Desagrado no PSD (que não quis carregar mais nas críticas ao Presidente), no PCP e no PEV; sintonia ou, pelo menos, resignação entre os restantes partidos. Assim se fez a catadupa de reações partidárias ao anúncio do que já se sabia, na cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa, ser inevitável: o Parlamento vai mesmo ser dissolvido e as eleições serão marcadas para 30 de janeiro. Segundo Marcelo, uma data que permitirá fazer campanha e debates com tempo, sem colar o processo ao Natal e ao Ano Novo; para os partidos que o criticam, é antes uma forma de se intrometer na vida interna dos partidos da direita, beneficiando os challengers que se preparam para desafiar as lideranças de PSD e CDS.

“Está decidido e há que ir em frente”. Marcelo Rebelo de Sousa tinha falado há menos de uma hora quando Rui Rio surgiu, em entrevista à TVI, a resumir a isto — “ponto final, parágrafo” — a reação oficial do PSD à data escolhida pelo Presidente da República para as eleições antecipadas, a 30 de janeiro. Era a reação mais esperada e, se Rio não carregou nas críticas, também não ficaram dúvidas sobre o que pensa da decisão presidencial: dias antes, dizia na SIC que se Marcelo escolhesse uma data no fim de janeiro ou fevereiro ficaria provado que estava interessado em “dar uma ajuda” a Paulo Rangel na liderança do PSD. A grelha de análise de Rio estava lançada; agora, frisou, a prioridade não é perder-se num “pingue-pongue” de acusações que só ajudará o PS.

Do lado das críticas a Marcelo esteve também o PCP, e curiosamente com argumentos em linha com os de Rio. O deputado comunista António Filipe foi duro: a data escolhida é “incompreensivelmente tardia” e “entra em contradição” com o que o próprio Presidente tinha dito em outubro, quando defendeu eleições “o mais rápido possível”.

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Assim, para o PCP, só há uma conclusão a tirar: “Ao decidir protelar até ao fim de janeiro dá a ideia de estar a pôr à frente dos interesses nacionais conveniências de candidaturas às lideranças da direita”, disse António Filipe, a pensar nas eleições diretas no PSD e em Paulo Rangel, que queria puxar as eleições para mais tarde, para conseguir conduzir o processo eleitoral caso consiga retirar a liderança a Rio. Para o PEV, a mesma conclusão: com esta data, “não se permitiu que as eleições fossem o mais cedo possível”.

À esquerda, ainda o passa-culpas

À esquerda evidenciou-se ainda o passa-culpas, com o Bloco de Esquerda a surgir nos Passos Perdidos, no Parlamento, logo após o anúncio presidencial, a afirmar que “não foi por vontade do Bloco de Esquerda que houve uma crise”.

Essa responsabilidade foi atirada pelo líder parlamentar Pedro Filipe Soares para o PS, embora também não ilibe o Presidente da República de responsabilidades, já que veio falar de eleições antecipadas em plenas negociações do Orçamento.

“O Presidente da República foi quem, ainda decorria o processo negocial, ameaçou com a existência de eleições antecipadas e foi, da parte do Governo, o senhor primeiro-ministro quem não pretendeu ter no processo de discussão do Orçamento do Estado, um orçamento capaz de responder ao país”, afirmou o deputado bloquista. Já quanto ao BE, garante não ter desejado eleições e que sempre teve “como vontade garantir um orçamento que não faltasse ao país neste momento fundamental”.

Do PS, o deputado e o país ouviram José Luís Carneiro declarar, logo no início da declaração que fez a partir da sede socialista, que o “PS tudo tem procurado fazer para dar resposta aos problemas dos portugueses, tudo fez para evitar a crise política” e que “tentou até ao limite” aprovar o Orçamento para o próximo ano. Lembrou mesmo que os habituais parceiros parlamentares “rejeitaram as propostas do Governo sabendo que o Presidente convocaria eleições”.

