nas suas instalações “sem que o mesmo possa ficar na posse, ou por qualquer forma, reproduzir, alterar ou adulterar a informação aí armazenada”, de acordo com o despacho.
Portanto, Rui Pinto ficar à espera de uma decisão da Relação sobre o apenso F. Mas, para já, pode aceder ao apenso G. Ainda assim, é certo que o julgamento se irá arrastar.
Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim, 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda sabotagem informática à SAD do Sporting e tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão, porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.
O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juíza Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade.