As 197 delegações presentes na cimeira do clima de Glasgow (COP26) aprovaram este sábado o “Pacto do Clima de Glasgow“, o documento final resultante de duas semanas de negociações (que se arrastaram por mais um dia depois de ter sido impossível chegar a acordo na sexta-feira, o último dia oficial da cimeira) com vista à materialização dos objetivos globais de luta contra as alterações climáticas e de mitigação dos seus efeitos.
O acordo, aprovado ao fim de intensas negociações em torno de alguns aspetos centrais que dividiram as delegações, ficará na história por um conjunto de inovações.
"Hearing no objections, it is so decided.“
In Glasgow, governments have just adopted the first key decisions of the #COP26 closing plenary. pic.twitter.com/JFt2vMmHiA
— UN Climate Change (@UNFCCC) November 13, 2021
Por um lado, é a primeira vez que um tratado da ONU sobre as alterações climáticas menciona especificamente o papel dos combustíveis fósseis e da queima do carvão no aquecimento global. No documento final, lê-se que a COP “convoca as partes a acelerar o desenvolvimento, a implementação e a disseminação de tecnologias, e a adoção de políticas, para transitarem para sistemas energéticos de baixas emissões, incluindo através da rápida aceleração da implementação de produção de eletricidade limpa e de medidas de eficiência energética, incluindo a aceleração dos esforços rumo à redução progressiva da eletricidade a carvão não sujeita a compensação carbónica e dos subsídios ineficientes aos subsídios fósseis, reconhecendo a necessidade de apoio para uma transição justa”.
Trata-se de uma formulação substancialmente menos comprometedora do que a que havia surgido no primeiro esboço do documento, no qual se lia apenas que a COP convocava “as partes a acelerar a eliminação progressiva do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis”.
A introdução de uma série de condicionantes resultou de várias rondas negociais em que a intervenção de países como a Arábia Saudita foi vital para reduzir a ambição original do projeto. Referências como os “subsídios ineficientes” (sob o argumento de que a eliminação total de subsídios aos combustíveis fósseis em alguns países mais pobres poderá causar grande tumulto social, vagas de desemprego e outros problemas entre as pessoas mais pobres) ou à “necessidade de apoio para uma transição justa” deixarão uma grande margem de manobra aos países para que possam contornar a medida.
Por outro lado, a poucos minutos da adoção do texto final, a Índia pediu (e conseguiu) que a expressão “eliminação progressiva” fosse substituída por “diminuição progressiva” no que toca ao carvão. A Índia obtém cerca de 70% da sua energia através da queima de carvão.
De qualquer modo, a inclusão da necessidade de caminhar para o fim dos combustíveis fósseis é uma novidade neste tipo de documentos e, por isso, considerada uma vitória diplomática da presidência britânica da COP26 — embora várias associações ambientalistas a nível mundial lamentem que o documento final tenha perdido uma parte tão grande da sua ambição inicial.
O documento final inclui também várias provisões relativas ao financiamento da transição energética, da mitigação dos efeitos das alterações climáticas e da reparação dos danos já sofridos pelos países mais vulneráveis — um dos tópicos mais quentes da discussão e um dos assuntos que mais contribuíram para o atraso nas negociações.
No que respeita à adaptação aos efeitos inevitáveis das alterações climáticas, o documento reconhece que “a atual provisão de financiamento climático para a adaptação continua a ser insuficiente para dar resposta aos cada vez piores impactos das alterações climáticas nos países em vias de desenvolvimento”, pelo que apela aos países desenvolvidos que, “pelo menos dupliquem a sua provisão coletiva” até 2025 (em comparação com os números de 2019).
Relativamente ao bolo total do financiamento que deverá ser mobilizado pelos países mais ricos em benefício dos mais pobres (e por isso mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas), o Pacto do Clima de Glasgow reconhece que o grande objetivo traçado e reiterado várias vezes nos últimos anos — mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano a partir de 2020 — não foi alcançado. Nesse sentido, o acordo saúda os anúncios já feitos por alguns países de que vão aumentar os seus contributos para este fundo e apela a que o objetivo seja alcançado “com urgência” e permaneça até 2025.
O que acabou por ficar de fora do acordo final foi uma concretização mais pormenorizada do modo de financiamento na secção “perdas e danos” — um dos tópicos mais quentes de todo o debate. Na prática, trata-se de um segmento do acordo que versa sobre os impactos que os países mais vulneráveis e mais pobres já estão hoje a sofrer devido às alterações climáticas. Os países mais vulneráveis, tendencialmente aqueles que menos contribuíram para o aquecimento global, consideram que esta é uma fatura que cabe aos países mais ricos (cujas economias contribuem desproporcionalmente para o aquecimento global), mas entre os países mais desenvolvidos há o risco de que a cláusula abrisse uma caixa de Pandora e os expusesse a enormes riscos financeiros — pelo que a colaboração nesta matéria ficou mencionada no acordo de Glasgow em contornos gerais, sem compromissos mais concretos em termos de valores ou janelas temporais.
Outro aspeto fundamental do Pacto do Clima de Glasgow prende-se com a frequência com que os países signatários do Acordo de Paris deverão rever as suas políticas climáticas. Até aqui, o acordo previa que o fizessem de cinco em cinco anos, mas a comunidade científica e vários países defenderam que isso seria insuficiente para alcançar a meta dos 1,5ºC até ao final do século — e que, para isso, seria necessária uma revisão anual da ambição das políticas climáticas. Assim, o documento final determina que os países apresentem, até ao final de 2022, os seus compromissos climáticos reforçados — e também que a revisão destas metas deverá ser feita anualmente até 2030.
As opiniões sobre o documento têm-se dividido. Na conta oficial da COP26 no Twitter, lê-se que o documento aprovado “mantém vivos os 1,5ºC”, uma referência ao grande objetivo desta cimeira: garantir que as metas de Paris podem ser alcançadas este século.
Já o secretário-geral da ONU, António Guterres, reconheceu que o acordo final é um documento de compromisso que “reflete os interesses, contradições e vontades políticas do mundo atual”. “É um passo importante, mas não é suficiente. É altura de entrar em modo de emergência. A batalha pelo clima é a luta das nossas vidas e temos de a ganhar”, disse.
The #COP26 outcome is a compromise, reflecting the interests, contradictions & state of political will in the world today.
It's an important step, but it's not enough.
It's time to go into emergency mode.The climate battle is the fight of our lives & that fight must be won. pic.twitter.com/NluZWgOJ9p
— António Guterres (@antonioguterres) November 13, 2021
Do lado dos ambientalistas, há grande descontentamento com o facto de grande parte da ambição inicial se ter perdido nas negociações. Greta Thunberg, a jovem sueca que se tornou nos últimos anos numa das principais vozes do ativismo pelo clima, resumiu o documento final como “blá, blá, blá” e garantiu que o “trabalho real continua” fora da cimeira.
The #COP26 is over. Here’s a brief summary: Blah, blah, blah.
But the real work continues outside these halls. And we will never give up, ever. https://t.co/EOne9OogiR
— Greta Thunberg (@GretaThunberg) November 13, 2021