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Maria Rendeiro chegou a estar detida em casa com pulseira eletrónica por suspeita da prática do crime de descaminho
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Maria Rendeiro chegou a estar detida em casa com pulseira eletrónica por suspeita da prática do crime de descaminho

Maria Rendeiro chegou a estar detida em casa com pulseira eletrónica por suspeita da prática do crime de descaminho

As jóias e 14 relógios de luxo debaixo do lava-loiças da casa da irmã de Maria Rendeiro e a pensão de 705 euros

Tribunal diz que "é inequívoco" que viúva de João Rendeiro "tentou e conseguiu dissipar património apto ao pagamento" de indemnizações no caso BPP. Maria Rendeiro garante que só vive da pensão de 705€

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As viagens da irmã de Maria Rendeiro à sua casa na pequena cidade de Oliveira do Bairro, distrito de Aveiro, já tinham chamado a atenção dos inspetores da Polícia Judiciária. Eram muito curtas e, em algumas situações, Celeste Matos regressava à Quinta do Patiño no próprio dia para fazer companhia a Maria.

Estamos no início de 2022. João Rendeiro, ex-líder do Banco Privado Português (BPP), tinha decidido fugir de Portugal no final da primeira quinzena de setembro de 2021 quando a primeira pena de prisão efetiva do caso BPP estava prestes a transitar em julgado e tinha sido detido na África do Sul três meses depois. Maria Rendeiro estava em prisão domiciliária com pulseira eletrónica por suspeitas do crime de descaminho de obras de arte adquiridas com fundos do BPP e branqueamento de capitais.

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Precisamente por isso, quer Maria, quer a sua irmã Celeste, quer outras pessoas contratadas por João Rendeiro para ajudarem a sua mulher estavam sob escuta telefónica. A PJ já tinha ouvido a irmã a dizer a uma amiga que ia “carregada” para a casa de Oliveira do Bairro. O desaparecimento de 15 obras de arte do espólio que tinha Maria Rendeiro como fiel depositária desde novembro de 2010 e o facto de uma dessas viagens a Oliveira do Bairro quase corresponder a um filme de série B de espionagem adensava o mistério.

Um mês antes, o Juízo Central Criminal de Lisboa tinha afirmado preto no branco que Maria Rendeiro “tentou e conseguiu”, em conjunto “com João Rendeiro”, “dissipar património apto ao pagamento” de indemnizações ao Estado e à massa falida do BPP

A defesa de Maria Rendeiro rejeita. O advogado Ricardo Sá Fernandes diz que a viúva do ex-líder do BPP tem colaborado com a Justiça e cedeu mesmo ao Ministério Público o saldo de uma conta de um banco inglês no valor de 300 mil euros. Isto quando a sua única fonte de rendimento é uma pensão de reforma de 705 euros — que também foi provisoriamente arrestada (sendo recuperada um ano depois da respetiva ordem judicial de devolução) e apesar de nada ter a ver com o produto dos alegados crimes.

Afinal, o que escondia aquela casa em Oliveira do Bairro?

Os cartões de débito de contas em Londres e nos Estados Unidos

Foi a 22 de março de 2022 que a PJ, devidamente autorizada por um mandado judicial de busca e apreensão, decidiu avançar para Oliveira do Bairro. Dois inspetores começaram por ir buscar Celeste Matos à casa de Maria Rendeiro — um apartamento no exclusivo condomínio da Quinta Patiño que estava em nome de Florêncio Plácido de Almeida, o motorista de João Rendeiro e filho de Florêncio de Almeida, o poderoso presidente da ANTRAL – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros.

Celeste Matos disponibilizou-se de imediato para acompanhar os dois inspetores da PJ à sua residência. Com o reforço de mais duas inspetoras, num total de quatro operacionais, as buscas iniciaram-se às 11h no apartamento localizado ao pé da Igreja Matriz de Oliveira do Bairro.

Celeste Matos disponibilizou-se de imediato para acompanhar os dois inspetores da PJ nas buscas à sua residência. A primeira descoberta foram dois cartões de débito e bancos internacionais, nomeadamente do Barclays e de um banco norte-americano chamado TD Bank, que estavam na sua carteira. Os cartões tinham como titular Maria Rendeiro.

O primeiro ato passou por verificar os objetos pessoais de Celeste Matos, tendo uma das inspetoras encontrado na sua carteira dois cartões de débito e bancos internacionais, nomeadamente do Barclays e de um banco norte-americano chamado TD Bank e que opera essencialmente na Costa Leste dos Estados Unidos.

