Cabedal, bandanas e calças justas talvez sejam imagem de marca de bandas de rock, e se pensarmos nos The Rolling Stones e na sua fila da frente, onde atua Mick Jagger, talvez essa descrição até encaixe. Mas mais atrás, Charlie Watts acabou por fugir dessa imagem de bad boy e traçar o seu próprio caminho. Mais do que andar ao ritmo da bateria, Watts criou o seu próprio ritmo, uma imagem de elegância inabalável mesmo quando tem de partir pratos e tambores em palco como só os The Rolling Stones sabem e souberam fazer.

“Vamos ter saudades tuas, meu”. Morreu Charlie Watts, a estrela rock discreta que marcou o ritmo dos Rolling Stones

A imagem de menino certinho, sempre impecável, talvez tenha ficado enraizada desde novo, muito antes de a sua bateria dos The Rolling Stones ser o centro das atenções. Charlie começou por ser um homem do jazz, colecionava discos e na adolescência começou mesmo a tocar para tentar acompanhar o que ouvia nos discos que o iam inspirando. Só mais tarde se dedicou a sério à causa quando abraçou o lugar de baterista em bandas como os Jo Jones All Stars e os Blues Incorporated.

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Numa entrevista à GQ, em 2012, Watts falou sobre música e sobre roupa, admitindo que era um detalhe pelo qual se tornou obcecado e que o jazz tinha de facto, tido “grande influência”. “Realmente eu apaixonei-me pelas roupas do meu pai. Não que ele tivesse um guarda-roupa enorme ou algo assim, mas ele costumava levar-me ao seu alfaiate”, conta nessa entrevista cuja camisa e blazer que usava nesse momento teriam sido desenhados por si. “E depois apaixonei-me por Hollywood — cantores pop, na altura, como Billy Eckstein, que usava colarinhos distintos nas suas camisas. Um homem com um aspeto maravilhoso também. A coisa encantadora sobre os tipos de jazz nesse período — os anos cinquenta e sessenta — era que eram homens muito bonitos — Duke Ellington, Lester Young, Charlie Parker, Miles Davis – mas também tinham muito estilo.”

Era habitual ver Charlie com fatos desenhados por Tommy Nutter, um conhecido alfaiate britânico que reinventou o estilo do fato de Savile Row,  o quarteirão icónico da alfaiataria masculina em Londres, nos anos 1960, onde combinava técnicas tradicionais com design mais moderno. “Quando olhamos para o arquivo, vemos alguns grandes fatos Tommy Nutter que Charlie [Watts] tinha feito nos anos 70. São peças realmente belas. Ele sempre foi um homem que gostava de qualidade. Naquela época, o vestuário à medida não era invulgar, mas Tommy Nutter arriscava. A elegância de Charlie estava sempre presente”, disse à Mr. Porter William Gilchrist, um stylist que trabalhou com a banda.

“Sou muito rigoroso com a minha bagagem e tenho tudo no seu devido lugar. Eu nunca mudo uma regra. Quase não uso nada no quarto de hotel. Entro com o meu próprio guarda-roupa e acabou-se”, disse uma vez.

Watts dificilmente perdia a postura. Nem mesmo quando era acordado às cinco da manhã. Numa noite, em 1984, Jagger e Richards foram para uma noite de copos em Amesterdão e Charlie Watts acabou por ficar no hotel, relata o New York Times. Quando os outros dois membros da banda voltaram, precisamente às cinco da manhã, Mick Jagger telefonou a Watts para saber onde andava — 20 minutos depois, o baterista apareceu-lhes furioso, mas de barba feita e vestido num elegante fato e gravata vindos diretamente de Savile Row.

Envergonhado, não gostava de sessões fotográficas, nem de stylists. “Sempre me senti totalmente deslocado com os Rolling Stones. Não como pessoa — eles nunca me fizeram sentir assim. Refiro-me apenas à minha aparência”, confessou à GQ dizendo que por essa altura guardava no armário mais de 200 fatos. Em palco, preferia uma t-shirt e uma camisa. Foi-se a elegância, ficaram as imagens.