É o pico da dramatização: em períodos de dificuldades nas negociações à esquerda, o presidente do partido, Carlos César, assume regularmente o papel de “polícia mau”, encarregando-se de fazer a maior pressão sobre os partidos parceiros. Agora, a escassos dias da votação do Orçamento e sem aprovação garantida, volta a entrar em campo, acusando os partidos de assumirem uma postura de “incompreensão e de arrogância” e questionando mesmo se estarão interessados em “derrubar o Governo e dar uma oportunidade à direita”.
Numa longa publicação publicada na sua página de Facebook, César ataca a insistência de Bloco de Esquerda e PCP — que até agora colocava esta discussão de parte — em misturar o pacote das leis laborais com a negociação do Orçamento do Estado. E acusa: “Quem quer colocar um problema que só noutra ocasião e contexto pode ser colocado e apreciado, não está centrado na discussão e aprovação do Orçamento de que Portugal tanto precisa, mas sim na sua desaprovação e ou na censura e no derrube do Governo e no termo da legislatura”.
E completa a sua tese: César diz “sentir” que BE e PCP têm, chegada esta fase de impasse negocial, de “tornar mais inequívoco e dizer claramente aos portugueses” quais são as suas verdadeiras intenções. “Se só justificar como desaprovam o OE, derrubam o Governo e dão uma oportunidade à direita, ou se, pelo contrário, procuram construir consensos que afirmem à esquerda a governação do País (sem, evidentemente, ocultarem as suas divergências e as suas diferenças)”. E promete: “O PS permanece apostado nessa construção. Já quanto ao BE e ao PCP, fico sem perceber se, afinal, se sentem melhor a fazer oposição a um governo de direita do que a fazer acordos com um governo de esquerda“.
Nesta publicação, César vai garantindo que o PS tem “compreensão e humildade” na negociação — o que não significa “abandonar o seu sentido de responsabilidade” — mas que não pode aceitar que “tudo” lhe seja “exigido” — “isso sim, uma postura política de incompreensão e de arrogância”.
A preocupação com as contas certas que o PS tem deixado clara também é sublinhada pelo presidente do partido: uma das lições da crise anterior, frisa, é que “a gestão cuidadosa das finanças públicas é indispensável para não enfrentarmos uma espiral de descrédito externo e de dificuldades incontornáveis de financiamento dos nossos orçamentos”. Por isso mesmo, defende que esse é um dos objetivos que não devem ser “traídos” no conteúdo do OE e que deve ser combinado com as propostas dos partidos que “melhorem a realização dessas orientações”, mas sem as prejudicar ou desequilibrar”.
Quanto ao nó da legislação laboral, César defende que o que seria “útil e legítimo” seria discutir essa pasta “em devido tempo”, em vez de fazer a negociação orçamental depender dela.
Conclusão? O PS deve continuar a dialogar, até porque é seu “dever” fazê-lo com o objetivo de manter a estabilidade política — “e, em qualquer caso, teremos, sempre, o dever de continuar a governar com as condições que estiverem propiciadas“, avisa. Mas seria “melhor” evitar que fosse desencadeado um processo de eleições antecipadas, “como anunciou o Presidente da República”, até para não prejudicar a execução dos “vultuosíssimos investimentos que o PRR proporciona”. Mais uma vez, como Costa já tinha feito, passa o ónus de eventuais eleições para uma eventual decisão do Presidente.
Carlos César: “O PS tem limites. A estabilidade política não pode ser feita a qualquer preço”
Este não é o primeiro aviso que César faz sobre o perigo das cedências à esquerda: em setembro, em entrevista ao Observador, lembrava que “o PS tem limites” e que “a estabilidade política não pode ser feita a qualquer preço”, mostrando já então uma preocupação com as negociações. É, no entanto, a primeira vez que vem pronunciar-se publicamente no decorrer das mesmas, e logo a dias da decisiva votação (marcada para dia 27 de outubro).