A Arábia Saudita, o Japão e a Austrália estão entre os países que querem levar as Nações Unidas (ONU) a ser menos exigente na necessidade de reduzir rapidamente o uso de combustíveis fósseis, de acordo com uma fuga de informação revelada pela Unearth (da Greenpeace) e BBC.

A equipa de jornalistas de investigação da Unearthed teve acesso aos documentos e cedeu-os à emissora britânica. Neles mostra-se também como os países mais ricos, como a Suíça, questionam o facto de terem de pagar mais para os países mais pobres terem acesso a energias mais limpas, ou como os grandes produtores de carne, como Brasil e Argentina, argumentam contra a redução das emissões na pecuária.

A situação não é nova, muitos governos fazem lobby contras as medidas mais restritivas — o que também implica que se avance tão pouco de cada vez no combate às alterações climáticas. Os comentários expostos não têm de ser integrados no relatório, mas dão uma indicação de qual será a postura dos Estados na próxima Cimeira do Clima.

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Já no ano em que foi firmado o Acordo de Paris, durante a COP 21 — Cimeira do Clima de 2015 —, houve relatos dos entraves colocados por vários países, destacando-se a Arábia Saudita, um dos maiores exportadores de petróleo.

Em 2016, a Austrália e o Japão ratificaram o acordo e deram sinais de estarem comprometidos com a redução das emissões, mas os documentos revelam que, este ano, a Austrália (um dos maiores exportadores de carvão) rejeita que seja necessário fechar as centrais de carvão para atingir os objetivos do acordo.

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Agora, às portas da Cimeira do Clima COP26, que decorrerá em novembro em Glasgow (Escócia), governos, empresas e outras entidades tentam influenciar o relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). O grupo Unearth admite, no entanto, que, entre os 32 mil comentários enviados ao painel, a maioria são comentários construtivos.

A presidência britânica da COP26 quer garantir que os países se comprometem a limitar o aumento da temperatura global em 1,5 ºC, quando comparada com a da época pré-industrial. Este é também o desejo da ONU e o que ficou decidido no Acordo de Paris — ainda que pouco se tenha feito para alcançar essa meta.

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Os países mais ricos e com maior consumo de combustíveis fósseis, como o Japão, defendem que se deve apostar mais na captura e armazenamento do carbono do que na redução das emissões. A captura está prevista no relatório do IPCC, mas ainda existem dúvidas quanto à sua viabilidade e se podem realmente ajudar a travar o aumento da temperatura global nas metas definidas.

Os comentários enviados pelos governos e outras entidades, incluindo cientistas, fazem parte do processo de revisão do relatório do IPCC como acontece sempre. Os especialistas envolvidos na elaboração do relatório garantem que se mantém independentes e que os comentários são analisados unicamente sob uma perspetiva científica.

“Não há absolutamente nenhuma pressão para os cientistas aceitarem os comentários”, disse Corinne le Quéré, cientista do clima na Universidade de East Anglia, que já participou em três relatórios anteriores. “Se os comentários fazem lobby, se não são apoiados pela ciência, não serão integrados nos relatórios do IPCC.”

Conflitos de interesse minam a ação climática, alerta Transparência Internacional

A organização independente anticorrupção Transparência Internacional alertou que os progressos lentos no combate aos conflitos de interesses podem deixar a conferência da ONU sobre as alterações climáticas vulnerável a influências indevidas, que prejudicarão a sua legitimidade pública.

A organização que está presente em mais de 100 países adiantou que enviou uma carta ao presidente da COP26, Alok Sharma, a alertar que a perceção destes conflitos de interesses é suficiente “para minar a confiança do público e ameaçar o progresso em direção às metas do Acordo de Paris“, adiantou a Transparência Internacional em comunicado.

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“Durante anos, os produtores de gases com efeito de estufa têm gastado milhares de milhões de dólares a fazer lobby contra a ação climática, diluindo a política climática e impedindo que sejam feitos avanços” nas políticas ambientais, salientou a organização.

De acordo com a Transparência Internacional, as maiores companhias petrolíferas mundiais “gastam um total de aproximadamente 200 milhões de dólares por ano” em ações de lobby para “controlar, atrasar ou bloquear” a política climática nos quatro anos após a formalização do Acordo de Paris de 2015.

A crise climática é, sem dúvida, o maior desafio global que já enfrentamos. Conflitos de interesse, sejam reais ou percecionados, minam a ação climática, causando uma perda de confiança e de impulso no processo para alcançar as metas do Acordo de Paris”, considerou Delia Ferreira Rubio, presidente da Transparência Internacional.

Citada no comunicado, a responsável da organização defendeu ainda a “necessidade urgente de processos para evitar que os interesses privados prejudiquem o bem comum” ao nível da política ambiental.

Embora a maioria dos países desenvolvidos já tenha anunciado as suas metas para a redução das emissões de dióxido de carbono, falta saber os planos da China e Índia, que juntas representam cerca de um terço do total mundial.

Mais de 120 líderes mundiais são esperados num encontro de alto nível nos primeiros dias da COP26, que deverá juntar cerca de 25 mil participantes, entre políticos, ativistas, especialistas e negociadores nacionais.