Selemon Barega é, aos 21 anos, campeão olímpico dos 10 mil metros. O jovem atleta da Etiópia venceu esta sexta-feira em Tóquio a primeira medalha de ouro atribuída nestes jogos. Mas a sua história não acaba, nem começa aqui.

O caminho de Barega nasceu poucas horas a sul de Addis Abeba, capital da Etiópia. O atleta tem as suas origens no grupo étnico Gurage, que compreende cerca dois milhões de pessoas que são muito respeitadas na área do trabalho agrícola e da mediação do comércio entre a capital e o sul do país.

O agora campeão olímpico, assim que descobriu a corrida (o que demorou algum tempo) estava destinado a ser bem sucedido. “O meu grupo é conhecido pelo foco no comércio. A nação Gurage não sabe nada de desporto, mas se começam a trabalhar em algo, em qualquer área, elas são bem sucedidas. Focam-se no trabalho”, disse o atleta numa entrevista ao World Athletics.

Selemon cresceu numa zona rural com três irmãs e quatro irmãos, mas quase nada sabia sobre as lendas etíopes do desporto, pois os pais, agricultores, não tinham televisão. No entanto, um pequeno e rápido sucesso numa competição escolar local levou a uma vitória regional. Depois disto, integrou um pequeno projeto desportivo, antes de ingressar num clube. Estes clubes costumam dar um pequeno salário e providenciar condições básicas para viver. Barega chegou ao Southern Police Club (um clube desportivo), ao mesmo tempo que foi chamado pela primeira vez à seleção nacional. Estava lançado oficialmente o início de uma grande, ainda que curta, carreira.

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“Na minha área, ninguém corria. Os meus familiares não eram fãs porque o seu objetivo era incentivar-me para me educar. Quando cheguei ao clube não ficaram contentes. Apenas quando comecei a receber medalhas é que me começaram a encorajar”, explicou.

Em 2015, o jovem campeão mudou-se então para a capital Addis Abeba, sensivelmente na mesma altura em que foi à Polónia ser campeão mundial de sub20. “Foi quando cheguei a Addis Abeba que comecei a ouvir histórias sobre Kenesia [Bekele] e vi os vídeos. Admirei-o pela velocidade”, recorda.

Selemon Barega atribui o seu sucesso, que só foi crescendo e crescendo ao longo dos anos, à sua concentração, porque, por vezes, “os corredores que são bons nos treinos não têm boas performances nas competições”.

Não penso em mais nenhum trabalho, dou tudo pelo desporto e todos os meus pensamentos vão para o desporto. Alguns ficam assustados quando chegam as corridas, mas eu não. Se corro bem, agradeço a Deus, aceito e trabalho. Se não ganho, vejo as minhas fraquezas e não fico zangado. Porque trabalho no duro, ganho, mas não é suficiente. Acho que posso fazer mais”, diz Barega.

Mas mesmo só com olhos para a competição, o coração mantém-se em casa e os olhos estão postos na família. Assim que começou a ter sucesso e chegou a Addis Abeba, comprou carro, casa, e convidou dois dos seus irmãos, um primo e uma irmã para viverem com ele. Com um irmão mais novo que começou agora a treinar mais seriamente, o campeão olímpico, que suporta financeiramente a família, não os vê como dependentes, mas sim seus cuidadores, que lhe dão algum sustento e moral, ajudando-o na sua carreira e vida.

Atualmente treinado por Hussein Shibo, que ajudou atletas como Derartu Tulu, Haile Gebrselassie ou Kenesia Bekele, Barega tem ainda várias ideias para ajudar o seu povo, os Gurage, que vê como tendo muito potencial, mas falta de infraestruturas. “Há um clube, mas nem têm pista. Até agora não os ajudei muito financeiramente, apenas com apoio. Mas se conseguir fazer algo mais nessa área no futuro, como dar-lhes roupas e estruturas, ficarei feliz”, disse.

E qual a primeira grande conclusão desta história de superação? Ser cronometrado em 27.43,22 minutos nos 10 mil metros nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Agradável para quem nem sabia bem o que era correr “a sério”.