Os cartões de débito tinham como titular “Maria de Jesus Matos” — que é o nome de solteira de Maria de Jesus da Silva de Matos Rendeiro — e comprovavam que Maria Rendeiro tinha contas bancárias em Londres e nos Estados Unidos. Mais tarde, a investigação da PJ veio a descobrir que uma das contas em Londres era alimentada com fundos que provinham de um aluguer de uma imóvel na capital do Reino Unido.

Celeste Matos explicou aos inspetores da PJ que utilizava esses cartões a pedido da irmã para fazer levantamentos diários de 300 euros por cartão. Tais fundos, segundo a própria Celeste, destinavam-se a pagar aos advogados de Maria e João Rendeiro e o montante total de levantamentos ascendia a 40 mil euros.

Recorde-se que a advogada Joana Fonseca, que representou João Rendeiro até à sua morte numa prisão da África do Sul e Maria Rendeiro, é arguida nos autos do processo do descaminho. O Observador não conseguiu confirmar a identidade dos causídicos que terão sido pagos pelo numerário levantado por Celeste Matos, sendo certo que os advogados atuais (Ricardo Sá Fernandes e Inês Montalvo) sempre trabalharam em regime pro-bono.

O pequeno tesouro debaixo do lava-loiças da irmã

Mas os inspetores da PJ não se ficaram pela carteira da irmã de Maria Rendeiro. Além da sala e dos quartos, os inspetores deslocaram-se à cozinha do apartamento e foi aqui que descobriram um pequeno tesouro em locais recônditos.

Por exemplo, num armário situado por baixo do lava-loiças descobriram caixas de ourivesaria vazias, sendo que algumas tinha inscrições de marcas de luxo, como a Cartier, Channel, Versace e a mais acessível Mont Blanc.

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Mais uma vez, Celeste Matos foi útil ao explicar que aquelas caixas, que ainda continham os certificados de garantia respetivos, tinham acomodado mesmo peças de ourivesaria daquelas marcas de luxo que, entretanto, tinham sido vendidos por Maria Rendeiro a amigos com o intuito de realizar dinheiro.

A mulher de Rendeiro pediu posteriormente à sua irmã para levar as caixas vazias, de forma que as autoridades não descobrissem as mesmas e não percebessem que Maria Rendeiro estaria a tentar dissipar o património.

A Polícia Judiciária, porém, não encontrou só caixas. Também por baixo do lava-loiças e no armário da dispensa, a PJ encontrou outras caixas, mas desta vez com conteúdo. Mais concretamente, 14 relógios de luxo, sendo que alguns eram de ouro. Entre as marcas estavam algumas das mais caras da relojoaria de luxo, como “Rolex”, “Cartier”, “Franck Muller”, “Bulgari” e a menos conhecida “Ulysse Nardin”, mas nem por isso mais barata.

Também por baixo do lava-loiças e no armário da dispensa, a PJ encontrou outras caixas mas desta vez com conteúdo. Mais concretamente 14 relógios de luxo, sendo que alguns eram de ouro. Entre as marcas, estavam algumas das mais caras da relojoaria de luxo, como “Rolex”, “Cartier”, “Franck Muller”, “Bulgari” e a menos conhecida “Ulysse Nardin”, mas nem por isso mais barata.

Quase um mês antes dessa diligência, Celeste Matos tinha sido escutada a confessar a uma amiga que tinha ido a Oliveira do Bairro  “mudar umas coisas de sítio”:”Porque ela disse que tens que esconder melhor, tens que esconder isso”. O lava-loiças e o armário da dispensa terão sido os locais escolhidos.

Os relógios ainda não terão sido avaliados, mas cada um deles tem um valor unitário de vários milhares de euros. É provável que o valor total desses objetos correspondam a mais de 100 mil euros, até porque alguns desses relógios são de ouro amarelo e branco.

Após essa descoberta, Celeste Matos explicou aos inspetores da PJ que esses objetos estavam ali a pedido da sua irmã, Maria Rendeiro.

Ou seja, a irmã que chegou a afirmar meses antes dessa diligência que Maria Rendeiro era “uma mulher frágil e ingénua”, decidiu aceder a um alegado pedido da viúva de João Rendeiro e escondeu em sua casa aquele património que poderá ter sido adquirido com parte dos cerca de 13 milhões de euros em prémios que João Rendeiro se terá auto-atribuído entre 2005 e 2008 e que levaram a uma condenação de 10 anos de prisão efetiva em várias instâncias judicias.