Entre os três antigos parceiros, só o PCP ficou fora do passa-culpas sobre quem foi o responsável pela precipitação de eleições, acabando por poupar o PS.

E José Luís Carneiro foi o único do dia a fazer a defesa da proposta de Orçamento do Governo que acabou chumbada e garantiu, para os meses que vão daqui até às eleições, que “com o PS não haverá vazio de poder”. “Procuraremos que a situação prejudique o menos possível o interesse de Portugal, tudo faremos para garantir a atempada e eficaz aplicação dos fundos europeus e de manter o país em condições de recuperar a economia”.

Antes de terminar, colou-se ainda ao que o Presidente da República, que que fazia falta, neste momento, no país, “a certeza, segurança e estabilidade”. José Luís Carneiro apelou à “mobilização” dos portugueses para que se possa “garantir certeza, confiança e estabilidade”, numa expressão copy/paste da utilizada por Marcelo na declaração ao país.

PS, BE, PAN e restante direita pacificados com data de Marcelo

De resto, o PS mostrou-se pacificado com o calendário anunciado por Marcelo, apesar de ter defendido nas últimas semanas que o melhor seria partir para eleições o mais cedo possível. A partir do largo do Rato, José Luís Carneiro, concordou com a escolha do dia 30 de janeiro: “Permite que todos possam participar ativamente e conscientemente na campanha eleitoral”. Sempre com o cuidado de enfatizar que esta é a “decisão do Presidente”: afinal, o PS tem recusado responsabilidades pela abertura da crise política e lembrado que essa foi a via que Marcelo escolheu seguir (embora ainda esta quarta-feira António Costa tenha descrito, no Conselho de Estado, a solução das eleições como um “mal menor”).

Entre os partidos da direita, houve sobretudo um tom de concordância com Marcelo Rebelo de Sousa — tanto pela data escolhida como, sobretudo, pelas críticas implícitas que o Presidente da República deixou à esquerda quando considerou que o Governo perdeu a base de apoio que tinha, justificando assim a decisão de partir para eleições antecipadas.

A maioria de esquerda “ruiu” por “razões profundas”, concordava, minutos depois de ouvir Marcelo, João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal. “Ficou claro a quem o Presidente apontou o dedo. Com este nível de divergência assumido tornava-se impossível manter esta maioria”, corroboraria, a seguir, André Ventura.

Quanto às datas, nada a opor: do lado da IL, a sugestão já tinha sido precisamente a de marcar nova ida às urnas para 30 de janeiro; já Ventura admitiu que esta não era a data que queria, mas considerou “compreensível” o argumento de Marcelo — o de evitar que a campanha arranque ainda em período festivo. Por aqui, não houve críticas ao Presidente.

Ainda à direita, no CDS, registavam-se mixed feelings: do lado da direção, a porta-voz Cecília Anacoreta Correia nem atirou a Marcelo nem respondeu ao challenger Nuno Melo, dando como certo que Francisco Rodrigues dos Santos liderará todo o processo que se seguirá até às eleições — “tem mandato até ao dia da entrega das listas, das eleições e permanecerá até ao dia em que for substituído”.

A polémica está instalada precisamente à volta dessa substituição — minutos depois de Marcelo falar, Nuno Melo apressava-se, via comunicado, a apelar de novo a Rodrigues dos Santos para que recuasse na decisão de adiar o congresso, lembrando que, com a data anunciada por Marcelo, é possível realizar o conclave e eleger a nova liderança do partido. Para mais, o mandato da atual direção acabará antes das eleições antecipadas, dizia. “Paulo Portas teve mandatos que se estenderam até 27 meses”, recordaria simplesmente a porta-voz, por mais que Melo contestasse depois os seus argumentos aos microfones da rádio Observador.

Por fim, o PAN, pela voz da líder Inês Sousa Real, mostrou-se de acordo com a o calendário anunciado por Marcelo, embora tenha criticado sempre a abertura de uma crise política: a data “acautela” que a campanha “não colide com o Natal e o Ano Novo”, admitiu Sousa Real.