Quem vai de férias, fá-lo para recarregar baterias. Mas no caso do responsável máximo pelo Grupo Volkswagen, Herbert Diess, ir de férias significou mesmo recarregar as baterias pelo caminho, pois o chairman optou por uma incursão pelo sul de Itália de Volkswagen ID.3 Pro. Só que a experiência não lhe correu bem e o patrão da Volkswagen fez aquilo que, normalmente, não vemos os líderes de grandes companhias fazerem: utilizou as redes sociais para criticar (num tom bastante azedo) a rede europeia de carregamento de veículos eléctricos em que o conglomerado que dirige investiu. O desagrado foi tanto que Diess chegou a ponto de perguntar: “O que é que vocês andam a fazer com o nosso dinheiro?”
Estrategicamente, Diess está focado na mobilidade eléctrica. Tanto que até surfou numa prancha a bateria para desejar boas férias a todos os funcionários do grupo alemão. Depois da brincadeira, o patrão da VW pegou num ID.3 Pro que, dependendo da capacidade do acumulador instalado, pode fazer 425 ou 586 km entre recargas, de acordo com o protocolo de homologação europeu WLTP. Sucede que foi a caminho das suas próprias férias que Diess se viu confrontado com um problema com que ainda se debatem muitos utilizadores de veículos eléctricos: onde recarregar as baterias.
Primeiro, o executivo teve dificuldades em encontrar um ponto de carga da Ionity ao longo do Passo de Brenner, que faz a ligação da Áustria a Itália. “Então, continuei a conduzir até Trento”, descreveu o gestor no LinkedIn. O destino seria onde o ID.3 poderia finalmente recarregar, pois a rede europeia em que a Volkswagen investiu 200 milhões de euros, possui lá uma estação de carga. Acontece que, quando chegou a Trento, o patrão da Volkswagen não gostou nada do que viu e tratou de descarregar o fel publicamente, apontando o dedo à Ionity:
Sem casa de banho, sem café, um posto de carga fora de serviço/avariado, uma situação triste. Foi tudo menos uma experiência de carregamento premium, Ionity”, postou.
Recorde-se que a Ionity foi lançada em 2016, como a resposta à rede de Superchargers da Tesla por parte dos “poderosos” alemães, os grupos BMW, Daimler e Volkswagen, a que se juntou também a norte-americana Ford e, mais tarde, os sul-coreanos da Hyundai-Kia. Originalmente, cada um financiou a rede com os tais 200 milhões cada. E isso explicará, em parte, o facto de Diess ter posto o dedo na ferida quando questionou o que é que a companhia andaria a fazer com esse dinheiro. Para se perceber a irritação do gestor com a “lamentável” situação, basta efectuar uma pesquisa no site da Ionity.
Fazendo uma busca por estações no Passo de Brenner, surge uma com quatro pontos de carregamento. Trata-se de um posto num outlet, pelo que não será difícil imaginar que rapidamente ficará cheio no Verão, com os italianos e os turistas a deslocarem-se para sul. O número de postos já seria “curto” com quatro carregadores (a Tesla normalmente disponibiliza 10), mas dá-se o caso de só três estarem operacionais. Seguir para Trento obrigou o homem-forte da Volkswagen AG a fazer mais hora e meia de viagem, percorrer cerca de 150 km, para depois não encontrar sequer um sítio onde pudesse fazer as suas necessidades fisiológicas mais básicas. E, de novo, um posto sem funcionar (a situação terá entretanto sido corrigida, pois o site da Ionity refere quatro postos em funcionamento).
Não é a primeira vez que figuras de peso na estrutura da Volkswagen AG criticam abertamente a Ionity. No início deste ano, o CEO da Audi, Markus Duesmann, admitiu ao Handelsblatt que a marca dos quatro anéis estava a considerar a hipótese de criar a sua própria rede de carregamento nas grandes cidades – o que é revelador da insatisfação com a infra-estrutura da Ionity, cuja cobertura não só tarda a evoluir (e esta crítica é apontada pela BMW) como, quando finalmente é instalada uma estação, o número de pontos de carga tabela por baixo, não excedendo (em média) os quatro postos. Isso é um problema, na medida em que esta rede de carga rápida se destina aos veículos eléctricos de qualquer marca, ou seja, não está reservada apenas aos clientes dos fabricantes que nela investiram, como acontece com os Superchargers da Tesla (por enquanto). Daí que a procura supere a oferta com relativa facilidade, sendo que poucos serão os clientes que vêem com bons olhos situações em que será preciso ficar horas à espera para conseguir recarregar.
Postos da Ionity chegam tarde a Portugal, são caros e não cumprem
Outra das críticas apontadas à Ionity prende-se com os valores cobrados. A chefe de Marketing e de Vendas da Volkswagen, Silke Bagschick, assumiu publicamente que os preços do quilowatt desta rede são demasiado elevados. E, quando o disse, mais não fez do que dar voz às queixas de muitos utilizadores que, na página de Facebook da empresa, zurzem-na com comentários do tipo “A rede de carregamento para veículos eléctricos que torna os motores a combustão atraentes de novo”. Vale o que vale, mas a imagem da Ionity, em 127 avaliações nesta rede social, não vai além das 1,5 estrelas, quando a classificação máxima são cinco.
Se os utilizadores não gostam do serviço prestado, tal como Diess não apreciou a experiência, os jornalistas também não têm tido grande “sorte” quando se propõem a experimentar os postos de carga da Ionity. A Autocar descreveu o rocambolesco processo como “desastroso” e o Observador também não ficou impressionado pela positiva.
Até agora, a Ionity recusou reagir às críticas de Herbert Diess. Mas o certo é que a empresa quer mais dinheiro, ou investidores, para continuar a crescer e dar resposta ao contínuo aumento de veículos com baterias recarregáveis em circulação. Bastará ter presente que só na Europa, no ano passado, em que as vendas foram afectadas pela pandemia, as novas matrículas de BEV duplicaram. Ora, ver clientes em fila à espera para recarregar – operação que tarda muito mais do que abastecer de gasóleo ou gasolina – é uma hipótese em que os fabricantes de automóveis nem sequer querem pensar, pois isso afastaria muitos potenciais compradores e ninguém neste negócio quer “perder” vendas. Para mais, quando já são os próprios construtores a reconhecer que os modelos a bateria têm potencial para libertar mais margens que os rivais a combustão.
De recordar que, em Julho, o Grupo Volkswagen comprometeu-se a implementar um total de 18.000 pontos de carga ultra-rápida na Europa, 17.000 na China e 10.000 nos EUA e Canadá.