É o momento do tudo ou nada: uma vez que, cumprindo a sua tradição habitual, o Bloco de Esquerda vai acabar a campanha autárquica no Porto, o comício noturno desta quinta-feira serviu na prática como despedida destes quinze dias nas ruas. E a despedida justificava um apelo claro: com sondagens que cumprem a fasquia dos 7% — a percentagem que o Bloco alcançou em 2017 — mas não vão além disso, os bloquistas reuniram-se para puxar pela “maravilhosa Beatriz” (Mariana Mortágua dixit) e dramatizar: “A escolha de domingo é entre votar no Bloco de Esquerda ou numa maioria absoluta do PS em Lisboa”.
A plateia, que assistia no Capitólio ao que acabaria por se tornar uma verdadeira sessão de tiro ao PS, começou por se entusiasmar com um discurso assertivo de Mariana Mortágua, focado na Habitação. Passo 1: colar, nesta que é transversalmente reconhecida pelos candidatos como a grande crise de Lisboa, o PS à direita.
Recorrendo à ironia, Mortágua foi enumerando as “iluminações” de Fernando Medina, que perto da campanha “percebeu, imaginem só, que há um problema de Habitação em Lisboa!”. Partindo da suposta “inocência abençoada” dos socialistas na câmara, recuou até aos tempos do plano de austeridade — “assinado por PS e PSD”, fez questão de frisar –, da lei das rendas aos vistos Gold, e rematou: “O que quero dizer com este recuo de uma década é que a especulação não foi uma fatalidade. Foi um projeto político da direita, que os executivos do PS em Lisboa promoveram desde o primeiro momento”.
Colagem feita, lamentos feitos sobre o facto de o PS “nunca ter querido tocar na especulação”, hora de falar à esquerda e aos que “ainda pensam” votar Medina.
Os aplausos iam em crescendo. “Porquê? Porquê entregar a maioria absoluta a Medina? Quem sempre fez igual não vai fazer diferente… A não ser que a isso seja obrigado”. Pelo BE, claro. Estava dado o segundo passo: desenhar um domingo eleitoral em que só os bloquistas — anulando o PCP, o outro partido de esquerda que pode influenciar a governação — servem de alternativa ao PS — ignorando o PSD, o outro partido que aspira a governar a cidade, embora se encontre bem atrás nas sondagens.
Objetivo: “um acordo claro, com metas inequívocas”
Depois do mote dado por Mortágua, as outras intervenientes usaram o mesmo guião (e tudo enquanto o fundador Francisco Louçã assistia da plateia). À candidata, Beatriz Gomes Dias, coube arrumar a direita logo de início — “a direita está à deriva e sem propostas nestas eleições” — para se concentrar no adversário/possível parceiro, Fernando Medina. “No próximo domingo, a escolha é simples. É entre votar no BE ou numa maioria absoluta do PS em Lisboa”.
O dilema foi apresentado logo antes de o BE fazer a sua espécie de pré-negociação a partir do palco: o partido quer um “acordo claro, transparente, com metas inequívocas” e sem “cheques em branco”. E já revela prioridades: “O BE não vai aceitar que o PS entregue 1800 casas construídas em terrenos públicos, que valem milhões, à especulação imobiliária”, prometeu Beatriz.
“Acham mesmo boa ideia PRR gerido por maioria absoluta?”
Para compor o elenco só faltava Catarina, que subiu ao palanque para um momento de full circle: mais críticas ao PS, mais garantias de que as maiorias absolutas fazem mal à saúde das autarquias, e uma concretização em modo irónico — “Acham mesmo boa ideia que o PRR seja gerido por uma maioria absoluta do PS? Sabemos todos a resposta. O poder absoluto será inimigo das respostas concretas”.
Por entre as críticas ao PS contaram-se os fortes ataques às promessas de “charters de euros” do PRR e ao falhanço das promessas do PS sobre Habitação, “a urgência das nossas vidas” e prioridade absoluta do Bloco no próximo mandato. Por isso, Catarina fez questão de enumerar as promessas a concretizar nos próximos quatro anos, como 10 mil habitações com preços acessíveis, restrições ao alojamento local ou reabilitação do património camarário.
E se nesse mandato o BE não quer “recuar um milímetro” no caminho que já fez desde 2017 — governando a câmara ao lado desse mesmo PS –, ficou claro que a expectativa do partido é gerida com cuidado e não passa por crescer: “Nestas eleições, a questão é só uma: saber se o PS tem a maioria absoluta ou se o BE elege a Beatriz, uma vereadora que se vai bater pela Habitação, pelos Transportes, pelo Clima”. O que está em causa é mesmo a manutenção da vereação — e do poder de influência em Lisboa.