Os inspetores descobriram ainda um talão de depósito em numerário no valor de 8.650 euros que tinha sido efetuado dois meses antes. O talão de depósito evidenciava que o numerário teria a seguinte origem: “dinheiro guardado em casa em envelopes colocados em saquinhos”.

Celeste explicou que esses fundos diziam respeito a poupanças suas que tinha feito em mais de 30 anos de trabalho na Venezuela, acrescentando que tinha esse dinheiro escondido em casa, mas decidiu depositá-lo por uma questão de segurança devido a assaltos que teriam ocorrido no início do ano na sua área de residência.

Celeste chegou a afirmar meses antes dessa diligência que Maria Rendeiro era "uma mulher frágil e ingénua". Mesmo assim, acedeu a um alegado pedido da sua irmã e escondeu em sua casa aquele património que poderá ter sido adquirido com parte dos cerca de 13 milhões de euros em prémios que João Rendeiro se terá auto-atribuído entre 2005 e 2008 e que levaram a uma condenação de 10 anos de prisão efetiva em várias instâncias judicias.

Ao que o Observador apurou, todos os bens apreendidos no chamado processo do descaminho (que foi aberto a 6 de outubro de 2021 e apelidado de “Operação D’Arte Asas”) foram transmitidos ao chamado processo dos prémios. Estão também em causa várias viaturas automóveis da marca Porsche (modelo 911), Mercedes e Smart. A defesa de Maria Rendeiro deduziu oposição a essas apreensões mas a mesma foi indeferida por diversos tribunais.

Além dos 14 relógios descobertos na casa de Celeste Matos, foram ainda apreendidos vários automóveis de luxo, nomeadamente um Porsche 911, e vários imóveis que corresponderão a vendas alegadamente simuladas entre João Rendeiro, Florêncio de Almeida e o seu filho (e motorista de Rendeiro) Florêncio de Almeida.

O ex-administrador do BPP Fernando Lima já está a cumprir pena de seis anos prisão efetiva por conta desse processo, enquanto o seu ex-colega Paulo Guichard foi condenado a nove anos e seis meses por se ter apropriado de 7,7 milhões de euros e deverá ter direito a novo cúmulo jurídico para calcular a pena que lhe falta cumprir no Estabelecimento Prisional de Custóias.

Falta apenas Salvador Fezas Vital ser igualmente preso para cumprir pena semelhante à de Guichard, o que deverá acontecer após o Tribunal Constitucional decidir o seu último recurso.

Sá Fernandes. “Não é verdade que Maria Rendeiro tenha ocultado património”

Confrontado com os factos relatados nesta peça, a defesa de Maria Rendeiro (que é assumida por Ricardo Sá Fernandes na justiça cível e por Inês Montalvo na jurisdição criminal) faz questão de enfatizar que uma questão é o processo relacionado com a coleção de arte apreendida e avaliada em cerca de 150 milhões de euros — no qual a viúva de João Rendeiro é arguida pelos crimes de descaminho e branqueamento de capitais. Outra, completamente diferente, são as apreensões dos bens que estavam na casa de Celeste Matos em Oliveira de Bairro.

“Para além do já assumido no processo de descaminho, não é verdade que Maria Rendeiro tenha ocultado ou desviado património do marido ou dela”, garante Ricardo Sá Fernandes. O conhecido advogado enfatiza, aliás, que a viúva de João Rendeiro fez questão de entregar “por sua iniciativa” ao Ministério Público um “saldo de valor elevado que detinha numa conta sediada em Londres”. Sá Fernandes nada disse sobre o valor, mas estão em causa cerca de 300 mil euros, segundo apurou o Observador.

Sá Fernandes enfatiza que a viúva de João Rendeiro fez questão de entregar "por sua iniciativa" ao Ministério Público um "saldo de valor elevado que detinha numa conta sediada em Londres". Sá Fernandes nada disse sobre o valor mas estão em causa cerca de 300 mil euros, segundo apurou o Observador.

