Um projeto que está a ser desenvolvido na sequência dos incêndios de 2017 e das falhas de comunicação do SIRESP quer tornar as comunicações de emergência mais resilientes, “mitigando os efeitos do fogo na cobertura rádio e da transmissão”.
“O principal objetivo do projeto RESCuE-TOOL é tornar as comunicações de emergência mais resilientes, nomeadamente o sistema de comunicações de emergência nacional”, o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), “mitigando os efeitos do fogo na cobertura rádio e da transmissão, isto é, das ligações das estações base aos comutadores da rede SIRESP”, através de ligações redundantes em feixes hertzianos, disse à agência Lusa Rafael Caldeirinha, responsável do projeto.
Designado “RESCuE-TOOL — Cobertura rádio para sistemas de comunicação de emergência em ambientes críticos de fogos florestais — Ferramenta”, pretende-se “estudar o fenómeno de propagação de ondas eletromagnéticas na presença de labaredas, avaliar o impacto na cobertura rádio e eventual formação de zonas de sombra (ou de exclusão rádio), com particular relevância para o sistema de comunicações de emergência nacional, e otimizar a ligação por feixes hertzianos de cada estação base ao respetivo comutador, com redundância de caminhos”, refere o investigador numa resposta escrita enviada à Lusa.
“O projeto culminará no desenvolvimento e implementação de uma ferramenta de simulação de apoio à decisão, para melhorar a qualidade, o desempenho e a resiliência dos sistemas de comunicação de emergência por rádio durante um evento de incêndio florestal, sendo os principais beneficiários diretos a proteção civil, bombeiros e todos os operacionais no teatro de operações”, adianta Rafael Caldeirinha.
O trabalho começou em 1 de março de 2019, tem uma duração de três anos, com eventual prorrogação de pelo mais um ano. É liderado pelo Instituto de Telecomunicações e conta com uma equipa de sete investigadores da delegação de Leiria no Politécnico de Leiria (Rafael Caldeirinha, Nuno Leonor, Stefânia Faria e Mário Vala) e do polo de Lisboa no Instituto Superior Técnico (João Felício, Carlos Fernandes e Carlos Salema). Tem um custo de 175 mil euros, financiado a 100% pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
No âmbito desta investigação, e para “estudar e quantificar a atenuação adicional que possa vir a ser introduzida pelo fogo durante a queima de combustível florestal, foram realizadas já três campanhas de medições”, uma em ambiente fechado e controlado, as restantes em ensaios de campo.
A par com os ensaios de campo, “decorrem os desenvolvimentos de simuladores numéricos de estimação de cobertura e do comportamento do fogo, que devem ser agregados numa ferramenta única de apoio à decisão operacional, na vertente das comunicações de emergência em cenários de catástrofe”, explica o investigador responsável do projeto.
Rafael Caldeirinha salienta que, “com base em informações obtidas através das simulações computacionais e dos diversos ensaios de campo já realizados, as labaredas originadas pela queima de combustível florestal podem introduzir uma atenuação adicional significativa, que pode levar ao bloqueio das comunicações por falha de cobertura rádio”.
A este propósito nota que “os gases libertados durante os incêndios ficam na atmosfera e as temperaturas atingem entre 1000 e 1500 graus, pelo que se forma uma coluna de resíduos queimados, que constitui uma barreira à propagação das ondas eletromagnéticas”.
“O sinal rádio pode decair na ordem das 100 vezes relativamente à situação sem fogo, o que pode inviabilizar as comunicações do SIRESP. Efetivamente, a geração de zonas de sombra está diretamente relacionada com o combustível florestal e condicionada pelas condições atmosféricas e a orografia do terreno”, sustenta.
A equipa quer garantir, “em tempo real, a identificação de possíveis formações de zonas de sombra da cobertura rádio na presença de uma frente de fogo, por forma a que possam ser mobilizados os meios necessários” para o restabelecimento de comunicações, com “estações base móveis, com ligação satélite”, ou “indicação aos operacionais no teatro de operações da necessidade de reorganizar as comunicações”.
Considerando este “um dos muitos contributos da academia portuguesa para evitar perda de vidas e de bens”, Rafael Caldeirinha observa que “em devida e necessária articulação com o Ministério da Administração Interna”, o estudo “poderá dar um contributo muito significativo para a otimização da cobertura rádio da rede SIRESP e o aumento da sua resiliência em situação de desastre”.
Os incêndios que deflagraram em junho de 2017 em Pedrógão Grande (Leiria) e que alastraram a concelhos vizinhos provocaram a morte de 66 pessoas e ferimentos em 253, além da destruição de meio milhar de casas e 50 empresas.
Já em 15 de outubro de 2017, passam esta sexta-feira quatro anos, os incêndios na região Centro provocaram 49 mortos e cerca de 70 feridos, registando-se ainda a destruição, total ou parcial, de cerca de 1.500 casas e mais de 500 empresas. Mais de 80% da Mata Nacional de Leiria, que tem 11.062 hectares e ocupa dois terços do concelho da Marinha Grande, ardeu nestes fogos.