O ministro da Cultura espanhol, Miquel Iceta Llorens, esteve esta quinta-feira numa das salas de pintura europeia do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) em Lisboa, para a inauguração da exposição de uma “obra convidada”: a pintura “Infanta Isabel Clara Eugenia com Magdalena Ruiz”, de Alonso Sánchez Coello, que pertence à coleção do Museu do Prado, em Madrid. Está agora em Lisboa e pode ser vista no museu da Rua das Janelas Verdes até 2 de janeiro.
Trata-se de um óleo sobre tela, num admirável estado de conservação, pintado entre 1585 e 1588, que documenta a hierarquização social em Espanha naquela época. “Integra-se na tradição do retrato de corte criado em meados do século XVI”, lê-se na folha de sala. “Trata-se de um retrato para ilustrar não tanto as relações de afeto mas de subordinação hierárquica”, disse esta quinta-feira Andrés Úbeda de los Cobos, diretor-adjunto de conservação e investigação do Prado, também presente na inauguração. Fez notar que antes de “As Meninas” (1656), de Velázquez, este é o retrato em que melhor se vê “um jogo subtil de identidades”.
A exposição faz parte da 7ª Mostra Espanha, festival bienal de cultura espanhola organizado pelo Governo do país vizinho, este ano com atividades em 20 cidades portuguesas, de setembro a dezembro.
A visita à exposição, para a qual foi convocada a imprensa, começou pouco depois das cinco da tarde. A ministra da Cultura, Graça Fonseca, o diretor do MNAA, Joaquim Oliveira Caetano, e o diretor-geral interino do Património Cultural, João Carlos Santos, aguardavam a comitiva espanhola no exterior do museu. Mal esta chegou, seguiram em passo apressado até às salas da pintura europeia, passando por visitantes do museu que olhavam intrigados para tamanha movimentação.
“Era para junho, depois outubro, agora deve ser até ao fim do ano.”
Uma vez chegados à pintura de Alonso Sánchez Coello, que merece uma parede em vermelho forte, ouviram explicações de Andrés Úbeda de los Cobos, dando conta de simbolismos do retrato. O medalhão na mão direita é um busto do pai da infanta, o rei Filipe II de Espanha (I de Portugal); a expressão facial da personagem pretende dar-lhe uma aura mais divina que humana; e a criada, de expressão submissa e humana, é a mesma que acompanhou Filipe I na visita a Lisboa em 1581, exemplificou o diretor-adjunto de conservação do Prado.
Depois das declarações à imprensa, a comitiva seguiu para na Sala de Conferências do MNAA, para uma sessão final com discursos oficiais. O diretor do MNAA, conhecido por intervenções sobre a falta de orçamento para resolver problemas estruturais do edifício do museu, falou sempre em espanhol e não resistiu a mostrar ao ministro do país vizinho um dos tesouros da casa: os “Painéis de São Vicente”, que desde o ano passado estão a ser estudados e restaurados numa sala à parte mas à vista do público.
Nessa sala, mesmo junto às seis pinturas atribuídas a Nuno Gonçalves, Joaquim Oliveira Caetano explicou aos convidados que aguarda há vários meses pela chegada de uma máquina para análise das obras. “Era para junho, depois outubro, agora deve ser até ao fim do ano”, descreveu. A ministra Graça Fonseca ouviu e logo transmitiu ao diretor que “mais tarde” gostaria de obter informações sobre o presumível atraso.
“Queremos mais Portugal em Espanha”
O ministro da Cultura espanhol protagonizou também um momento de elogio às políticas do Governo para a cultura. Miquel Iceta Llorens, membro de um executivo sustentado pelo PSOE, disse várias vezes que tem muito a aprender com Portugal. Apontou até como modelo o Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, mais conhecido como Estatuto do Artista, que o Governo português aprovou há seis meses.
“Portugal está a fazer um excelente trabalho e tenho de pedir alguns conselhos à ministra”, destacou o ministro espanhol, dando o exemplo do Estatuto do Artista, que “permite aos criadores trabalhar com mais liberdade e capacidades”. “Portugal vai à frente e por isso queremos aproveitar esta experiência e tantas outras coisas”, enalteceu, sempre em espanhol.
A ministra Graça Fonseca ouviu e sorriu. Comentou em português: “Acolho com satisfação”. Referiu que “a cooperação Portugal-Espanha tem sido e continuará a ser uma prioridade da política cultural portuguesa”, o que ganhará expressão com a assinatura, até 2023, de “um acordo mais forte na área da cultura” entre os dois estados.
A necessidade desse acordo ganhou força durante a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre deste ano, explicou a titular da pasta da Cultura. “A ideia é ter nas diferentes áreas, arquivos, audiovisual, museus, um memorando de cooperação cultural entre ambos os países, com objetivos e projetos específicos. Iremos agora fazer uma primeira reunião de trabalho para estabelecer esse documento”, adiantou a governante.
Para rematar, o ministro espanhol da Cultura e do Desporto deu largas ao entusiasmo: “Posso dizer mais uma frase? Queremos mais Portugal em Espanha”. A ministra portuguesa correspondeu: “E mais Espanha em Portugal.”
Segundo Miquel Iceta Llorens, os dois países ibéricos têm “pontos comuns e de separação” na sua História, mas certamente partilham a “vocação atlântica” e a “gesta dos Descobrimentos”, entre outros exemplos que deu. “Temos de colaborar mais”, insistiu. Um desses projetos é a comemoração do centenário do nascimento do Nobel da Literatura José Saramago, efeméride que se assinala a 16 de novembro de 2022 e a que se referiu o ministro Miquel Iceta Llorens.
A visita terminou com longos discursos, um pequeno concerto de música clássica e um cocktail no jardim, para embaixadores e funcionários. Houve ainda tempo para ouvir a ministra da Cultura revelar que a embaixada de Portugal em Espanha “está a desenvolver o lançamento de uma bolsa de residência literária em Espanha”.