No Afeganistão há ainda uma província que resiste à ofensiva dos insurgentes. O vale de Panshir, no norte do país, é o último local a oferecer luta aos talibãs, e não é a primeira vez que o faz. Mas querem deixar de lutar sozinhos e pedem ajuda aos Estados Unidos, através de um texto de opinião publicado no Washington Post.

A apenas 150 quilómetros de Cabul, é lá que estão alguns dos atores políticos que não abandonaram o país, incluindo o vice-presidente deposto Amrullah Saleh, autoproclamado “Presidente legítimo” do Afeganistão, que prometeu luta aos talibãs depois da saída de Ashraf Ghani do território, com destino aos Emirados Árabes Unidos, onde se exilou.

O Vale de Panshir não começou agora a escrever a história da resistência, e a geografia ajuda. A única forma de aceder a este vale é através de uma estreita passagem permitida pelo rio que tem o mesmo nome da província. A dificuldade em chegar ao território faz com que qualquer entrada seja facilmente defendida militarmente, tal como aconteceu em ofensivas anteriores, com as guerrilhas mujahideen a garantirem, também desta vez, estar “preparadas para combater os talibãs”. As armas com que prometem fazê-lo estão armazenadas há pelo menos duas décadas, porque sabiam “que isto ia acontecer”.

Na década de 80, os soviéticos não chegaram a Panshir. Na de 90, os talibãs também não. O culpado? Ahmad Shah Massoud, “o leão de Panshir”, líder da guerrilha que protegia aquela região de qualquer ocupação. Em 1992 era ministro da Defesa, e quando os talibã tomaram o poder, deu a cara pela Aliança do Norte, que mais tarde viria a acompanhar os Estados Unidos na luta contra os rebeldes.

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De resto, em Panshir viveu-se uma quase total independência em relação ao resto do território. A população considerava Massoud o líder daquela região, até ser morto em 2001, apenas dois dias antes do 11 de setembro, por membros da Al-Qaeda. Na altura, o filho, que lhe herdou o nome, tinha 12 anos. 20 anos depois, toma o lugar do pai e comanda a Frente Nacional de Resistência do Afeganistão. Ao lado dele tem o vice-presidente deposto do país, Amrullah Saleh, antigos membros das forças especiais e outros soldados afegãos que rejeitam render-se.

Pai e filho. Montagem da AFP

Agora é Ahmad Massoud – filho – a comandar as milícias anti-talibã em Panshir. E apesar do apoio com que já conta de alguns, pede mais. A Washington, a Nova Iorque, mas também a Londres, onde estudou, e a Paris, onde os Campos Elísios têm inscrita uma homenagem ao pai. Fá-lo num artigo de opinião publicado no Washington Post. Ahmad termina o texto com um apelo: a ajuda ocidental é a única esperança que resta aos afegãos, e a retirada dos Estados Unidos vai fazer ricochete – os talibãs continuam a ser uma ameaça às democracias ocidentais.

Leia na íntegra a mensagem do afegão.

Em 1998, quando eu tinha 9 anos, o meu pai, o comandante mujahideen Ahmad Shah Massoud, reuniu os soldados num local escondido no Vale de Panshir, no norte do Afeganistão. Sentaram-se e ouviram também o que lhes disse o amigo do meu pai, o filósofo francês Bernard-Henri Lévy. “Quando vocês lutarem pela vossa liberdade”, dizia Lévy, “vocês também estão a lutar pela nossa liberdade”.

O meu pai nunca se esqueceu disso enquanto lutava contra os talibãs. Até ao momento em que foi morto, a 9 de setembro de 2001, a mando deles e da Al-Qaeda, lutou pelo destino do Afeganistão, mas também pelo do Ocidente.

Hoje, essa luta comum é mais importante do que nunca, quando vivemos horas sombrias na minha terra natal.

Escrevo-vos do Vale do Panshir, hoje, pronto para seguir os passos do meu pai, com outros combatentes mujahideen que estão preparados para enfrentar mais uma vez os taibãs. Temos munições e armas que armazenámos desde a época de meu pai, porque sabíamos que este dia podia chegar.

Também contamos com as armas dos afegãos que, nas últimas 72 horas, responderam ao meu apelo para se juntarem à resistência em Panshir. Temos soldados do exército regular afegão que desaprovam a rendição dos seus comandantes e agora estão a dirigir-se para aqui com equipamento. Ex-membros das Forças Especiais Afegãs também se juntaram à nossa luta.

Mas isso não é suficiente. Se os talibãs lançarem um ataque, certamente vamos responder com forte resistência. A bandeira da Frente de Resistência Nacional vai estar ao alto em todos os locais em que eles tentarem entrar, tal como a bandeira da Frente Unida Nacional hasteada há 20 anos. No entanto, sabemos que os nossos recursos militares e logísticos não serão suficientes. Esgotar-se-ão rapidamente, a menos que os nossos amigos no Ocidente nos ajudem em breve.

Os Estados Unidos e os aliados deixaram o campo de batalha, mas a América ainda pode ser um “grande arsenal da democracia”, como afirmou Franklin D. Roosevelt, quando ajudou os sitiados britânicos antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial.

Por isso, imploro aos amigos do Afeganistão no Ocidente que intercedam por nós em Washington e em Nova Iorque, junto do Congresso e do governo Biden. Intercedam também por nós em Londres, onde eu terminei os meus estudos, e em Paris, onde a memória do meu pai foi homenageada quando deram o nome dele a um caminho nos jardins dos Campos Elísios.

Saibam que milhões de afegãos partilham dos vossos valores. Lutámos muito tempo para ter uma sociedade aberta, onde as raparigas pudessem tornar-se médicas, onde a imprensa pudesse trabalhar livremente, os jovens pudessem dançar e ouvir música ou assistir a jogos de futebol nos estádios. Os mesmos estádios que antes eram usados ​​pelo talibãs para execuções públicas – o que se pode repetir em breve.

Este não é um problema apenas do povo afegão. Sob o controlo dos talibãs, o Afeganistão vai começar um novo capítulo de terrorismo islâmico radical; ataques contra as democracias vão ser desenhados aqui mais uma vez.

Aconteça o que acontecer, os meus combatentes mujahideen e eu defenderemos Panshir como o último bastião da liberdade afegã. Temos a consciência limpa. Sabemos, por experiência própria, o que nos espera.

Mas precisamos de mais armas, mais munição e outros mantimentos.

Os Estados Unidos e os aliados democráticos não têm apenas a luta contra o terrorismo em comum com os afegãos. Agora temos em comum uma longa história feita de ideais e luta partilhados. Ainda há muito que podem fazer para ajudarem a causa da liberdade. São a única esperança que nos resta.”