Também a advogada Inês Montalvo faz questão de descrever ao pormenor do que considera ser uma prova da colaboração de Maria Rendeiro com a Justiça. “Maria Rendeiro foi surpreendida em abril de 2022 com uma carta do Lloyds Bank [banco inglês] a devolver, por cheque, o saldo existente nesse banco em seu nome  [no valor de cerca de 300 mil euros]. Imediatamente, Maria Rendeiro entregou esse cheque à ordem do processo (não tendo, todavia, esse requerimento conhecido qualquer despacho)”, assegura.

Ricardo Sá Fernandes, que defende Maria Rendeiro em diversos processos cíveis e Joana Fonseca (ex-advogada de João e Maria Rendeiro que foi constituída arguida) no processo do descaminho, diz que esta investigação aberta em outubro de 2021 “já viu expirado o prazo máximo de inquérito (o que aconteceu em janeiro passado), sem que haja despacho final seja de arquivamento, seja de acusação”.

Sá Fernandes diz que aceitou patrocinar Maria Rendeiro em “condições particularmente dramáticas”, visto que “tinham sido apreendidos ou arrestados todos os seus bens, inclusive o recheio da casa onde habita, onde a deixaram com duas camas, três cadeiras, um tapete, equipamento de cozinha e um aspirador” e também a “a pensão de velhice no valor de 705€” líquidos.

Ou seja, “Maria Rendeiro encontrava-se a viver da ajuda de familiares e amigos”. Sá Fernandes enfatiza que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa “só veio a desbloquear o valor da pensão de velhice em julho de 2022”. Contudo, a mesma só voltou a ser efetivamente recebida pela viúva de João Rendeiro em “agosto de 2023” e depois de Sá Fernandes e de Inês Montalvo, que defende Maria Rendeiro no processo do descaminho, terem solicitado a intervenção do Conselho Superior da Magistratura.

Sá Fernandes diz que "Maria Rendeiro encontrava-se a viver da ajuda de familiares e amigos" e enfatiza que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa "só veio a desbloquear o valor da pensão de velhice em julho de 2022". Contudo, os 705 euros líquidos da pensão só foram efetivamente recebidos pela viúva de João Rendeiro em "agosto de 2023"

Sá Fernandes garante que Maria Rendeiro não tem “acesso a qualquer outro rendimento ou património” e que “assumirá as suas responsabilidades no processo crime em que é arguida e, em matéria civil, já repudiou a herança do marido”, não tendo sido “até hoje condenada no que quer que fosse relativamente às condutas imputadas a João Rendeiro.”

“Maria Rendeiro não foge às suas responsabilidades, mas tem o direito a ser tratada pela justiça com dignidade, o que infelizmente nem sempre tem acontecido”, conclui Sá Fernandes.

As “mesinhas”, os closets sem roupa e a juíza sem papas na língua

Enquanto o seu marido João Rendeiro se recusava a submeter à extradição pedida pelas autoridades portuguesas e preferia ficar preso na terrível prisão de Westville, na região de Durban, Maria Rendeiro tentava lutar pelos seus direitos em Portugal.

Foi assim que os seus advogados lançaram mão do embargo de terceiro no chamado processo dos prémios. Que procedimento é este? Na prática, visa impedir que um terceiro seja protegido quando os seus bens são apreendidos devido a responsabilidades criminais de outros.

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No caso, Maria Rendeiro nunca foi suspeita de qualquer crime na gestão do BPP, mas uma parte dos bens que também eram seus, por ser casada em comunhão de adquiridos com João Rendeiro, estavam apreendidos à ordem dos autos do caso BPP.

Ora, foi precisamente isso que Maria Rendeiro alegou no seu requerimento: “Os objetos em causa” não podiam ser “alvo de arresto porque as dívidas provenientes de crimes e respetivas indemnizações são incomunicáveis e da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam”.

Por outro lado, Maria Rendeiro acrescentava que dois bens próprios seus — que tinha recebido por herança familiar — tinham sido indevidamente levados pela autoridades da sua casa. Estava em causa “duas mesinhas” e, além disso, “fotografias”.

A viúva de João Rendeiro acrescentava ainda que lhe tinham sido retirados “praticamente todos os bens” de sua casa, tendo–lhe sido apenas deixados os seus objetos de uso pessoal, uma mesa, três cadeiras e umas cortinas, pelo que se viu obrigada a instalar-se no quarto da empregada, porque “até a mobília foi levada”.

