“É assim que vou morrer.” O relato, entre lágrimas, perante uma comissão da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos é de Aquilino Gonell, um dos polícias agredido no passado dia 6 de janeiro, durante a invasão ao Capitólio.
Um a um, quatro agentes da polícia que sofreram os ataques dos apoiantes de Donald Trump que tentavam travar a certificação da vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais contaram, na terça-feira, as suas experiências perante uma comissão que está a investigar os acontecimentos de 6 de janeiro, que causaram a morte de sete pessoas.
Aquilino Gonell, que esteve ao serviço das forças norte-americanas no Iraque, descreveu a invasão do Capitólio como uma “batalha medieval” e referiu que, ainda hoje, sente os traumas daquele dia, em que sentiu um medo que não tinha sentido no Médio Oriente, em combate. “Para a maioria das pessoas, o 6 de janeiro durou apenas uma horas. Mas para aqueles que lá estavam, não acabou. Aquele dia continua a ser um trama constante para nós”, referiu Gonell, que interrompeu o seu testemunho várias vezes para limpar as lágrimas que lhe caíam dos olhos, citado pelo The Guardian.
Michael Fanone, por seu turno, recordou o momento em que quase morreu com a sua própria arma. “Fui agarrado, espancado, eletrocutado, chamado de traidor. Eu corri o risco de ser morto com a minha própria arma de fogo, pois ouvi gritos de ‘matem-no com a sua própria arma’”, recordou Fanone. “Ainda hoje oiço essas palavras na minha cabeça”, disse.
Questionado pela congressista republicana Liz Cheney sobre as palavras de Trump que, após a invasão do Capitólio, disse que existiam pessoas “amorosas” entre os seus apoiantes, Fanone respondeu com ironia: “Ainda hoje estou a recuperar desses abraços e beijos”, disse o polícia, garantindo ter ouvido várias pessoas a dizerem que estavam a atacar o Capitólio por terem sido “enviados” por Trump.
Fanone deixou ainda críticas aos republicanos que decidiram boicotar a comissão de investigação aos acontecimentos do dia 6 de janeiro e disse ter descido “ao inferno” enquanto tentava cumprir o seu trabalho naquele dia, protegendo quem estava no interior do Capitólio. “Sinto que desci ao Inferno para defender as pessoas que estão nesta sala. A indiferença demonstrada perante os meus colegas é vergonhosa”, acusou.
Já o polícia Harry Dunn, negro, recordou os insultos racistas de que foi alvo por parte dos apoiantes de Donald Trump e disse que, desde que é polícia, nunca ouviu insultos racistas tão violentos como os dos dia 6 de janeiro. “Fiquei muito emocionado e comecei a gritar: ‘Como é que algo assim pode acontecer? É isto a América?’”, questionou, referindo que só dias depois percebeu a dimensão dos ataques de que foi alvo. “É dececionante vivermos numa país onde te atacam por causa da cor da tua da pele. Apenas para te magoar. Essas palavras são armas”, desabafou.
O quarto polícia a testemunhar perante o Congresso nesta terça-feira, Daniel Hodges, disse que os atacantes pareciam ser nacionalistas brancos e comparou-os a “terroristas”, garantindo que alguns o ameaçaram de morte, referindo que iria “morrer de joelhos”. Durante a audição, a congressista democrata Stepanhie Murphy questionou Hodges sobre o que levou a enfrentar os atacantes. “Democracia”, respondeu.
Pelosi escolhe críticos de Trump para investigar ataque ao Capitólio dos EUA
A comissão da Câmara dos Representantes que investiga a invasão do Capitólio conta com nove congressistas, sendo que apenas dois deles — Adam Kinzinger e Liz Cheney — são do Partido Republicano, que boicotou a comissão, depois de Nancy Pelosi, líder da câmara baixa do Congresso, ter rejeitado a participação dos congressistas Jim Banks e Jim Jordan, por estes terem apoiado a teoria de fraude eleitoral propagada por Donald Trump.
Como estes dois congressistas foram rejeitados, Kevin McCarthy, líder da minoria republicana na Câmara dos Representantes, não quis apresentar mais nomes e o Partido Republicano, que tem desvalorizado a comissão, considerando-o parcial, acabou por ficar praticamente de fora, uma vez que os dois congressistas do partido que a integram são conhecidos pela sua dissidência e por serem opositores políticos de Trump.
O maioria dos membros do Partido Republicano tem desvalorizado a invasão do Capitólio, rejeitando qualquer relação entre o ataque e incentivos à insurreição por parte de Donald Trump. O objetivo da comissão, além de apurar o papel do ex-Presidente no ataque, é também perceber qual o nível de envolvimento de grupos de extrema-direita na organização da invasão. Também as falhas de segurança que permitiram que centenas de pessoas entrassem no Capitólio serão escrutinadas.