O papel histórico de Max Stahl, que filmou há 30 anos o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Díli, e que morreu em outubro, foi esta terça-feira evocado num simpósio sobre a tragédia com participantes de vários países.

As imagens do jornalista, que morreu em 28 de outubro, representaram uma viragem na atenção internacional para a ocupação indonésia de Timor-Leste, e o massacre de mais de 200 pessoas reativou a solidariedade em vários países.

Morreu Max Stahl, o jornalista que filmou o massacre de Santa Cruz, vítima de doença prolongada

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O simpósio, organizado pela Timor-Leste Studies Association (TLSA) e que contou com participantes em Díli, Portugal e na Austrália, entre outros, contou com as presenças de alguns sobreviventes do massacre e ainda do ex-Presidente da República, José Ramos-Horta.

Durante o simpósio foi divulgado um documentário produzido pela equipa do Centro Audiovisual Max Stahl em Timor-Lete (CAMSTL), o arquivo onde estão milhares de horas de filmagens recolhidas pelo jornalista.

Foi ainda lida uma mensagem inédita de Stahl, que saiu de Timor-Leste em 2020 para tratamento médico na Austrália e não conseguiu voltar ao país, onde as suas cinzas serão depositadas nas próximas semanas.

O cemitério tornou-se famoso, em 12 de novembro de 1991, quando militares indonésios levaram a cabo o que ficaria conhecido como o massacre de Santa Cruz, um momento trágico de viragem na luta pela independência de Timor-Leste.

Mais de duas mil pessoas tinham-se dirigido a Santa Cruz para prestar homenagem ao jovem Sebastião Gomes, morto por elementos ligados às forças indonésias uns dias antes no bairro de Motael.

No cemitério, os militares indonésios abriram fogo sobre a multidão e provocaram a morte de 74 pessoas no local. Nos dias seguintes, mais de 120 jovens morreram no hospital ou em resultado da perseguição das forças ocupantes. O massacre foi filmado por Max Stahl e a atenção internacional sobre Timor-Leste mudou para sempre.

“As noites que antecederam a manhã de 12 de novembro de 1991 nunca me deixaram”, recorda Stahl no texto enviado para Díli e em que recorda as entrevistas realizadas com responsáveis da resistência armada nos dias antes do massacre.

Explica ter recebido uma mensagem a pedir o seu regresso a Díli onde, na manhã de 12 de novembro visitou a casa do irmão de José Ramos-Horta, Arsénio.

“Os miúdos da casa de Edite e Arsénio desenterraram uma bandeira portuguesa e outra revolucionária, e ainda uma bandeira do BNU – Banco Nacional Ultramarino Português. Estavam todas enterradas numa lata no jardim da casa. Eles mostraram as três para a minha câmara antes de eu partir para a Igreja de Motael, em Díli”, escreveu.

Stahl relembra ter ficado marcado pela forma como timorenses, em todo o país, deixando mensagens de “dignidade” perante a “brutalidade, a raiva da loucura ao redor”, que marcou a ocupação indonésia do país.

Aquela mensagem de dignidade que filmei e coloquei na TV ao redor do mundo transformou as perspetivas não apenas daqueles que saíram pacificamente para protestar no dia 12 de novembro, não apenas daqueles da resistência que os tornou quem eles eram, não apenas dos guerrilheiros cuja luta desafiava toda a lógica militar, mas até mesmo de muitos outros povos em todo o mundo que haviam perdido as esperanças”, escreveu Stahl.

“Às vezes, a dignidade pode mudar o mundo. Por este ‘insight’, agradeço às pessoas que resistiram silenciosamente, sem alarde, no que parecia uma causa sem esperança, e mostraram que às vezes a fé realmente pode mover montanhas e valores compartilhados por gerações, de montanhas a cidades, de uma pequena ilha abandonada e esquecida o mundo pode conquistar a arrogância e o assassínio, contra todas as probabilidades” enfatizou.

Trinta anos depois do massacre, Stahl diz que a mensagem de Santa Cruz ajudou a “libertar uma nação e a reacender a esperança num mundo de desespero”.