A expressão “não é a minha praia” ganha todo um outro significado depois de vermos “Presos no Tempo”, de M. Night Shyamalan, adaptado da banda desenhada Château de Sable, de Pierre-Oscar Lévy e Frederik Peeters. O filme situa-se num território a meio caminho de um episódio com duração alargada de “The Twilight Zone” e uma daquelas séries B fantásticas dos anos 60 e 70, em que o terror não decorre de uma qualquer instância sobrenatural explícita, mas sim da presença pesada, incómoda e indefinível da natureza, e passa-se num luxuoso hotel de uma ilha tropical (a rodagem decorreu na República Dominicana em pleno confinamento).

[Veja o “trailer” de “Presos no Tempo”:]

Um pequeno grupo de hóspedes — duas famílias, um casal e um famoso “rapper” — são direcionados pelo gerente da hotel para uma praia remota e exclusiva da ilha, incluída numa área protegida, para lá passarem um dia. A praia é deslumbrante, mas cedo se dão acontecimentos estranhos. O corpo de uma rapariga conhecida do “rapper” dá à praia, qualquer ferida sara de imediato, as crianças começam a crescer súbita e anormalmente, uma idosa e um cão morrem de repente, e os adultos reparam que estão a envelhecer em horas o que demoraria anos. Quando tentam deixar a praia, não conseguem, pelo caminho por onde vieram, por mar ou escalando o penhasco: há uma força que os repele e deixa desacordados. Por outro lado, as doenças de que certos deles sofrem aceleram-se e agravam-se rapidamente.

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Alguns tentam encontrar uma explicação para aquilo que estão a viver, outros entram em pânico, outros ainda procuram fugir, sem sucesso e com resultados trágicos, e um médico com problemas mentais perde a tramontana e torna-se homicida. E Shyamalan não resiste a pôr em cena algum terror físico entre o sugerido e o explícito. Há um bebé que tem uma gestação-relâmpago e morre logo depois de nascer, e uma cirurgia a frio, sem anestesia, para remoção de um tumor que atingiu o tamanho de um melão, da barriga da personagem da mãe de família interpretada por Vicky Krieps. Entretanto, no topo do penhasco, alguém está a filmar tudo o que acontece ao grupo (o realizador reservou para si um pequeno e irónico papel).

[Veja uma entrevista com M. Night Shyamalan:]

M. Night Shyamalan constrói com consistência dramática e mão firme cinematográfica a atmosfera de incredulidade, terror, pânico e impotência, em pleno dia, a céu aberto e num local paradisíaco, que se instala entre os protagonistas encurralados na praia (há aqui também um clara alusão à experiência do confinamento causado pela pandemia). E tem apontamentos ora subtis, como o facto do súbito crescimento físico do filho mais velho de um dos casais e da filha do outro não ter sido acompanhado pelo concomitante desenvolvimento emocional e psicológico, ora macabros, caso da morte “contorcionista” da mulher que sofre de carência de cálcio, que não estaria deslocada num livro de Stephen King ou num filme de David Cronenberg.

[Veja uma cena do filme:]

À medida que o número de corpos vai crescendo e “Presos no Tempo” se aproxima do fim, parece que o realizador vai deixar a história em aberto, sem explicação racional e insinuando como causa dos acontecimentos um qualquer e indizível poder natural ou transcendente que pulsa naquele canto de natureza. Mas quem diz M. Night Shyamalan diz “twist” narrativo, reviravolta-surpresa na história, que não falta a “Presos no Tempo”. E não só o “twist” é rebuscado, como também o final é demasiado “explicado”, reiterado e sublinhado a grosso, com direito até a um “flashback” catártico mas completamente redundante.

“Presos no Tempo” teria ficado mais bem servido sem “twist” obrigatório nem explicação com todos os efes e erres para deixar o espectador aliviado e satisfeito, mas sim com uma conclusão em ponto de interrogação, brutal e inquietante. Daquelas que atiram calafrios pela espinal medula acima, em vez de deixar os pontinhos todos cuidadosamente ligados.