A pandemia deu mais um ano aos países signatários do Acordo de Paris para pensarem no que estão dispostos a comprometer em nome do combate às alterações climáticas e Glasgow é onde tudo se jogará no início de novembro.

A 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas resume-se numa sigla curta – COP26 – por trás da qual estão 197 países e uma meta essencial: reduzir o aumento da temperatura global até ao fim do século a 1,5 graus centígrados (ºC) acima dos valores da era pré-industrial.

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Nesta cimeira do clima, realizada em parceria entre o Reino Unido e a Itália, os países deverão dizer claramente como vão aumentar os esforços para reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) — como o dióxido de carbono e o metano — até 2030, e os países com mais rendimentos devem aumentar o dinheiro que estão dispostos a dar para ajudar os países mais pobres a adotarem energias “limpas” e crescerem sem usar carvão, petróleo e gás natural.

As metas não são novas e o Acordo de Paris prevê desde 2015 que cinco anos depois de assumidos os compromissos, os países deveriam apresentar as suas Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDC, na sigla em inglês) revistas e mais ambiciosas.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, resumiu na sexta-feira o que a organização pensa dos compromissos atuais dos estados: “um caminho para o desastre”.

A cimeira, que começa a 31 de outubro e tem fim marcado para 12 de novembro — data meramente indicativa, a julgar pelo que tem acontecido em todas as anteriores, em que as negociações para alcançar um texto final de acordo se arrastaram — acontece numa altura de crise energética, difícil de equilibrar com a ideia de “emergência climática” professada por Guterres e pela ONU.

As necessidades energéticas de economias como a chinesa serão difíceis de conciliar com o caminho para a utilização de renováveis, forçando antes um aumento da produção de carvão.

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Portugal está entre os países que assumiram o compromisso de serem neutros em emissões carbónicas até 2050, uma meta partilhada pela União Europeia na Lei do Clima assinada durante a presidência portuguesa do primeiro semestre de 2021.

No que toca ao financiamento, os países com rendimentos mais altos concordaram em 2009 que até 2020 seria atingida uma contribuição anual de 100 mil milhões de dólares para canalizar para os países mais pobres para os ajudar a adaptarem-se e a mitigarem os efeitos que já se fazem sentir e que são atribuídos às alterações climáticas com origem na atividade humana: secas e outros fenómenos meteorológicos extremos, subida dos níveis dos oceanos e perda de biodiversidade, entre outros.

No entanto, em 2020 ficaram-se por cerca de 80 mil milhões, segundo uma estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.

Outro aspeto que tem ficado para trás por incapacidade de as partes chegarem a acordo tem a ver com o mercado global de licenças de emissões de GEE, um dos pontos cuja negociação ficou por concluir na anterior COP, em Madrid.

Parte do “livro de regras” do Acordo de Paris que ainda está por definir tem a ver com a transparência na forma como os países calculam e comunicam os seus níveis de emissões, sujeitas a transações que equivalem, no fundo a licenças para poluir que podem ser vendidas quando os máximos não são atingidos ou compradas quando um país ultrapassa o seu limite.

Cerca de 120 chefes de Estado e Governo deverão marcar presença em Glasgow.

Tão assinaláveis quanto as presenças são algumas ausências confirmadas, como a do Presidente russo, Vladimir Putin e a do brasileiro Jair Bolsonaro. Ainda em dúvida está o Presidente chinês, Xi Jinping, que ainda não saiu do seu país desde o início da pandemia da Covid-19.

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Brasil e China estão entre os países responsáveis por mais emissões poluentes, a par dos Estados Unidos, que estarão representados pelo Presidente, Joe Biden, que fez o país regressar ao Acordo de Paris depois do “susto” protagonizado pela administração do seu antecessor, Donald Trump.

Biden vai a Glasgow com o seu plano de transição do carvão e petróleo para energia solar, eólica e nuclear “enguiçado” por um senador do seu próprio partido, o democrata Joe Manchin, que se opõe ao projeto que supõe que até 2025 os Estados Unidos reduzam para metade as suas emissões em comparação com 2005.

A COP26 realiza-se na Escócia, a parte mais limpa do Reino Unido, mas Glasgow enfrentará no início da cimeira um desafio de limpeza, com uma greve dos funcionários da higiene urbana marcada para a primeira semana da COP.

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Além disso, os trabalhadores dos caminhos de ferro escoceses ameaçam também fazer greve durante a cimeira por um conflito salarial, o que faria aumentar a pegada ecológica de muitos dos cerca de 25 mil participantes na COP26.

Na cidade com cerca de 1,6 milhões de habitantes, o afluxo esperado de diplomatas, negociadores, ambientalistas, jornalistas e outros participantes fez inflacionar tremendamente o preço dos alojamentos, com estadas de duas semanas a poderem custar dezenas de milhares de libras.

A ameaçar complicar o cenário estão também organizações ambientalistas como a Extinction Rebellion ou a Insulate Britain, que nos últimos meses têm protagonizado ações-choque de vandalismo e desobediência civil e que não deixarão de marcar presença na cidade escocesa.