Apesar das votações habitualmente pacíficas no seio do Bloco de Esquerda, a escolha das listas de deputados está a revelar algumas fraturas no partido. Em causa estão as listas alternativas apresentadas pelos críticos internos, que se queixam de um “afunilamento” e “fechamento” da direção, e que venceram em dois casos, sendo que no Porto também será apresentada uma lista adversária.
Ao Observador, António Soares Luz, que representa a moção E (a que a maior fatia dos críticos internos levou à última convenção do Bloco, este ano) na distrital do Porto, confirma que será apresentada uma lista contra a da atual direção na votação deste domingo, encabeçada por Esmeralda Mateus, presidente da associação de moradores de Aldoar. E justifica: “Estes militantes foram afastados, porque não se reveem no método das listas fechadas. A intenção da direção é fechar a lista a outros pensamentos”.
Já no ano passado este grupo de militantes tinha, de resto, assumido uma posição conjunta contra este método de votação (a apresentação de uma lista pré-definida aos militantes, ou, na terminologia do Bloco, aderentes). Desta vez, decidiu avançar com a sua própria lista contra a que é apoiada pela linha oficial do partido e que é, no caso do Porto, encabeçada por Catarina Martins, seguida dos também deputados José Soeiro e Isabel Pires.
Mas o Porto não será caso único. Em Santarém, onde as listas foram votadas este sábado à tarde, também foi apresentada uma lista concorrente à da direção, afeta à moção E. E venceu: como a Lusa avançou, a lista encabeçada por Ana Sofia Ligeiro conseguiu 74 votos contra os 44 obtidos pela lista apoiada pela direção e encabeçada pela atual deputada Fabíola Cardoso (houve também um voto nulo).
O desentendimento em Santarém não é novo: já em 2019 o então deputado Carlos Matias, líder da distrital, tinha encabeçado uma lista alternativa à preferida pela direção e vencido. No entanto, na altura a Mesa Nacional do Bloco, que segundo os estatutos do partido tem a última palavra, impôs Fabíola Cardoso como cabeça de lista, ficando Matias afastado.
Agora, ao Observador, o dirigente local bloquista diz “esperar que a democracia interna funcione” e que a direção “aceite a votação”, recordando que o Bloco é feito de “várias sensibilidades”. E ataca aquilo a que chama uma estratégia de “afunilamento” da direção, que tem resultado numa série de maus resultados eleitorais, “de derrota em derrota“. Com um aviso para a campanha eleitoral: “Desta vez deviam aceitar a vontade maioritária dos militantes. Se for rejeitada, não tenho grandes expectativas para a mobilização para a campanha e isso enfraquece o Bloco”.
Os críticos venceram ainda em Portalegre, com a lista encabeçada por Cecília Carrilho a derrotar a de José Monteiro. Neste caso, não havia uma lista oficialmente apoiada pela direção e o elenco derrotado incluía pessoas afetas a uma outra moção minoritária, a moção C, que critica a linha oficial da direção do Bloco mas não se apresenta como oposição, assim como pessoas que estão alinhadas com a liderança. Quem venceu, entre as duas correntes internas, foi também neste caso a lista que era afeta à moção E.
Já em Vila Real a distrital promoveu uma votação em modo “lista aberta”, acabando por aprovar a proposta de lista por unanimidade. “Fizemos a escolha através de uma lista aberta, com uma discussão em que chegámos a um consenso, em vez do que era proposto pela direção, que era a lista fechada”, confirma ao Observador Rui Cortes, mandatário da lista, também afeto à moção E. A escolhida para encabeçar a lista foi Enara Teixeira, funcionária do Museu do Douro.
As votações para escolher as listas de deputados que concorrerão às eleições antecipadas de 30 de janeiro estão a decorrer durante todo o fim de semana nos plenários distritais do Bloco. Na sexta-feira, ficou aprovada a lista para Lisboa, encabeçada por Mariana Mortágua, que inclui de seguida Pedro Filipe Soares, Bruno Maia, Beatriz Gomes Dias e Leonor Rosas. No domingo será votada a lista do Porto, desta vez com duas listas concorrentes. E na próxima semana a Mesa Nacional do BE tem encontro marcado para dar luz verde — ou não — às decisões das distritais, assim como para discutir o programa eleitoral do partido.
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Os críticos do Bloco ganharam peso, pelo menos formalmente, na última convenção, este ano — a comparação é difícil de fazer, porque no conclave anterior não foram a votos, mas desta vez a moção E conseguiu 21,5% dos votos, o que significa que tem um quinto da direção nacional, a somar a cerca de 10% de votos de outras moções críticas da liderança de Catarina Martins.
Texto alterado no dia 21 de novembro com contexto sobre as listas de Portalegre.