A denunciante do Facebook, Frances Haugen, que divulgou dezenas de milhares de documentos internos, foi esta terça-feira ouvida no Congresso norte-americano, um dia depois de ter dado uma entrevista à cadeia televisiva CBS a revelar os motivos que a levaram a expor publicamente um conjunto de informações polémicas sobre o funcionamento interno da rede social. Na audiência, Haugen reiterou tudo aquilo que já tinha dito publicamente e acusou a rede social em que trabalhou de colocar os lucros à frente da preocupação com os utilizadores — mesmo nos casos em que sabia os efeitos nocivos do uso das ferramentas digitais.

Logo no início da audiência, o Facebook foi comparado às grandes empresas tabaqueiras pelo senador democrata Richard Blumenthal, que considerou que as grandes empresas tecnológicas estão a viver agora um momento semelhante ao que a indústria tabaqueira viveu no passado: estão a confrontar-se publicamente o com o facto de estarem conscientes do carácter tóxico e viciante do seu produto e nada fazerem quanto a isso.

Denunciante do Facebook revela identidade e diz que discurso de ódio ajuda rede social a lucrar

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“Estou aqui hoje porque acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças, alimentam a discórdia e enfraquecem a nossa democracia. A liderança da empresa sabe como tornar o Facebook e o Instagram mais seguros, mas não faz as alterações necessárias porque pôs os seus lucros astronómicos à frente das pessoas”, concordou Frances Haugen na abertura do seu testemunho.

Frances Haugen é uma ex-funcionária da empresa de Mark Zuckerberg que se demitiu em maio deste ano — e que, nos meses seguintes, divulgou dezenas de milhares documentos internos que mostram como o Facebook estava ciente de que a rede social Instagram é tóxica para a saúde mental, sobretudo entre raparigas adolescentes, mas optou conscientemente por dar prioridade aos lucros da empresa e não fazer alterações no modelo de funcionamento da rede.

Perante os senadores, Frances Haugen explicou que, apesar de o Facebook não permitir oficialmente que crianças abaixo dos 13 anos de idade criem uma conta e usem a plataforma, a rede social está consciente da grande presença de crianças abaixo daquela idade e visa-as intencionalmente com anúncios e conteúdos desenhados para aumentar a interação e a dependência dos mais novos.

Além disso, as revelações feitas por Haugen, publicadas inicialmente no mês passado no The Wall Street Journal, mostraram também como o Facebook beneficia da proliferação do discurso de ódio na rede social — embora mantenha compromissos públicos relacionados com a erradicação desse tipo de conteúdos, bem como de notícias falsas e desinformação.

Denunciante pede mais regulação e organismo federal próprio

No entender de Frances Haugen, só um reforço da regulação pública por parte das autoridades políticas norte-americanas levará grandes empresas tecnológicas como o Facebook a chegar à “transparência total”. Entre as principais informações vindas a público devido à denúncia de Haugen encontra-se o facto de a empresa de Mark Zuckerberg ter realizado estudos internos pormenorizados sobre o impacto das redes sociais em vários públicos-alvo — e ter um conhecimento detalhado sobre os efeitos nocivos do uso das redes —, mas nunca os ter revelado publicamente, optando antes por capitalizar esses efeitos no sentido de aumentar a utilização dos produtos da empresa pelos mais novos.

“Enquanto o Facebook continuar a operar na sombras e a esconder as suas investigações do escrutínio público, será impossível de responsabilizar. Enquanto os incentivos não mudarem, o Facebook não vai mudar”, disse.

Concretamente, Frances Haugen sugeriu várias vezes ao longo da audiência que deveria ser criado, no âmbito do governo federal norte-americano, um organismo específico destinado a supervisionar a atividade das grandes empresas tecnológicas como o Facebook — e que nesse organismo deveriam trabalhar ex-funcionários das tecnológicas. “Neste momento, as únicas pessoas do mundo preparadas para analisar estas experiências para entender o que se passa no Facebook são pessoas que passaram lá algum tempo”, afirmou.

Entre as propostas concretas de Haugen para conduzir a mudanças concretas na rede social encontra-se uma alteração fundamental no algoritmo do feed de notícias — o produto central do Facebook. Haugen defende que as publicações deveriam ser apresentadas aos utilizadores por ordem cronológica, e não de acordo com um critério estabelecido pelo próprio algoritmo, que sugere conteúdos com o objetivo de aumentar a interação, com base em critérios obscuros (e que envolvem, de acordo com as denúncias de Haugen, a ideia de que o discurso de ódio e a promoção da violência geram mais interações).

O depoimento da denunciante acontece um dia depois de o Facebook, Instagram e WhatsApp terem estado inativas durante mais de seis horas. A rede social Facebook disse que “a causa principal da interrupção foi uma alteração de configuração defeituosa”. A empresa indicou, na segunda-feira à noite, ainda não haver “provas de que os dados dos utilizadores tenham sido comprometidos como resultado” da interrupção.

Apagão no Facebook deveu-se a uma mudança de configuração “defeituosa”. Dados de utilizadores não terão sido comprometidos