Enviado especial do Observador, em Tóquio
Ao todo, eram 104 medalhas internacionais. Agora, 105. E a contar. 105 com duas olímpicas, entre a prata em Londres no K2 1.000 e o bronze em Tóquio no K1 1.000. Aquilo que muitos atletas não conseguem sequer uma vez, que é chegar ao pódio de um Mundial ou de um Europeu, Fernando Pimenta já alcançou vezes sem conta. “Agora é descansar uma semanita, assentar outra vez os pés e começar a trabalhar outra vez. Posso dizer já aos portugueses que vou aos Mundiais, no final de setembro, para trazer mais medalhas”, frisou. Falou da próxima prova, falou dos próximos Jogos, falou de ganhar. É assim que o atleta de Ponte de Lima, considerado por muitos o “super atleta”, encara tudo o que entra no desporto. É assim que tem vencido mais vezes do que os outros.
“Este era um dos sonhos, ganhar uma medalha no K1, mas ainda há outro de ser campeão olímpico. Tenho de ter a consciência tranquila que dei o meu melhor neste ciclo, com muita regularidade, para demonstrar em 2017 que o Pimenta de 2016 era um candidato à medalha que só não consegui por coisas que não controlo. Só tenho de estar feliz. Em todos os Mundiais e em todos os Europeus nesta distância de 1.000 metros fui o atleta mais regular mas hoje os dois húngaros foram mais fortes do que eu e só tenho de felicitá-los, estando agradecido a todos os portugueses, a toda a estrutura que me apoiou neste ciclo olímpico muito duro”, começou por dizer numa primeira zona mista mais curta para cumprir os horários de entrega de medalhas no local.
“Eu e o meu treinador passámos por muitos altos e baixos, sofremos muito os dois, agradecer também à minha família que esteve sempre junta em busca deste sonho. Ainda custa acreditar, só mesmo quando tocar na medalha é que vou acreditar e agora é continuar…”, completou nesses dois minutos iniciais de conversa.
Os abraços, os cumprimentos e os elogios de todos os elementos da Missão e dos próprios adversários fizeram bem a Pimenta, que é tão competitivo que ficou com a sensação inicial de que podia ter feito mais, como se viu na primeira reação que teve ao sair da embarcação. Quando começou a passar pela zona dos jornalistas, toda essa adrenalina tinha descido e o português parecia outro quando foi para o palanque onde sonhava estar: beijou o pódio, sacou da chucha da filha Margarida, que nasceu em dezembro, para uma homenagem especial à família, ainda deixou a sua máscara voar no meio das brincadeiras com a chucha, cumprimentou de forma calorosa os dois húngaros que acabaram à sua frente. Mais pesado no pescoço entre 450 e 550 gramas (o peso de uma medalha de bronze), Pimenta estava nas nuvens com a segunda medalha olímpica da carreira.
Apesar de não ter sido a medalha de ouro, foi a suficiente para demorar mais do que Balint Kopasz e Adam Varga a voltar a passar pela zona mista. Primeiro, o vento não estava a colaborar em nada para colocar a bandeira nas costas para a fotografia da praxe; depois, os próprios voluntários foram-se aproximando do canoísta para pedir para tirar uma fotografia; a seguir foram vários os canais a tentar falar com o português que esteve um par de minutos com o treinador, Hélio Lucas, e recebeu aí uma chamada de Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação que tem há muito uma relação próxima com Pimenta e que tinha seguido presencialmente a sua primeira medalha em Londres, em 2012. Nas costas e depois na mão, uma bandeira portuguesa com os nomes dos canoístas nacionais presentes em Tóquio em japonês, oferecida à chegada; na testa, o óculos escuros.
