Em 2019, nos Mundiais de Doha, os Estados Unidos venceram a estafeta 4×100. Christian Coleman, Justin Gatlin, Mike Rodgers e Noah Lyles bateram a competição e tornaram-se campeões mundiais, numa vitória que acabou por ser atribuída a uma reunião de equipa convocada por Coleman depois de uma prestação pouco regular nas qualificações. Conquistado o ouro, Lyles gritou: “Quebrámos a maldição! Quebrámos a maldição!”. Dois anos depois, o destino encarregou-se de mostrar que a maldição continua.
Esta quinta-feira, a equipa dos Estados Unidos — Ronnie Baker, Fred Kerley, Trayvon Bromell e Cravon Gillespie — terminou apenas no sexto lugar da respetiva bateria de qualificação e não conseguiu apurar-se para a final, numa prestação marcada pelo enorme erro na passagem de testemunho entre Ronnie Baker e Fred Kerley. Na primeira tentativa, Baker agarrou na camisola de Kerley; na segunda, Baker falhou; na terceira, Kerley já estava ao lado de Baker, quase a usar as duas mãos para tentar entregar o testemunho. Os problemas de Tóquio 2020, porém, só confirmaram a maldição que dura há duas décadas.
#TeamUSA runs 38.10, finishes sixth their heat of the men's 4x100m relay. They will not advance to the finals.#Tokyo2020 #Athletics pic.twitter.com/G67VdZSbGL
— TrackTown USA (@TrackTownUSA) August 5, 2021
Desde os Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, que os Estados Unidos não conseguem chegar à medalha de ouro nos 4×100 masculinos. A última medalha que alcançaram foi de prata, em 2012, mas o feito de Londres foi retirado depois do castigo aplicado a Tyson Gay devido à utilização de doping — por isso, é preciso recuar até 2004, em Atenas, para encontrar outro segundo lugar dos norte-americanos e uma medalha que ainda perdura nos registos oficiais. Esta é ainda a primeira vez desde Pequim 2008 que os Estados Unidos falham uma final da estafeta masculina (nesse ano, Tyson Gay deitou tudo a perder na qualificação com uma passagem errada), sendo que em 2016 conseguiram o apuramento mas acabaram desqualificados por outra passagem incorreta.
Mas, se alguns acreditam que tudo não passa de uma maldição, outros não desculpam o acumular de erros e falhanços. Para Carl Lewis, vencedor de 10 medalhas olímpicas entre 1984 e 1992, o que os quatro norte-americanos fizeram esta quinta-feira em Tóquio foi “um espetáculo de palhaços”. “A equipa dos Estados Unidos fez absolutamente tudo errado na estafeta masculina. O sistema de passagem está errado, os atletas não correm os percursos certos e ficou claro que não existia liderança. Foi um embaraço total e é completamente inaceitável que a equipa dos Estados Unidos faça pior do que os miúdos universitários que vejo”, começou por escrever o antigo atleta no Twitter, elevando depois a dureza do discurso numa entrevista ao USA Today.
The USA team did everything wrong in the men's relay. The passing system is wrong, athletes running the wrong legs, and it was clear that there was no leadership. It was a total embarrassment, and completely unacceptable for a USA team to look worse than the AAU kids I saw .
— Carl Lewis (@Carl_Lewis) August 5, 2021
“Isto foi como se um treinador de futebol americano levasse uma equipa ao Super Bowl e perdesse 99-0 porque estavam completamente mal preparados. É inaceitável. Parte-me o coração ver isto porque estamos a falar das vidas das pessoas. Estamos a brincar com as vidas das pessoas. É por isso que estou tão chateado. É totalmente evitável. A América inteira está sentada a torcer pelos Estados Unidos e depois têm este espetáculo de palhaços. Não aguento mais. É simplesmente inaceitável. Não é assim tão difícil correr a estafeta”, acrescentou Carl Lewis.
A verdade é que o erro na estafeta — que, tendo em conta o historial recente, nem sequer foi assim tão surpreendente — é apenas a ponta do icebergue dos problemas dos Estados Unidos no atletismo de Tóquio 2020. O ouro de Ryan Crouser no lançamento do peso, que curiosamente aconteceu enquanto a equipa da estafeta deitava tudo a perder, foi a primeira vitória dos norte-americanos nestes Jogos Olímpicos nas categorias masculinas. Mais do que isso, têm-se acumulado as desilusões, com Grant Holloway a falhar o ouro nos 110 metros barreiras, Noah Lyles a ser apenas terceiro nos 200 metros, onde Erriyon Knighton nem sequer foi a pódio, e Will Claye a não conseguir também sair medalhado no triplo salto, onde Pedro Pablo Pichardo foi campeão olímpico.