Só um dos três banqueiros esteve na sala de audiências esta terça-feira para ouvir a decisão final do tribunal do caso em que foram acusados de burlar o embaixador jubilado Júlio Mascarenhas. Por isso, só Salvador Fezas Vital, ex-administrador do Banco Privado Português (BPP), ouviu o ralhete do juiz, que lhe pediu inclusive para se pôr de pé nesse momento. Reconhecendo que a crise de 2008 foi “uma época difícil, especialmente para os banqueiros”, o juiz Francisco Henriques criticou um “sistema ganancioso” e afirmou: “Enquanto as coisas estavam a correr bem, aproveitaram. E, como sempre acontece nestas crises, os últimos a saltar são os que pagam as favas“.
E, por isso, os três banqueiros foram condenados a penas de prisão entre os dois e três anos de prisão. João Rendeiro, ex-presidente executivo do BPP foi condenado a três anos e seis meses de prisão efetiva pelo crime de burla qualificada — é a terceira condenação a prisão efetiva de Rendeiro. Os dois ex-administradores do BPP foram também condenados pelo mesmo crime de burla qualificada: Paulo Guichard foi condenado a três anos de prisão efetiva e Salvador Fezas Vital foi condenado a dois anos e seis meses de prisão. Os três terão de pagar 235 mil euros de indemnização ao diplomata — desses, 10 mil euros são de danos morais.
O Tribunal ficou convencido de que arguidos conheciam bem situação delicada em que se encontrava o banco à data da emissão das obrigações [na qual o embaixador investiu]”, disse o juiz Francisco Henriques.
Para o Tribunal, que deu a maioria dos factos da acusação como provados, os três arguidos “sabiam as coisas que se estavam a passar“. “O banco não era sólido de maneira nenhuma”, disse, relatando: “A crise não começou em 2008. A crise já vinha desde o inicio de 2007. Já desde 2007 se sabia que havia problemas graves. É uma realidade história indesmentível. O tribunal não crê que os senhores, que eram banqueiros, ignorassem esta realidade”.
O juiz disse ainda que, “pessoalmente”, até admite que “os senhores tenham sido os que ficaram piores de todos os que passaram por esta situação” porque “foram os primeiros e os que talvez ficaram em piores circunstâncias”. “Mas é uma realidade que não pode se apagada”, acrescentou.
Esta foi uma época difícil, especialmente para os banqueiros. Mas os banqueiros é que criaram esta situação toda. Não digo que foram os senhores, mas todo um sistema que foi ganancioso e que não se preocupou com os riscos”, afirmou ainda.
Neste caso, João Rendeiro e dois ex-administradores do BPP, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital são acusados dos crimes de burla qualificada. Na base deste processo, está uma queixa do embaixador jubilado Júlio Mascarenhas: em 2008, o diplomata investiu 250 mil euros em obrigações do BPP, poucos meses antes de a instituição bancária pedir um aval do Estado de 750 milhões de euros para repor a liquidez. Júlio Mascarenhas considera que foi enganado pela sua gestora de conta que alegadamente o convenceu de que estava a investir num produto com juros e capital garantido e não num produto de risco.
Aos jornalistas, o advogado do diplomata, Francisco Teixeira da Mota, considerou de que se fez justiça. “O meu cliente ficou satisfeito que fosse feita justiça porque ele considera de facto que foi burlado — disso não tem dúvida nenhuma. Portanto, o reconhecimento do tribunal da existência de uma burla é evidente que é uma vitória“. O advogado lembrou ainda que este processo está “no início da caminhada“. “Os outros processos estão em fases diferentes. Este va ter provavelmente recursos. Só quando todos estiverem acabados é que há aquilo que se chama cúmulo das penas. Mas não é já. Vai demorar muito tempo, o tempo da justiça”.
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Os outros três processos do caso BPP. Rendeiro estará no Reino Unido e ainda não foi preso
Além do processo que avança esta terça-feira para julgamento, há três processos do chamado caso BPP. O primeiro, no qual foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva por falsidade informática e falsificação de documento, transitou em julgado a 17 de setembro. No entanto, Rendeiro ainda não foi preso: encontra-se ausente no Reino Unido até 30 de setembro, tendo informado as autoridades judiciárias disso mesmo.
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No segundo caso, Rendeiro foi condenado a 10 anos de pena de prisão efetiva em maio deste ano por crimes de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais — este segundo processo foi extraído do primeiro megaprocesso de falsificação de documentos e falsidade informática, no qual João Rendeiro foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva. O tribunal condenou ainda Salvador Fezas Vital a nove anos e seis meses de prisão, Paulo Guichard a também nove anos e seis meses de prisão e Fernando Lima a seis anos de prisão.
Na leitura do acórdão, na qual Rendeiro não esteve presente, a juíza Tânia Loureiro Gomes deixou duras críticas ao ex-presidente do BPP, considerando que “não possui sentido de autocrítica nem de autocensura” face aos factos que praticou, nem mostrou “arrependimento”, e criticou a “postura de arrogância”. Os arguidos recorreram da decisão do Tribunal, mas o recurso ainda não foi decidido pelo que não há uma decisão definitiva neste caso.
Relação de Lisboa confirma absolvição de João Rendeiro no caso da Privado Financeiras
Num terceiro processo, o chamado caso da Privados Financeiras, Rendeiro foi absolvido em primeira instância, e no início de setembro o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão de o absolver. Neste caso, o MP tinha acusado os três gestores de terem alegadamente atraído investidores para o veículo que aplicou fundos essencialmente na compra de ações do BCP, quando saberiam que o mesmo estava falido, tendo alegadamente utilizado os fundos captados para abater dívida da Privado Financeiras junto do banco JP Morgan (cerca de 200 milhões de euros) e do próprio BPP (cerca de 50 milhões de euros).
Após uma primeira absolvição determinada em 2015, o Tribunal da Relação anulou a decisão e ordenou a repetição do julgamento em 2016. Mas, desta vez segunda vez que foram chamados a decidir sobre os casos, os juízes desembargadores confirmaram a nova absolvição.