A investigadora Patrícia Jerónimo considera que o acordo para a mobilidade na CPLP quer dar um “impulso” à livre circulação, já difícil de operacionalizar, mas se não houver vontade dos Estados “ficará tudo na mesma”.
O acordo “numa lógica de copo meio cheio, é um passo positivo, porque põe a mobilidade na agenda, reforça a sua importância, tem um caráter simbólico e dá algum impulso à negociação pelos Estados de acordos bilaterais, para depois dar maior força e operatividade a estes compromissos”, afirmou a investigadora de direito comparado, numa entrevista à Lusa sobre a proposta para facilitar a circulação de pessoas no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A proposta deverá ser aprovada na próxima Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da organização, a realizar na sexta-feira e no sábado, em Luanda, Angola. Porém, mesmo que seja aprovada, como se espera que aconteça, se não houver “vontade política dos Estados, pode-se ficar exatamente na mesma” porque os Estados “só se comprometem a negociar” dentro dos critérios definidos no acordo, sublinhou.
“É um acordo internacional, um tratado multilateral”, que é “a melhor forma de se conseguir avançar em qualquer coisa, mas sem se avançar realmente”, acrescentou. Referindo que hoje a mobilidade “facilitada para várias categorias de migrantes, nomeadamente estudantes, empresários, pessoas da cultura já existe na CPLP”, mas muitos não foram ratificados por todos dos países.
Além de investigadora da Universidade do Minho Patrícia Jerónimo está também envolvida em projetos de investigação internacionais, enquanto perita sobre o Direito português e o Direito de outros Países de Língua Oficial Portuguesa, como o Global Citizenship Observatory (GLOBALCIT), do Instituto Universitário Europeu.
A proposta de Cabo Verde “é a solução que também já foi proposta ao nível da União Europeia, da Europa a duas velocidades, para que os Estados que quisessem avançar para uma maior integração avançassem e os que não quisessem, não avançavam”.
Na opinião da investigadora, o que a presidência cabo-verdiana da CPLP, que termina a sua vigência no próximo dia 17, e que assumiu a mobilidade como a sua grande bandeira, procurou fazer foi encontrar um consenso entre os Estados para apresentar uma proposta que “apenas vincula os signatários ao compromisso de envidar depois esforços bilaterais para, nas várias áreas da promoção da mobilidade intracomunitária, estabelecerem acordos com os seus parceiros”, do espaço da comunidade.
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Por outro lado, mesmo admitindo que tudo corresse bem e que a proposta fosse ratificada por todos os Estados-membros, os acordos que estes depois venham a fazer entre si também não serão fáceis de operacionalizar, considerou. Em causa estão os diferentes regimes entre países que fazem parte da CPLP, integrados em vários espaços regionais diversos, mas também pelas disparidades ao nível das “infraestruturas dos Estados”, que não dão as garantias de uma segurança documental, fundamental para a confiança nas parcerias a desenvolver entre os países, adiantou a investigadora.
“Não conheço bem a realidade da Guiné Equatorial, mas conheço um bocadinho melhor a de outros estados, e é muito comum em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau – em Cabo Verde é diferente – haver muitas pessoas que são indocumentadas”. Além da segurança nos documentos, tem de haver também confiança “no controlo fronteiriço feito pela autoridade dos Estados parceiros”, sublinhou.
Porque “há muitos focos de ruído destas colaborações” e, os Estados, sobretudo aqueles cujos territórios sejam mais apetecíveis, como é ocaso do português, não como país do último destino, mas mais como porta de entrada no espaço Schengen, “é natural que sejam mais ciosos do controlo das suas fronteiras”. Questionada sobre o facto de terem ficado fora desta proposta de acordo as regras para a transferência de contribuições para a Segurança Social de cidadãos em mobilidade, a investigadora referiu que os sistemas nestes países são completamente diversos.
Em relação ao reconhecimento dos títulos académicos, outro dos aspetos que a presidência cabo-verdiana tentou incluir no acordo, mas acabou por ficar de fora por falta de consenso entre os Estados, Patrícia Jerónimo considerou que isso tem a ver com a confiança nas instituições que conferem os graus académicos.
“Mecanismos automáticos de reconhecimento de diplomas eu julgo que não existem de todo. É preciso sempre uma avaliação de cada caso individual de reconhecimento diplomas. E isso, evidentemente é um obstáculo considerável à mobilidade de trabalhadores”, defendeu.