“Não queria saber se ia competir, havia um monstro dentro da minha cabeça após o Rio”
Sempre que passava por alguma zona diferente, Pimenta era cumprimentado. De forma mais efusiva ou de uma maneira mais tímida mas era sempre. Os voluntários, que pareciam sentir que estava ali alguém disponível para tirar fotografias com eles, aqueles que foram seus adversários e que o conhecem há anos, os próprios técnicos de outras equipas. “Se a chamada era de Marcelo? Não, ainda não… Era de uma pessoa que tem o cargo que tem mas que em 2012, quando conquistei medalha com o Emanuel Silva, chorou a regata toda, e foi das poucas pessoas que em 2016 me ligou a dar força, Tiago Brandão Rodrigues. Além de ministro de Educação é um grande amigo e em 2016 fez a chamada, disse que acreditava que merecia mais e que em Tóquio ia conseguir. Gostava de estar cá hoje mas de certeza que vibrou a regata toda com ela”, contou sobre o membro do executivo.
“Primeira custa acreditar que fomos medalha e depois há aquele misto de que queria mais… Como costumo dizer, não vim aqui para brincar, não vim aqui para fazer amigos apesar de nos darmos todos bem cá fora e de haver só uma grande rivalidade lá dentro com respeito, e queria mais. Sonhei e trabalhei para o ouro, tenho consciência de que fiz tudo o que tinha a fazer para chegar aqui na minha melhor performance, cheguei até se calhar um pouco melhor do que no Rio de Janeiro. Por isso, só tenho de estar contente e como alguém me disse há pouco, a primeira semana vai custar a acreditar mas se calhar daqui a uma semana, quando voltar a olhar para a medalha e vir a medalha ao lado da minha filha, vou pensar de outra forma e muito mais feliz com os pés assentes na terra para acreditar já são duas medalhas que tenho em Jogos Olímpicos”, disse ainda, projetando o futuro próximo entre Europeus e Mundiais até aos Jogos e falando até da edição de…2032.
“Isto foi tocar na medalha, olhar para a medalha, sentir a medalha, ver até a reação dos portugueses que estão aqui foi importante, até dos que estão a trabalhar além da Missão, sentiram-se orgulhosos do que fiz neste ciclo, estão felizes. Não sei quais são os planos do mister, deve dar-me descanso até ao final da semana e depois volto a trabalhar porque ainda há objetivos para este ano. Sou um atleta com ambição, com muita vontade de competir e posso já prometer aos portugueses que se tudo correr bem vou estar na luta por um título mundial. Em vez de celebrar vou pôr os pés na terra para tentar celebrar e conquistar mais por Portugal. É esse o meu objetivo, seguir neste plano de treino, de sacrifício, de tudo o que envolve o desporto de alta competição. E acredito que daqui a três anos estarei na luta por uma medalha em Paris”, destacou Fernando Pimenta.
“Enquanto sentir que posso estar no alto rendimento a representar o melhor possível Portugal, podem contar comigo. Espero ter essa força, em Paris posso lutar por um excelente desempenho, para 2028 e 2032 vai ser mais longo mas parece-me que vai haver mudanças na canoagem, muito provavelmente vão introduzir o surf ski, uma prova de mar… Isto já sou eu a pensar um bocadinho mais à frente… Talvez possa fazer, temos uma costa bastante grande, se calhar em 2032 vou aproveitar um pouco a nossa costa e fazer uma especialidade que não é a minha mas com a experiência pode ser que me dê bem…”, acrescentou, antes de explicar o beijo no pódio.
“Beijei o pódio porque foi o pódio que me fugiu em 2016 e fui alvo de muitas críticas, incluindo diretores de comunicação social, atacaram-nos mas deram uma facada neles como se viu nestes cinco anos. Este beijar o pódio é para aqueles que não acreditavam, que esperavam que o Pimenta chegasse ao momento certo e falhasse o pódio. Só tenho de estar orgulhoso e agradecer a essas pessoas e sobretudo a todas aquelas que sempre me apoiaram. A seguir ao Rio foi um período terrível, não queria saber se ia ou não voltar a competir, desliguei um mês e meio de tudo, depois tinha um monstro dentro da cabeça que me fazia acordar durante a noite mas tive sempre as pessoas certas com aquela palavra que era preciso. Não há ninguém que queira mais ganhar do que eu, faço o sacrifício todo, estar longe da família, quase não ter vida social, na alimentação e as privações serem muitas e chegar ao final com uma medalha é importante em termos anímicos”, concluiu.