A hora H está a aproximar-se para João Rendeiro. Ausente em Londres e com três penas de prisão efetivas pendentes (sendo que uma delas já transitou em julgado), Rendeiro vê o Ministério Público e um assistente dos processos do caso Banco Privado Português (BPP) passarem ao ataque para promover a sua detenção.

Para já, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ordenou a sua presença em audiência no próximo dia 1 de outubro. A decisão foi tomada pela juíza Tânia Loureiro Gomes no chamado processo dos prémios, no qual Rendeiro foi condenado a uma pena de prisão efetiva de 10 anos, após promoção nesse sentido do Ministério Público e do assistente (o próprio BPP).

Caso Rendeiro não cumpra essa ordem judicial, a Justiça poderá alterar a medida de coação de termo de identidade e residência para prisão preventiva e emitir mandados de detenção europeu e internacional que acionarão os mecanismos da Europol e da Interpol para Rendeiro ser detido em qualquer parte do mundo para ser extraditado para Portugal.

O mesmo poderá acontecer num segundo processo no qual Rendeiro já tem efetivamente uma pena de prisão efetiva de cinco anos e 8 meses para cumprir por a mesma já ter transitado em julgado, como o Observador noticiou a 17 de setembro. Contudo, estes autos ainda não desceram da Relação de Lisboa à primeira instância para se promover a emissão dos respetivos mandados de condução à prisão. E esta quarta-feira Rendeiro foi condenado a uma terceira pena de prisão efetiva de três anos e meio por alegada burla qualificada.

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Com João Rendeiro em Londres, Constitucional confirma trânsito em julgado da pena de prisão

Já Paulo Guichard, o ex-número 2 de BPP condenado a quatro anos e oito meses de prisão efetiva em regime co-autoria com Rendeiro no caso da alegada falsificação da contabilidade, viu o Tribunal da Relação de Lisboa recusar a admissão de um segundo recurso para o Constitucional. No entendimento da desembargadora Cristina Santana, os autos também já transitaram em julgado para Guichard.

Contactado pelo Observador, o advogado Nuno Brandão anunciou que vai reclamar para o Tribunal Constitucional desta decisão da Relação sobre o recurso de Guichard. O Observador tentou igualmente contactar telefonicamente e enviou diversas perguntas por escrito para a advogada Joana M. Fonseca, representante de João Rendeiro, mas não obteve qualquer resposta.

Rendeiro deu morada de embaixada de Portugal em Londres como ponto de contacto

A ordem judicial emitida a 23 de setembro teve na sua origem um facto peculiar: quando se ausentou para Londres no dia 12 de setembro (tendo apenas informado o tribunal no dia seguinte), João Rendeiro deu a morada da embaixada de Portugal na capital britânica como forma de contacto. Tendo, inclusivé, fornecido aos autos através da sua advogada Joana M. Fonseca “o número de telefone e o email desta mesma representação diplomática”, lê-se no despacho judicial a que o Observador teve acesso.

Ora, a juíza Tânia Loureiro Gomes entende que João Rendeiro,”não sendo diplomata nem funcionário adstrito ao serviço diplomático”, não pode apresentar a morada de uma representação diplomática para ser contactado. Logo, a embaixada de Portugal em Londres “não constitui o local onde se encontra”.

A magistrada alerta no seu despacho que, aquando da sua viagem à Costa Rica durante o verão, Rendeiro já tinha feita o mesmo: deu o consulado português naquele país da América Central como ponto de contacto.

“É inequívoco que uma representação consular ou uma embaixada não são lugares de livre disposição e fruição pelos cidadãos, sendo portanto desprovido de razoabilidade que o arguido as indique como constituindo o seu paradeiro”, lê-se no despacho da juíza.

Assim, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ordenou o seguinte:

  • Deu 48 horas a João Rendeiro para “indicar a morada completa do local concreto onde se encontra”. Tal prazo terminará esta quarta-feira, dia 29 de setembro.
  • E ordenou a “audição presencial” no tribunal de João Rendeiro no “próximo dia 1 de outubro de 20201 pelas 14h”. Tal audição visa “reponderar as exigências cautelares que determinaram a sujeição do arguido à medida de coação que se encontra a cumprir (termo de identidade e residência).”

A decisão diz respeito aos autos em que Rendeiro foi condenado a uma pena de prisão de 10 anos de prisão por fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento de capitais no chamado processo dos prémios que Rendeiro e outros ex-administradores do BPP se terão apropriado. A condenação é de maio último e ainda estão recursos pendentes sobre tal decisão. Contudo, e apesar de a condenação ainda não ter transitado em julgado, a lei permite ao tribunal alterar a medida de coação para prisão preventiva.

