É improvável mas não é impossível. Pelo menos uma empresa em Portugal já avançou na aplicação de resíduos agroalimentares em produtos para a construção civil, como vem acontecendo em diversos países. Essa empresa chama-se Farcimar e está em destaque no oitavo episódio do programa O Regresso da Indústria, que vai para o ar na Rádio Observador na próxima quarta-feira, 3 de novembro.

As duas convidadas do programa são a arquiteta e investigadora Beatriz Marques, do IteCons (Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade), e Micaela M. Oliveira, gestora de projetos do grupo Farcimar – Soluções em Pré-Fabricados de Betão, com sede em Arouca (Aveiro).

Explica Micaela M. Oliveira que a Farcimar criou uma parceria com o IteCons, na qual também participa o Instituto Superior Técnico, com vista à criação de barreiras acústicas e painéis multicamada — produtos que a Farcimar produz e comercializa habitualmente. Novidade: têm pelo menos 50% de casca de arroz, em lugar do convencional agregado de betão (betão-madeira, betão-borracha, etc.). Ou seja, são materiais considerados mais sustentáveis.

“Materiais compósitos inovadores”

O projeto designa-se RiceHUSK+. Foi aprovado em maio de 2019, deve terminar em janeiro do próximo ano. O financiamento vem parcialmente da União Europeia, através do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional). Em linguagem técnica, trata-se de “materiais compósitos inovadores de base cimentícia com elevado valor funcional”, os quais incluem “a casca do arroz, um subproduto agroindustrial”, como se lê no site da Farcimar.

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Acontece que RiceHUSK+ foi mais longe do que o inicialmente pensado e até já tem sido feita a substituição a 100% nos agregados, adianta Micaela M. Oliveira. A vantagem é que a casca de arroz apresenta “uma baixa massa volúmica e elevada porosidade, o que permite atingir produtos com boas características térmicas e acústicas”, resume a mesma responsável.

Por seu lado, Beatriz Marques recorda que a casca de arroz já tinha sido utilizada em projetos anteriores do IteCons na região no Baixo Mondego, onde são comuns os arrozais. A dificuldade por parte dos agricultores no escoamento da casca do arroz, que não é utilizável como adubo ou na alimentação de animais, abriu uma janela de oportunidade.

“No seguimento de experiências, misturando a casca de arroz com outros materiais que conhecíamos melhor, surgiu a oportunidade de explorar um potencial que a casca de arroz tinha: o desempenho acústico”, conta Beatriz Marques.

Construção já pede sustentabilidade?

O desafio esteve, numa primeira fase, em investigar como funcionaria aquele subproduto agrícola, de maneira a que não comprometesse a qualidade técnica dos futuros materiais a que daria origem. O facto de ser a casca de arroz ser biodegradável poderia desgastar mais depressa os materiais dela derivados. Mas não se tem detetado a degradação, assegura a gestora de projetos do grupo Farcimar.

Neste momento, indica Micaela M. Oliveira, as barreiras acústicas RiceHUSK+ ainda não estão a ser comercializadas, “mas os resultados têm sido muito promissores”. Também os painéis multicamada, com o mesmo método de fabrico, “têm tido bom desempenho”.

A chegada ao mercado poderá estar próxima, ainda que o aspeto da sustentabilidade não seja ainda muito valorizado pelo mercado. “Ainda não estamos nesse ponto”, resume Micaela M. Oliveira, “mas o caminho será esse”, até por imposição de normas europeias.

O IteCons é uma associação com sede em Coimbra dedicada à investigação aplicada, consultoria e formação nas áreas da construção, energia, ambiente e sustentabilidade. Funciona sobretudo a partir de necessidades apresentadas por empresas, ou seja, pelo mercado. Segundo Beatriz Marques, no caso do RiceHUSK+, procura-se “ir ao encontro da sustentabilidade através da eficiência energética”.

O Regresso da Indústria é uma série de programas que resulta de uma parceria entre a Rádio Observador e a COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, num projecto co-financiado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Cada episódio é transmitido de 15 em 15 dias, às quartas-feiras, na Rádio Observador (nas frequências 93.7 e 98.7 em Lisboa, 98.4 no Porto e 88.1 em Aveiro) e pode depois ser escutado como podcast. Também às quartas-feiras é publicado quinzenalmente um artigo no Observador com o essencial do programa da semana anterior (com exceção do presente artigo, que diz respeito ao episódio que vai para o ar na próxima quarta-feira, 3 de novembro).