Maria Rendeiro acrescentava ainda que lhe tinham sido retirados “praticamente todos os bens" de sua casa (...) tendo–lhe sido apenas deixados os seus objetos de uso pessoal, uma mesa, três cadeiras e umas cortinas, pelo que se viu obrigada a instalar-se no quarto da empregada, porque “até a mobília foi levada”.

Um pouco mais de um mês antes das buscas à casa de Celeste Matos, a juíza Tânia Loureiro Gomes, titular do chamado processo dos prémios que visa Paulo Guichard, Fezas Vital e Fernando Lima, decidiu sobre o requerimento de Maria Rendeiro e não foi nada meiga.

Em primeiro lugar, fez questão de recordar todo o passado dos bens que tinham sido alegadamente descaminhados e que estavam sob a responsabilidade da fiel depositária Maria Rendeiro.

“Dos autos resulta que a embargante [Maria Rendeiro] (…) encetou diligências tendentes a dissipar o recheio da sua habitação”, começou por afirmar a juíza — que foi um dos magistrados judiciais que emitiram o mandado de captura internacional de João Rendeiro.

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Em relação ao embargo de terceiro propriamente dito, a juíza foi sintética: “É evidente que o mesmo improcede.” “O arresto”, disse a juíza, justifica-se “por ter ficado sumariamente demonstrada quer a probabilidade séria do direito às indemnizações reconhecidas ao Estado português e ao lesado, o assistente BPP, no acórdão condenatório proferido a 14 de maio de 2021 (…) quer o fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do seu pagamento, a cargo do arguido João Rendeiro”.

Maria Rendeiro “litigou de má-fé” e “adotou convicção de que o ‘crime compensa’”

Além disso, e apesar de não ser arguida nos autos, “é inequívoco que, concertada com João Rendeiro, tentou e conseguiu dissipar património apto ao pagamento das obrigações derivadas de tais crimes, o que sucedeu não só através da violação flagrante dos deveres de fiel depositária de que foi incumbida, e que motivou a sua condenação em multa nos termos da sentença proferida a 2 de novembro de 2021, como mais recentemente se preparava para enviar para a cidade da Maia, através de empresa de transporte que contratou a título urgente (nos dias 27 de 28 de outubro de 2021) vários objetos que compunham o recheio dos imóveis (…)”, acrescentava a juíza.

“Aliás no dia 3 de novembro de 2021, inspetores da PJ surpreenderam a realização de manobras de transporte que já se encontravam em curso junto de um armazém arrendado pela embargante, em Alcabideche, onde foram armazenados tais objetos”, concluía a juíza.

Ministério Público quer recuperar quadros vendidos por João Rendeiro à leiloeira Christie’s

O recheio a que a juíza Tânia Loureiro Gomes se refere não é um recheio qualquer. Trata-se de peças de mobiliário e de loiças que João Rendeiro terá adquirido em leilões da Sotheby’s e da Christie’s. Suspeita-se que tais aquisições terão sido feitas com fundos alegadamente desviados do BPP.

Tal factualidade, escreve a magistrada, “demonstra até à saciedade que a embargante não se encontra de boa-fé, adoptando condutas reveladoras de que pretende que se adquira a convicção de que o ‘crime compensa’ ao obstaculizar a localização de bens aptos à satisfação das indemnizações devidas ao Estado e ao lesado”

Além disso, e “ao contrário” do que Maria Rendeiro alegava, “foram deixadas na habitação todas as necessárias condições de habitabilidade segundo padrões médios de normalidade social, incluindo mobiliário diverso e de quarto (sofá, mesas, cadeiras, camas) e utensílios e eletrodomésticos destinados à confeção de alimentos (uma cozinha totalmente equipada com dois frigoríficos, arca congeladora, fogão, forno, micro-ondas, e acessórios diversos)”.

Isto além de se acautelar “o direito ao lazer da embargante”, tendo o mesmo sido “acautelado através do aparelho de televisão que não foi alvo de remoção.”

Os autos demonstram "até à saciedade que a embargante [Maria Rendeiro] não se encontra de boa-fé, adoptando condutas reveladoras de que pretende que se adquira a convicção de que o ‘crime compensa’ ao obstaculizar a localização de bens aptos à satisfação das indemnizações devidas ao Estado e ao lesado”, escreve a juíza Tânia Loureiro Gomes.

Maria Rendeiro tinha igualmente juntado fotografias dos armários do closet do seu quarto para indiciar que as gavetas estavam vazias porque o seu vestuário também teria sido arrestado.

