Em agosto de 2015, quando tomou a decisão de fugir da Síria e procurar uma vida melhor, Yusra Mardini estava longe de imaginar que nos seis anos seguintes iria estar duas vezes nos Jogos Olímpicos. A atleta de 23 anos, a porta-estandarte da Equipa Olímpica de Refugiados que foi a segunda a apresentar-se na cerimónia de abertura logo depois da Grécia, carrega nas costas uma história digna de filme. Ao ponto de o filme já estar mesmo a ser preparado.

Mas temos de puxar a fita até ao início. Yusra nasceu e cresceu em Darayya, nos subúrbios de Damasco, e desde os quatro anos que começou a competir na natação, ao lado da irmã e por influência do pai, que era treinador da modalidade. A jovem síria depressa se tornou federada e em 2012, quando os bombardeamentos no país já eram diários e a nova normalidade, ainda esteve nos Mundiais de Piscina Curta, onde competiu nas provas de 200 metros estilos, 200 metros livres e 400 metros livres.

A guerra civil síria, porém, destruiu a vida normal e pacata que até aí era o dia a dia da família de Yusra Mardini. Um dia, a casa onde a atleta vivia com os pais e as irmãs foi bombardeada; no outro, o teto da piscina onde treinava desapareceu devido a uma bomba. Até que chegamos novamente a agosto de 2015. Sem esperanças de futuro nem capacidade para olhar de forma otimista para um eventual horizonte, ao fim de quatro anos de guerra, Yusra e a irmã mais velha decidiram fugir da Síria. Chegaram ao Líbano e daí foram para a Turquia, onde conseguiram entrar num bote em direção à ilha de Lesbos que tinha capacidade para seis pessoas e transportava 18 migrantes.

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A dada altura, durante a travessia entre a Turquia e a ilha grega, o sobrelotado bote cedeu e o motor deixou de funcionar em pleno Mar Egeu. A água começou a entrar, a embarcação começou a afundar e o pânico generalizou-se — em segundos, todos poderiam tornar-se os protagonistas de mais uma tragédia em alto mar. Yusra, a irmã e outras duas pessoas que sabiam nadar atiraram-se para a água e empurraram o bote durante três horas, garantindo que este não afundava até que o motor voltasse a funcionar. O grupo acabou por conseguir chegar a Lesbos são e salvo, totalmente graças à nadadora, à irmã e aos outros dois corajosos migrantes que chegaram à ilha grega em estado de hipotermia e exaustão.

Já em Lesbos, as duas irmãs viajaram pela Europa e conseguiram chegar à Alemanha, assentando arraiais em Berlim. Meses depois, os pais de Yusra e a irmã mais nova também conseguiram fugir da Síria e chegar à capital alemã. No centro da Europa, a nadadora voltou a treinar com o treinador Sven Spannenkrebs e desenhou desde logo o objetivo de garantir a qualificação para os Jogos Olímpicos — em junho de 2016, foi uma das 10 atletas selecionadas para integrar a inédita Equipa Olímpica de Refugiados nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. No Brasil, a síria competiu nos 100 metros livres e nos 100 metros mariposa, sendo que até ganhou o respetivo heat de apuramento na segunda especialidade.

Na antecâmara de Tóquio 2020, já depois de ter sido nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Comissão para os Refugiados das Nações Unidas, Yusra Mardini foi novamente escolhida para representar a Equipa Olímpica de Refugiados nos Jogos Olímpicos — e, desta feita, com a responsabilidade de ser porta-estandarte ao lado de Tachlowini Gabriyesos, atleta natural da Eritreia. A nadadora síria não conseguiu qualificar-se para a final dos 100 metros mariposa no Japão mas já tem certezas de que o legado que construiu vai ser perpetuado: a autobiografia “Mariposa: De refugiada a atleta olímpica — A minha história de resgate, esperança e triunfo”, publicada em 2018, vai ser a base para o programado filme sobre a história de vida da atleta, que vai ser realizado por Stephen Daldry (“The Crown”, “O Leitor”, “As Horas”).