A ministra da Presidência, que tem sido também primeira-ministra em exercício na segunda quinzena de agosto devido às férias de António Costa, afirmou na sexta-feira ao final do dia que Portugal tem “mais de 300 vagas de capacidade de acolhimento” de refugiados do Afeganistão e que essa capacidade “pode ser aumentada”, pelo que “vamos aguardar acolher o maior número de pessoas possível”.

A chegada a Portugal de um grupo de 24 cidadãos do Afeganistão, fugidos aos talibãs que tomaram o poder em Cabul, foi um dos temas abordados na sexta-feira ao fim do dia por Mariana Vieira da Silva durante uma conferência em Alcoutim, integrada na escola de verão Summer CEmp que a representação da Comissão Europeia em Portugal organiza na vila algarvia.

“Disponibilizámo-nos a acolher diferentes grupos de refugiados: alguns cidadãos que tinham colaborado com instituições europeias e internacionais. Aqueles que agora chegam a Portugal tinham colaborado com as forças militares portuguesas ao longo dos últimos 20 anos”, explicou Mariana Vieira da Silva. “A nossa expectativa é de que ainda possamos receber cidadãos afegãos de outros grupos e continuar a garantir segurança dos que estão no Afeganistão e querem sair.”

Segundo a ministra estamos perante um processo “diferente dos outros processos de acolhimento de refugiados porque não houve possibilidade de fazer as entrevistas que normalmente se faz, para saber as características de cada família.”

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O acolhimento será feito para já em “dois centros temporários na região de Lisboa”, mas há “vários pontos do território nacional” disponíveis, indiciou a governante.

Questionada pelos jornalistas sobre o congresso do PS, que começa neste sábado em Portimão — a pouco mais de 100 quilómetros do local a que Mariana Vieira da Silva se deslocou na sexta-feira —, não se alongou em comentários. Afastou a interpretação de que se perfila para suceder a António Costa. Ocupar no congresso socialista a mesa dos possíveis sucessores do atual secretário-geral do partido não tem qualquer significado, sugeriu.

“Estou sentada na mesa do congresso, já estive há três anos. É um congresso normal sobre a recuperação do país. Esse é que é o tema do congresso. De resto, o presente e o futuro do Partido Socialista é António Costa”, sublinhou.

“Dificuldades políticas que chegam e vão chegar”

Na conferência do Summer CEmp, Mariana Vieira da Silva fez uma primeira intervenção seguida de um período de perguntas e respostas frente a uma plateia de estudantes do ensino superior, no castelo de Alcoutim. Referiu-se à “agenda populista e xenófoba” que “todos vemos surgir ou pelo menos afirmar-se mais publicamente em Portugal”. “Essa agenda sempre existiu persistentemente no nosso país”, notou, acrescentando que “importa que o país continue a mostrar a rejeição maioritária dessa agenda.”

Destacou ainda que a integração de estrangeiros e de pessoas pobres deve ser feita “resistindo às dificuldades políticas que chegam e vão chegar”.

O tema do discurso de ódio foi levantado por um dos participantes e a ministra considerou-o “muito difícil porque se impõe sempre um cruzamento entre esse tema e a liberdade de expressão”. Mais tarde, questionada pelo Observador sobre se o cruzamento entre os dois temas pode inviabilizar o projeto de “monitorização do discurso de ódio” na internet, que a própria ministra apresentou em julho do ano passado, Mariana Vieira da Silva sugeriu que não.

“O projeto apresentado no ano passado era essencialmente um projeto de investigação sobre este fenómeno, [para] sabermos como é que este fenómeno existe, que instrumentos existem noutros países  para o combater”, começou por explicar. Por outro lado, “esta é uma agenda que está presente no Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, que o Governo aprovou no início deste verão, e esse é o caminho que temos de fazer, como muitos países, fazendo o debate onde ele deve ser feito, na Assembleia da Republica, para que essas liberdades possam ser  equilibradas. Ninguém quer retirar a liberdade de expressão a ninguém. Insultar, perseguir, amedrontar, não é liberdade de expressão, é uma forma de pressão sobre o outro, que também precisa de ser protegido.”

Marcelo enviou mensagem em vídeo

Noutro momento da conferência, em tom distendido, a primeira-ministra em funções deu conta de que “a maior dificuldade”  da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre, tinham sido as reuniões online. “Não recomendo a ninguém que parte significativa do seu trabalho, com negociações muito difíceis, só se possa fazer através de ecrã.” No fim, aos jornalistas, confessou que o momento mais difícil destes 15 dias em que tem a chefia do Governo tem sido a questão afegã. “Tivemos de gerir muita  incerteza. Foi um trabalho, na fase da retirada dos cidadãos do Afeganistão, de muitas áreas governativas e [também] será na fase de acolhimento. A chegada é só o princípio de um trabalho de acolhimento.”

O Summer CEmp começou na sexta-feira e dura quatro dias, percorrendo vários locais de Alcoutim. A vila raiana acolhe mais de 30 estudantes que debatem o futuro da União Europeia com decisores e líderes políticos, sempre em tom informal. A presença do embaixador João Vale de Almeida, neste sábado, e do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, no domingo, são dois destaques da iniciativa.

Numa mensagem gravada em vídeo e transmitida na sexta à tarde, o Presidente da República deu as boas-vindas aos participantes da escola de verão. Marcelo Rebelo de Sousa disse que os desafios europeus dos próximos anos são “o fim da pandemia”, “da crise económica emergente” e da “crise social profunda e duradoura”. “Debatam sem limites, sem amarras. Questionem tudo, sem angústias, porque só assim vale a pena lutar por uma muito melhor democracia em Portugal e uma muito mais forte Europa no mundo”, apelou o presidente.