A cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas teve este domingo um arranque discreto em Glasgow, com um conjunto de cerimónias protocolares de início dos trabalhos a decorrerem na cidade escocesa, mas com os principais pesos-pesados das negociações ainda em Roma para o encerramento da cimeira do G20 — onde se concentraram as principais notícias climáticas do dia.
Na capital italiana, os líderes das 20 maiores economias do mundo, que são responsáveis por cerca de 80% das emissões de gases com efeito de estufa a nível global (e que incluem a China, os EUA, a Índia, a Rússia e a União Europeia), assumiram este domingo o compromisso de “continuar o compromisso de combater as alterações climáticas para benefício das gerações atuais e futuras“, nas palavras do primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, o anfitrião da cimeira.
Trata-se de um compromisso ainda mais forte do que o Acordo de Paris, que tinha firmado o objetivo de manter o aquecimento global abaixo dos 2ºC e, se possível, nos 1,5ºC.
O que esperar da cimeira de Glasgow sobre as alterações climáticas?
O compromisso assinado pelos países do G20 é de especial importância uma vez que compromete países como a China, a Rússia ou a Índia, que se contam entre os maiores poluidores do mundo, mas também entre os mais resistentes a adotar medidas mais rigorosas de combate às alterações climáticas.
Os líderes do G20 demoraram várias horas a chegar a um enunciado final para o compromisso, com os países mais céticos a resistirem a uma formulação demasiado rigorosa em torno dos 1,5ºC.
De acordo com Mario Draghi, que falou aos jornalistas em conferência de imprensa, as 20 maiores economias do mundo acordaram em “manter o objetivo dos 1,5ºC ao alcance com uma série de ações imediatas e compromissos de médio prazo”, que incluem cortes no financiamento a projetos de carvão no estrangeiro, a neutralidade carbónica a meio do século e uma intensificação dos esforços para mobilizar 100 mil milhões de dólares para os países mais vulneráveis.
Segundo explica a BBC, o texto final deverá dizer que a neutralidade carbónica deverá ser atingida pelos países do G20 “até ou por volta do meio do século”, de modo a acomodar o compromisso da China, que é o maior poluidor do mundo, de alcançar a neutralidade carbónica até 2060 — e não até 2050, como vários países do mundo têm prometido.
À saída de Roma, o secretário-geral da ONU, António Guterres, saudou os compromissos climáticos assumidos este domingo pelos países do G20, mas diz que sai de Roma, onde decorreu a cimeira, com as suas esperanças por concretizar.
“Embora saúde o novo compromisso do G20 com soluções globais, saio de Roma com as minhas esperanças por concretizar — mas, pelo menos, não estão enterradas”, escreveu Guterres no Twitter. “Sigamos para a COP26 em Glasgow para manter vivo o objetivo dos 1,5ºC e para implementar promessas sobre as finanças e a adaptação das pessoas e do planeta.”
Uma grande parte dos líderes do G20 seguem agora viagem para Glasgow, na Escócia, onde na segunda-feira ao final da manhã começa a Cimeira de Líderes, um evento de dois dias que vai contar com intervenções de quase duas centenas de chefes de Estado e de Governo — e que dá o pontapé de saída para duas semanas de conversações e negociações com vista à adoção de um documento final com novas metas climáticas.
A COP26 reúne em Glasgow todos os signatários dos vários tratados climáticos assinados ao longo das últimas décadas no contexto da ONU, mais notavelmente o Acordo de Paris. Segundo as normas do documento de Paris, os países devem reunir-se a cada cinco anos para avaliar o progresso feito e submeter novos objetivos políticos mais ambiciosos — esperando-se que ao longo destas duas semanas os vários países apresentem novas metas climáticas.
Serão notadas algumas ausências: os presidentes Xi Jinping da China e Vladimir Putin da Rússia não vão estar em Glasgow. Mas o acordo assinado agora em Roma pode ajudar a moldar o debate da COP26, agora que países como a China, a Índia ou a Rússia estão formalmente comprometidas a agir no sentido de manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC. O caso indiano é paradigmático: o primeiro-ministro Narendra Modi estará em Glasgow, mas tem reiterado que o grande foco do combate às alterações climáticas deve estar na ajuda financeira dada pelos países mais ricos aos mais pobres. Com 70% das suas necessidades energéticas garantidas pelo carvão, a Índia está longe de conseguir uma transição para energias verdes a tempo de alcançar a neutralidade carbónica até 2050 — e insiste que precisa de ajuda dos países mais desenvolvidos para se tornar mais verde.
Os líderes do G20 chegam esta segunda-feira a uma cimeira do clima que arrancou a meio-gás, com um plenário de abertura em que o governante britânico Alok Sharma, que agora assume a presidência da COP, assinalou que a janela de oportunidade para o objetivo dos 1,5ºC se está a fechar.
Recordando que “as alterações climáticas não pararam” durante a pandemia, Sharma considerou que a COP26 é “a nossa última melhor esperança” para garantir que continua a ser possível limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.
“Há seis anos, em Paris, chegámos a acordo sobre os nossos objetivos comuns”, disse. “Acredito que podemos fazer avançar as negociações e lançar de ambição e ação crescentes. Mas temos de começar. Se agirmos já e agirmos em conjunto, podemos proteger a nossa promessa preciosa e garantir que aquilo que Paris prometeu Glasgow pode cumprir.”
Também na abertura da COP26, a secretária executiva da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, Patricia Espinosa, disse que a humanidade se encontra “num ponto crucial da história” e que tem de agir rapidamente para evitar um “futuro sombrio”.
“Estamos num ponto crucial da história”, disse Espinosa, a figura máxima da ONU para o combate às alterações climáticas. “Ou escolhemos atingir reduções rápidas e de larga escala das emissões para manter o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC ou aceitamos que a humanidade enfrenta um futuro sombrio neste planeta.”
Quem já está em Glasgow por estes dias é a ativista sueca Greta Thunberg, juntamente com centenas de outros ativistas climáticos que durante as próximas duas semanas vão organizar uma série de eventos paralelos à COP26 para exigir aos decisores políticos ações concretas em defesa do planeta. A COP26 prossegue na segunda-feira com a cimeira de líderes e terá, a partir de quarta-feira, um conjunto de dias temáticos para debates científicos sobre a ação climática. Para a segunda semana estão previstas as últimas rondas negociais, das quais deverá resultar um documento final de compromisso dos signatários do Acordo de Paris.