A juíza Tânia Loureiro Gomes fez questão de escalpelizar esse ponto, afirmando que, segundo os autos, o closet de Maria Rendeiro já se encontrava totalmente vazio quando as autoridades concretizaram um arresto por si determinado.

Daí que a magistrada tenha entendido que “embargante alterou a verdade dos factos, de modo a iludir os autos quanto aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade empregues pela PJ” durante o arresto. Ou seja, Maria Rendeiro queria “que o tribunal acreditasse que a sua dignidade pessoal foi alvo de evidente agressão”, o que era falso, segundo a juíza Tânia Loureiro Gomes.

A magistrada foi consequente com as suas duras críticas e declarou que Maria Rendeiro “litigou de má-fé (…), impondo-se a sua condenação em multa”. Tendo “em conta a elevada censurabilidade da conduta processual da embargante (…), condeno-a no pagamento de multa equivalente a 10 unidades de conta”. Ou seja, 1020 euros.

Mesmo assim, a juíza devolveu as fotografias e as “duas mesinhas”, confirmando que as mesmas não tinham valor patrimonial significativo, mas sim sentimental, sendo por isso “impenhoráveis”.

Contactada pelo Observador, a advogada Inês Montalvo explicou que Maria Rendeiro “deduziu dois embargos aos arrestos de que foi alvo: um relativamente aos móveis que constituíam o recheio da casa” e “outro a respeito de três viaturas, que estão registados em seu nome – um Porsche 911, um Smart e um Mercedes.”

Montalvo explica ainda que “a providência foi indeferida porque o tribunal entendeu que, sendo o arresto uma providência transitória, o direito de propriedade da requerente não era posto em causa, devendo a decisão sobre a sua restituição aguardar pelo termo da investigação.”

Os armazéns em Alcabideche e na Maia

Foi claro para a PJ que Maria Rendeiro terá agido alegadamente em conluio com João Rendeiro na alegada dissipação do património que tinha sido arrestado à ordem do processo dos prémios.

O chamado processo do descaminho, que continua em inquérito sobre a direção da procuradora Inês Bonina, consiste na investigação de dois grupos de factos indiciários independentes:

  • o acervo de 124 obras de artes no valor de cerca de 150 milhões de euros que estavam apreendidas à ordem dos autos do processo dos prémios para poder ressarcir os lesados do BPP. Maria de Jesus Rendeiro é suspeita de não ter impedido que 15 dessas obras de arte fossem deslocadas alegadamente por João Rendeiro, sendo que quatro dessas obras terão sido mesmo alegadamente falsificadas;
  • das obras de arte desaparecidas, oito terão sido mesmo vendidas no período de outubro de 2020 a outubro de 2021, por intermédio de João Rendeiro. Tais operações de venda terão rendido cerca de 1,3 milhões de euros e o MP acredita que Maria Rendeiro estava a par dessas vendas.

Quantos aos oito quadros vendidos, e tal como o semanário Expresso noticiou no início do ano, a procuradora Inês Bonina e a PJ estão a tentar recuperá-los através da cooperação internacional com a Bélgica, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos.

Contudo, a leiloeira inglesa Christie’s, que terá sido intermediária na venda de 12 dos 15 quadros alegadamente retirados por João Rendeiro, não tem sido muito cooperante. Ao Expresso, fonte oficial da Christie’s diz que agiu de “boa-fé” e que “nunca poria para venda qualquer objeto cuja propriedade estivesse em discussão”.

Ao Observador, a advogada Inês Montalvo garante, tal como Sá Fernandes, que “Maria Rendeiro tem colaborado com as autoridades, não só na restituição das obras, como na própria investigação, não obstante a fragilidade emocional e as limitações decorrentes do desconhecimento de grande parte das situações e circunstâncias em que, alegadamente, decorreram os factos indiciados”, explica.

Montalvo diz que “Maria Rendeiro não tinha qualquer conhecimento ou participação nas decisões e actividades do marido, nem nos assuntos de ordem financeira do casal.”

Texto alterado às 23h50 de 17 de março. Acrescentada a informação de que os advogados Ricardo Sá Fernandes e Inês Montalvo, que defendem atualmente Maria Rendeiro, trabalham em regime pro-bono.

Texto alterado às 19h14 de 18 de março. Corrigidas duas gralhas relacionadas com o nome da cidade onde mora a irmã de Maria Rendeiro: Oliveira do Bairro, e não Oliveira do Hospital

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