Desde há dois anos e meio que o número de pessoas inscritas na lista para cirurgia não era tão baixo, registando assim em julho de 2021 201.380 doentes inscritos, segundo dados divulgados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) noticiados pelo jornal Público este sábado. Números mais baixos também podem ser justificados em parte pela diminuição dos diagnósticos precoces por médicos de família sobrecarregados com as tarefas da pandemia.
Os números registados em julho deste ano mostram assim um decréscimo de 12,3% relativamente a julho de 2020 e menos 19,3% relativamente ao mesmo período de 2019, ano em que os doentes inscritos nunca baixou das 242 mil pessoas. A tendência decrescente de doentes inscritos nas listas para cirurgia regista-se desde o início da pandemia em 2020 — ano que começou com 252 mil inscritos e chegou aos 212 mil em Dezembro desse ano.
Segundo dados da mesma entidade, até julho deste ano foram operados 371.610 doentes, o que relativamente ao período homólogo do ano passado representa uma subida de 36,9%. “A atividade hospitalar do SNS continua em recuperação, observando-se atualmente níveis de produção semelhantes ou superiores aos observados pré-pandemia”, refere a ACSS citada pelo Público. Só do SNS, até julho, foram feitas 357 mil cirurgias programadas e 7,2 milhões de consultas, valores que se assemelham aos de 2019, um período pré-pandémico.
Também em julho, havia 147 mil doentes (73%) aguardavam operação dentro do tempo recomendado, enquanto que em janeiro a percentagem era apenas de 61,4% nas mesmas condições. Nesse mês, havia 35.099 utentes a aguardar cirurgia há mais de um ano, revela a ACSS.
Em julho de 2020, foi criado um programa de incentivos para realização de primeiras consultas e cirurgias em hospitais para fazer frente às listas de espera, tendo sido realizados até ao mesmo período deste ano 101.492 primeiras consultas e 49.186 operações, segundo dados da ACSS citados pelo Público. Quando o tempo recomendado de espera se aproxima do prazo surgem também outros mecanismos como a emissão de notas de transferência ou de vales cirurgia, para dar resposta às listas.
Poucos inscritos por falta de diagnósticos. Médicos de família precisam de ser libertados
Os médicos de família que seguiram quase 96% dos doentes Covid-19 precisam de ser libertados das tarefas relacionadas exclusivamente com a pandemia para que “possam desempenhar a sua função de acompanhar os utentes”, disse Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. Já em julho, o bastonário tinha referido que as tarefas Covid poderiam ter sido feitas por outros médicos para que pudessem os de família ser libertados para as suas “funções normais” — nesse mês havia mais de um milhão de portugueses sem médico de família.
Ao Público, Miguel Guimarães mostra preocupação com os utentes que não chegaram ainda a fazer rastreios oncológicos por não terem sido referenciados ainda. “Os outros utentes acabam por ser prejudicados e isso acaba por ter impacto no sistema. Se não tenho as referenciações habituais [dos centros de saúde para consultas da especialidade nos hospitais], vejo menos doentes. Se não entram doentes novos, terei menos doentes para operar”, diz. “É verdade que tem havido um esforço e há maior referenciação para os hospitais, mas já devíamos ter mais utentes inscritos em lista para cirurgia. Não temos, porque não estão a chegar.”
Também Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, diz que os doentes não estão a chegar aos hospitais e que isso é uma das causas de a lista de inscritos para cirurgia ser baixa, sendo essa “uma grande preocupação”. O representante afirma ser necessário identificar os doentes ainda não diagnosticados através dos programas de acesso precoce, feito com ajuda de um outro programa de incentivos de cuidados de saúde primários com horários extra durante a semana e ao sábado. São programas focados nos rastreios do cancro do colo do útero, do cancro do cólon e reto, na diabetes e na hipertensão arterial.