Caso BPP. Rendeiro condenado a três anos e meio de prisão por burla qualificada. Arguidos terão de pagar indemnização de 235 mil euros

Caso o ex-presidente do BPP não se apresente, o tribunal poderá decretar a sua prisão preventiva e emitir o mandado de detenção europeu. Com a emissão desse mandado, serão igualmente acionados os mecanismos do Europol e da Interpol para que João Rendeiro possa ser detido em qualquer parte do mundo. Se for detido num país estrangeiro, a Justiça portuguesa terá que requerer a sua extradição para território nacional.

A decisão da juíza Tânia Loureiro Gomes deve-se ao facto de João Rendeiro ter uma segunda pena de prisão efetiva pendente de cinco e 8 meses, sendo que essa sim já transitou em julgado, como o Observador noticiou a 17 de setembro. É precisamente devido a essa condenação transitada em julgado que o Ministério Público (MP) fundamenta a sua alegação de perigo de fuga, pedindo a alteração da medida de coação.

O BPP, que é assistente no processo, fez um requerimento nos autos do caso dos prémios nos mesmos termos que o MP e repetiu-o nos autos do caso da falsificação da contabilidade

Relação de Lisboa recusa admitir segundo recurso de Paulo Guichard

Entretanto, o Tribunal da Relação de Lisboa recusou admitir um segundo recurso de Paulo Guichard para o Tribunal Constitucional nos autos do caso da falsificação da contabilidade. Recorde-se que o ex-número 2 do BPP foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão efetiva em regime de co-autoria com Rendeiro nesse caso, tendo visto em junho o Tribunal Constitucional rejeitar liminarmente um primeiro recurso. Pouco mais de um mês depois, o advogado Nuno Brandão voltou à carga com um segundo recurso, mas a desembargadora Cristina Santana recusou esta terça-feira admitir tal recurso.

Por que razão João Rendeiro e o seu ex-braço direito ainda não foram presos?

A desembargadora, autora do acórdão condenatório da Relação que transformou as penas suspensas de Rendeiro e Guichard em penas de prisão efetiva, diz que o “poder jurisdicional do juiz quanto à matéria de causa” está “esgotado”, por entender que “o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça mostra-se transitado em julgado.” Isto é, os autos transitaram em julgado para João Rendeiro e para Paulo Guichard.

Contactado pelo Observador, o advogado Nuno Brandão anunciou que vai reclamar para o Tribunal Constitucional desta decisão da Relação sobre o recurso de Guichard. Recorde-se que Paulo Guichard também está ausente no estrangeiro, vivendo no Rio de Janeiro, no conhecido bairro de Ipanema, há vários anos.

 Rendeiro ataca Ministério Público a partir de parte incerta

Apesar de a sua advogada não responder às tentativas de contacto do Observador, nomeadamente para explicar se João Rendeiro irá colaborar com a Justiça, certo é que o ex-banqueiro continua a estar ativo no seu site pessoal, intitulado Arma Crítica.

O seu último post é do dia 20 de setembro e tem como título “Bonina e Neto derrotados”. Trata-se de um texto relacionado com a sua absolvição no chamado caso da Privado Financeiras, um dos três processos do caso BPP. Tal como o Observador noticiou em primeira mão, a Relação de Lisboa manteve a absolvição de João Rendeiro e de outros ex-gestores do BPP da alegada burla qualificada imputada aos arguidos por parte dos procuradores Inês Bonina e Hugo Neto — os mesmos magistrados que conduziram as investigações nos dois processos nos quais Rendeiro foi condenado a prisão efetiva.

Relação de Lisboa confirma absolvição de João Rendeiro no caso da Privado Financeiras

Sem identificar a localidade em que se encontrava — em Londres ou noutra parte do mundo —, e sem dizer uma palavra sobre se regressava a Portugal depois de 30 de setembro, Rendeiro atacou os dois procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal por terem sido “derrotados em toda a linha por várias decisões judiciais” no caso da Privado Financeiras.

No seu texto, diz ainda: “Que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha levado quase cinco anos a tomar esta decisão talvez devesse merecer ponderação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, justamente preocupado com os prazos judiciais. Como se vê neste caso, não são só os advogados que usam (e abusam) dos mecanismos processuais, o Ministério Publico também o fez”, afirmou, numa alusão à entrevista que o conselheiro Henrique Araújo deu ao Observador em julho.

“Na verdade, durante mais de dez anos fui submetido a um julgamento popular com dezenas de pseudonotícias nos jornais e televisões e, no final, quando a notícia da absolvição teve lugar, raros se ocuparam com o tema. Decerto, a desgraça de alguns vende mais jornais do que a verdade”, lê-se no seu post.